A Balada do Padre Simões recordada nos 100 anos da Cidade de São Filipe, ilha do Fogo.

quarta-feira, 30 de março de 2022


1922-2022. A cidade de São Filipe encontra-se em plena comemoração do seu primeiro centenário como cidade.

 Salvé! São Filipe!

Mas antes de entrar propriamente nas considerações sobre a cidade centenária, gostaria de destacar uma figura religiosa que a cantou e a elogiou com verdadeiro afecto e singularidade. Trata-se de padre Simões com a sua inesquecível, “Balada de São Filipe” extensiva à ilha toda.

 Com efeito, Padre Cláudio Simões terá chegado a Cabo Verde, em 1946. Natural do Alentejo e pertencendo, creio eu, à Ordem do Espírito Santo.

 Aproveito a ocasião para anotar aqui uma pequena curiosidade, na ilha do Fogo à semelhança da ilha Brava, os padres eram e são ainda creio eu, em maioria, da Ordem Franciscana, os Capuchinhos, e regra geral, provenientes da Itália, quer nacionais daquele país, quer cabo-verdianos aí formados. 

Ora bem, retomando, padre Simões exerceu o seu ministério na ilha do Fogo, a partir do ano de chegada de Portugal. Ele distinguia-se na sua forma de estar e de actuar, com a comunidade foguense. Apresentava filmes, cantava «Santa Luzia» Avé Maria», «Solo Mio» e outras canções famosas com a sua portentosa voz de tenor. Tanto nas missas, como fora delas. Organizava espectáculos musicais com jovens. Aliás, ele foi mais tarde, quando transferido para a ilha de São Vicente, professor de Canto Coral na antiga escola Técnica e Comercial de Mindelo.

Eis um testemunho muito elucidativo e um comentário eloquente do Professor José Fortes Lopes - no “Blog” «Praia de Bote» 2013 - recordando a passagem do Pe. Simões por Mindelo:

“O saudoso Padre Simões (talvez 50-74) foi para mim uma referência e para milhares de jovens mindelenses da geração dos anos 70. Desde pequenito conheci-o nos Salesianos do padre Filipe (onde frequentei a escola primária, uma escola que me formou humanamente, espiritualmente etc.), (…) nas missas, nos cânticos corais e actividades culturais que esta escola organizava. Padre Simões tinha uma voz que podia quebrar um copo de cristal. Meu professor de música no Liceu, homem bom, jovial, dado ao convívio com os jovens, convivia basicamente com toda a mocidade mindelense. Muito participativo na vida cultural mindelense animava festas (tocava piano num conjunto), grupos musicais e culturais diversos naquele clima são, despreocupado e ‘bon enfant’ que se vivia no Mindelo do início dos anos setenta.

Padre Simões desapareceu de S. Vicente em 1974 e parece
que nunca mais voltou nem ouvi falar dele, nem se falou mais dele. Terá sido escorraçado pela arruaça e a canalhice?

É das pessoas que merecem ser homenageadas pela cidade do Mindelo (…).”Fim de transcrição.

 O padre cantor esteve durante os primeiros anos 50 ao serviço da comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, onde fez um trabalho notável de animação religiosa e cultural com documentários ilustrando as tradições cabo-verdianas e alentejanas, e as demonstrações de fé a Nª Senhora de Fátima. (vidé Artigo de Joaquim Saial «Crónica de Dezembro de 2013”. “ O Padre Cláudio Simões Um Missionário Alentejano Entre os Cabo-verdianos da América”. Publicado no «Praia de Bote».

 Em meados de 50, ei-lo de regresso ao Fogo que só deixaria nos finais da década de 60, rumando para Mindelo. Aí se fixou até à independência das ilhas.

