De
há uns anos a esta parte tem estado no centro das atenções e das preocupações –
configurando, por vezes, algum excesso − de organizações e dos governos de
quase todos os países do mundo, as questões climáticas.
Até
aqui tudo bem. De facto, exceptuando os casos extremados aberrantes e de alguma
barbárie neste capítulo, protagonizados por jovens que se intitulam “activistas”,
com a destruição de obras de arte, do património construído, indo até
aconselhar os miúdos a não irem à escola (Greta Thunberg); ressalvando essas partes
negativas e tristemente folclóricas, a questão climática deve merecer a atenção
de todos. Mas esta atenção deve ser ponderada, proporcionada aos danos que cada
um causa a nível mundial – como se sabe, e alguém já o disse, a atmosfera não
tem fronteiras – e deste modo exigida de forma dimensionada de acordo com as
necessidades dos países e o seu impacto no cômputo global sem qualquer prejuízo
para os objectivos finais globais definidos.
É
certo que se trata igualmente de um tópico que está na moda porque nas agendas
das organizações internacionais, tanto da ONU como das demais instituições
internacionais; e, para além do mais, tornou-se politicamente correcto e
recomendável, a sua menção expressa em todos os documentos e em todos os
discursos proferidos pelos altos dirigentes e responsáveis nos fora
nacionais e internacionais.
Infelizmente
tem faltado alguma ponderação – cautela, prudência e sensatez – nas abordagens ao
não se ter em conta as situações particulares de cada país, com receitas
generalizadas sem as devidas proporções e ressalvas, que a natureza, o estádio
de desenvolvimento e a situação de cada país exigem. Os casos não são iguais,
porque os países também o não são e possuem diferentes dimensões, características,
necessidades, possibilidades, natureza e instrumentos de intervenção no que diz
respeito aos factores de alteração do clima.
As
alterações climáticas não são um fenómeno novo. Existiram sempre, mesmo muitíssimo
antes da Revolução Industrial que as terá acentuado com a extracção exaustiva
dos recursos e a sua utilização intensiva na industrialização e no
desenvolvimento dos respectivos países.
Ao longo das eras geológicas sempre se
registaram significativas transgressões e regressões marinhas, isto é, o avanço
e o recuo do nível do mar e, consequentemente, da linha da costa. Sempre se verificaram
as grandes glaciações e desertificações. Portanto, descidas e subidas de
temperatura. O problema do CO2, – o da sua libertação – não sendo propalado no
passado, existiu sempre desde o começo dos tempos com os grandes, e de tempo
indeterminado, incêndios – naturais ou provocados – florestais; as grandes e
incontroláveis (incontroladas) queimadas que com a Revolução Industrial se evidenciou
– o CO2 – com as suas fábricas que poluíam o ar e inquinavam as águas. A
questão que hoje se põe é da velocidade com que estes fenómenos avançam e o
papel do Homem nestas alterações. É simplesmente assustador!!!
Não,
não somos, nem de perto nem de longe, negacionistas. Somos realistas!
Contudo,
e antes de continuar, gostaríamos de dizer que tudo isto vem a propósito da
leitura do oportuno e interessante artigo de José Tomaz Wahnon Veiga,(JTV),
intitulado: «Contra a Corrente e a Maré» publicado no jornal «Expresso das
Ilhas» de 21 de Junho de 2023, do qual recomendamos a leitura. Nele o
autor questiona a priorização de Cabo Verde em consignar cerca de 8 milhões de contos
anuais durante os próximos 7 anos na criação de “energias verdes” nas ilhas, ao
invés de os investir − parte deles – em sectores-chaves do desenvolvimento do
país, designadamente, Educação, Saúde ou Segurança Pública? Chama atenção pelo
facto de um Programa rigorosamente igual em termos de objectivos e horizonte
temporal – 10 anos – projectado pelo anterior Governo de cuja realização terá
ficado muitíssimo aquém da meta estabelecida. E também sugere, através dos valores constantes
desse artigo e apresentados no quadro a seguir, que existe uma autêntica
obsessão pelas “alterações climáticas” que vem desde o Governo anterior, ao
actual, que é absolutamente desproporcional à nossa efectiva contribuição nessa
alteração à escala global – 0,0018 %. E mostra como tem sido desequilibrada a
distribuição dos investimentos públicos. Estas são, entre outras, a grande
questão interpelativa do autor.
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||||||
Investimento Público médio anual de 2016 a 2022 (Milhares de contos) |
Investimento Médio anual projectado para
Energias Renováveis de 2023 a 2030 |
|
||||
Educação |
Saúde |
Segurança e Ordem Pública |
Investimento Público total |
|
||
1 500 |
878 |
678 |
13 500 |
8 000 |
|
|
A
determinada altura Tomaz Veiga, em jeito de pergunta, esclarece: “Por que razão
deverá o Estado de Cabo Verde investir tanto dinheiro no aumento de penetração
das fontes de energias renováveis? O que justifica essa urgência, emergência
mesmo? Estaremos nós Cabo Verde a contribuir de forma tão desproporcional para
o aquecimento global do planeta e, deste modo, para todas as desgraças que aí vêm
(…)?”
Convenhamos
que Cabo Verde não é um poluidor, nunca o foi e não tem qualquer potencial para
o ser. Pelo contrário, desde sempre uma grande vítima da mãe Natureza, – agredida,
maltratada, fustigada, – com chuvas raras, escassas e irregulares; com períodos
de secas e de estiagens infindáveis; com uma camada de solo arável frágil e
superficial que desliza ao mínimo toque das cheias quando a pluviometria se faz
sentir mais forte nas ilhas, tendo como resultado uma agricultura de há séculos
classificada como de subsistência, que nunca acudiu e não acode nem de longe,
nem de perto, à totalidade das necessidades alimentares do Arquipélago; e, para
culminar, a inexistência de qualquer recurso mineral.