Na mesma linha das memórias que Pe. Simões deixou em nós meninos, adolescentes, registo aqui a lembrança que guardo do Pe. Simões do Fogo, mais concretamente, dos Mosteiros da minha infância - dos meados, finais, dos anos 50 do século passado - onde ele ia muitas vezes oficiar e apresentar filmes e que foi objecto de uma passagem no livro «Contos Com Lavas» 2010. Transcrevo: “ (…) Ah! Os filmes que o Padre Simões por alturas especiais exibia!... Como eram por nós esperados com ansiedade! Ora pelo Natal, ora pela Páscoa, ou então por ocasião de algum santo padroeiro, lá aparecia o Padre Simões pela estrada do Espigão. Vinha a cavalo ou de moto, da cidade de S. Filipe, trazendo na mochila pesada aquilo que supúnhamos ser a suprema magia – a máquina de projecção. O ronco já familiar da mota atravessando a povoação em direcção à Fajãzinha, local de hospedagem do padre, provocava um alvoroço geral. Uma intensa excitação tomava conta de nós. Saíamos de casa a correr para anunciar a boa nova aos que porventura não se tivessem apercebido da chegada. Para nós, o padre Simões era um padre especial que a nossa imaginação situava a meio caminho entre o artista que compunha e que cantava com voz de tenor (…) e o homem da sétima arte. (…).” In «A Incendiária» pág. 118.

Eis agora aqui transcrita a célebre “Balada de São Filipe,” um hino de afecto à cidade que ele amou e de exaltação da ilha do vulcão.

I

Ilha do Fogo, terra ditosa

Recorda agora o teu passado

Ao som da morna, quero cantar

Tua beleza ao sol doirado

II

Teu nome santo de São Filipe

No céu reluz a rebrilhar…

Casas velhinhas que eu amo tanto

Ondas de espuma a murmurar…

III

Águias serenas rasgando os céus

Ponta bem alto lá bem cimeiro,

O campanário da tua igreja

Azul e branco anjo fagueiro…

IV

Nas tuas ruas cheias de paz

Deixa passar quem a ti vem,

Neste silêncio tão recolhido

Vive-se alegre, mora-se bem.

V

Nas noites calmas, luarizadas…

Ergue-se ao longe o teu vulcão

Raiando luz, fogo sagrado

Que purifica o coração…

 

 Posto isto, retorno à acidade centenária.

Salvé! São Filipe ou, San Filipe!  -Como diziam os seus naturais mais antigos - pela bonita idade de 100 anos!

Nunca é de mais recordar que a actual cidade, teve origem remota no antigo aglomerado populacional que foi fundada nos primórdios do povoamento das ilhas, São Filipe, é povoado logo a seguir à Ribeira Grande, primeira capital na ilha de Santiago.

“São Filipe, capital da ilha constituía o aglomerado populacional mais antigo de Cabo Verde depois da Ribeira Grande, Cidade Velha na ilha de Santiago. A sua fundação e povoamento ocorreram um quarto de século após o descobrimento de Cabo Verde pelos Portugueses em 1460, e ter-se-ia verificado ainda antes de 1493, pois a relação de entrega de alguns objectos de culto divino a essa ilha deixa pressupor. Os historiadores costumam situá-lo entre 1470 e 1491

Na data da sua elevação à categoria de Cidade, a vila contava com 4 mil habitantes e uma área de apenas 25 quilómetros quadrados, sendo que a Vila na altura era apenas um vestígio de um passado que se cria prospero. A dinâmica do crescimento urbano de São Filipe extravasou, há muito os limites do seu centro histórico.”

Os dados ora transcritos e acrescentados, são originários de diversos apontamentos históricos consultados, de autores vários, alguns não identificados, e pertencentes a instituições governamentais ligadas à ilha do Fogo.

Com efeito, a 15 de Julho de 1922, sendo governador de Cabo Verde, Filipe Carlos Dias de Carvalho, foi publicado no Boletim Oficial nº 28 de 15/07/1922, o diploma legal, (Decreto nº7:008 de Outubro de 1920) que elevava a então Vila de São Filipe - Bila, como local e popularmente era denominada – à categoria de cidade.

Assim rezava o articulado decisivo da mudança de estatuto urbano de São Filipe:

Artigo 1º É elevada à categoria de cidade a Vila de São Filipe que conservará o mesmo nome.

Artigo 2º Fica revogada a legislação em contrário.

Cumpra-se.

Residência do Governo, na cidade da Praia, 12 de Julho de 1922. – Filipe Carlos Dias de Carvalho, Governador.

 Na realidade, a Vila de São Filipe, já possuía na altura, algumas infra-estruturas que lhe permitiram alcandorar a cidade, tais como, água canalizada da Praia Ladrão, arruamentos calcetados, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, casas bem construídas, jardins, ou praças, entre outras infra-estruturas citadinas. A electrificação chegaria mais tarde, em 1939.

Nascia assim, e por muitos anos, a terceira cidade de Cabo Verde, depois da cidade da Praia e do Mindelo.

O interessante é que a cidade de São Filipe mantém ainda – nos dias de hoje - a traça de uma pequena urbe antiga, embelezada pelas suas casas assobradadas ou sobrados como são designadas as moradias de aspecto senhorial que a distinguiam e ainda a distinguem das outras urbes nacionais, e que ainda constituem o seu principal património construído. Uma cidade em jeito de um anfiteatro, de um declive acentuado, e sobranceira ao mar, do alto de um promontório.

Uma característica curiosa que a cidade manteve até à independência de Cabo Verde,1975 e pouco mais, se não me engano, foi sem dúvida, a limpeza das suas ruas que a fizeram ser considerada como a cidade mais limpa do Arquipélago.

De facto, a cidade São Filipe era de uma limpeza irrepreensível! Era uma cidade higienicamente tratada que dava gosto calcorrear as ruas bem varridas do seu centro histórico. Até se contavam histórias e algumas anedotas sobre a preocupação de limpeza - levado a extremos - quer pelas autoridades, Administradores do Concelho, quer também, pelos moradores para com a sua cidade.

Na mesma linha, aproveitando a passagem dos 100 anos da cidade de São Filipe, gostaria de prestar, ainda que singela, uma homenagem aos seus famosos e celebrados homens de Letras, da música e do pensamento; de gente de teatro, como Aníbal Henriques com as peças satíricas; de compositores como B´Leza (oriundo de São Vicente) mas que se encantou com São Filipe e a ilha, e na hora de a deixar registou-a saudosamente na morna “Hora de Bai”; (Não confundir com a “Hora de Bai” de Eugénio Tavares) de Pedro Rodrigues, outro famoso compositor da geração mais nova do que a dos citados, e que canta a ilha com renovado afecto em mornas e em coladeiras.

Relembrar igualmente os seus poetas, prosadores e ficcionistas de mérito, de entre os quais, se destacam: Henrique Vieira de Vasconcelos, Carolino Monteiro, Pedro Cardoso, Mário Macedo Barbosa, António Carreira e Henrique Teixeira de Sousa.

Falar da cidade hoje centenária, é também nomear os descritores/historiadores mais directos da sua geografia, da sua história humana e social; das festas das suas bandeiras dos santos populares, e dos seus sobrados, como Teixeira de Sousa, Félix Monteiro, Miguel Alves, Gilda Barbosa, Armindo José Barbosa, entre outros.

Saudar igualmente, o seu mais vivo porta-voz, Fausto do Rosário que continua a testemunhar  oralmente, com saber e com gosto, a História da sua cidade para quem a deseje conhecer.

Celebrar São Filipe, é também musicar a ilha do Fogo de toadas e de ritmos característicos, em que sobressaem o “rabolo,” a “mazurca,”  a “talaia-baxo,” a "manidja" e o "trabessado."

É igualmente recordar as suas cantadeiras e os seus cantadores populares, tais como, Ana Procópio e Príncipe de Ximento e os demais que ficaram por citar. 

Enfim, a força da palavra escrita, dita e cantada, fixou e celebrizou a cidade de nome santo, que festeja este ano a bonita idade de 100 anos.

 E assim termino este escrito, não sem deixar de exclamar: Viva! Viva! São Filipe!

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Associo-me a esta bela e justa homenagem à cidade de São Filipe. Nunca tive oportunidade de a visitar, mas é um desejo que gostaria de ver concretizado, porque é sem dúvida uma urbe com lugar de destaque na história do território.
Sobre o padre Simões, quando comecei a ler esta crónica pensei que foi quem me leccionou a disciplina de Religião e Moral nos dois primeiros anos do liceu. Mas concluí que não depois de ler que " em meados de 50, ei-lo de regresso ao Fogo que só deixaria nos finais da década de 60, rumando para Mindelo. Aí se fixou até à independência das ilhas." É que esse padre meu professor foi-o em meados dos anos 50 e pertencia aos Salesianos. O problema é que retenho na memória o nome Simões ou algo parecido. Oxalá ele não tenha sido "escorraçado pela arruaça e canalhice" depois de 1974, conforme receia o Professor José Fortes Lopes, o que infelizmente aconteceu a muito boa gente só por causa da cor da pele ou por ser da metrópole.

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