Face
a isto, pergunta-se que culpa grande tem Cabo Verde com as alterações
climáticas? Que penitências e que expiações vai ter de cumprir por algo que ele
traz desde o início, como “maldade afrontosa” perpetrada pelas suas próprias
condições naturais?
Pois
bem, voltando ao Artigo de J. Tomaz Veiga, temos o quadro seguinte:
Libertação
de CO2 proveniente de Produção de Energia de fontes fósseis em 2021 (milhares
de milhões de toneladas) |
|
|||||
China |
Estados
Unidos |
Total
Mundial |
Cabo Verde |
|||
11,47 |
5,01 |
37,12 |
668 mil
toneladas |
|||
30,90% |
13,50% |
100% |
0,0018 % |
|||
|
Como se poderá ver pelo quadro, corroborando a conclusão de JTV: “O nosso contributo para o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas é praticamente nulo”.
Mas
enquanto isto, exigem – Agências e Organizações Internacionais – rigorosamente
o mesmo contributo que os grandes países poluidores que, de uma maneira geral vêm
aumentando ano após ano, alguns de forma significativa, a dimensão de poluição priorizando
o seu desenvolvimento e o bem-estar da sua população em detrimento de medidas efectivas
para combater a aceleração das alterações climáticas.
Nenhum
país se desenvolve sem energia, mas também não há desenvolvimento e bem-estar
sem Educação e sem Saúde. E é aqui que reside a intervenção dos Governos, na
interpelação de JTV. Na prioridade, no desafio e nos seus desígnios. E os
Governos devem pensar no futuro, mas não sem antes resolver os problemas do
presente. É o que tem feito, p.e., a China: tira da miséria uma parte muito
significativa da sua enorme população produzindo sem qualquer restrição energia
a partir de fontes fósseis enquanto vai manobrando os efeitos desta acção na
alteração climática.
Como
se poderá meter Cabo Verde no mesmo saco em que está a China, os Estados Unidos,
a Alemanha, a India, o Brasil, o Canadá, a Itália e os outros grandes contumazes
(ou obstinados) poluidores?
Não
podemos estar em desacordo que o Governo tenha metas em prover Cabo Verde de
energia de fontes renováveis que seguramente serão o futuro do País. O que deve
haver é alguma ponderação nisto. Elas, as metas, não devem nunca pôr em causa o
bem-estar imediato da população e o desenvolvimento “sustentado” do País. O que significa que não pode é ser obtida à
custa de sacrifícios em áreas cruciais para o desenvolvimento do país e o
bem-estar da população apenas para “agradar” as agências e organizações internacionais;
cumprir as suas “generalizadas” orientações para ganhar os seus louvores
envenenados ou para alardear e ufanar inconsequente liderança de modismos. Se
estas agências têm esta preocupação devem é pensar em criar mecanismos ou
projectos para combater as alterações climáticas suportando os esforços da
contribuição dos países de escassos recursos e outras urgências ou mesmo
emergências, a fundo perdido ou contribuindo com uma parte tão importante que
não bulisse com os programas urgentes de cumprimento extenso – Educação e Saúde
– de desenvolvimento do País.
A
situação é verdadeiramente crítica! Não fomos nós que a criamos nem somos nós
que a alimentamos!
Recorrendo
a velhos aforismos: quem as fez que as expie. Serão os países ricos e
desenvolvidos. Que não este pequeno Arquipélago tão e sempre fustigado pela mãe
natureza.
Veja-se
(artigo de JTV) o quadro dos maiores consumidores da energia de origem fóssil
por habitante do mundo e atente-se ao seu nível de desenvolvimento:
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|
|
|
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Consumo de energia de origem fóssil por habitante (KWh) |
||||
EUA |
Austrália |
Alemanha |
Europa |
China |
62 365 |
53 369 |
31 834 |
30 030 |
25 403 |
Não,
– repetimos, – não somos de modo algum negacionistas. Bem ao contrário, estamos
bem cientes dos malefícios da aceleração das alterações climáticas e do esforço
que se tem de fazer para as sustar. Mas também estamos cientes que a contribuição
de Cabo Verde para esta situação no passado e actualmente, não é apenas desprezável,
é, simplesmente, desprezível.
Exigir-se
do, e ao, País um esforço que corresponde a uma meta que no mundo só um país muito
desenvolvido, que já consumiu toda a energia proveniente de fontes fósseis que
precisou para o bem-estar pleno da sua população – a Dinamarca – é
desproporcional, é insensato e, até certo ponto, desumano.
Façamos
todos uma auto-avaliação serena, tranquila, sensata, honesta e ponderada da dimensão
da nossa intervenção à escala global nas alterações climáticas, bem como das
necessidades prementes e inadiáveis da nossa população e estabeleçamos deste
modo as nossas prioridades e os nossos desígnios. Tenhamos sempre presente que
sem energia barata não há desenvolvimento, e sem desenvolvimento não há combate
à pobreza.
É
neste âmbito que interpretamos e apoiamos o excelente artigo de JTV:
Renováveis,
sim! Desde que – e enquanto – não belisque o bem-estar e o desenvolvimento do
País, designadamente, educação e saúde.
Ondina e Armindo
1 comentários:
Estou completamente de acordo com os autores deste artigo bem estruturado e bem fundamentado no seu foco principal: Cabo Verde não tem qualquer possibilidade de contribuir, por pouco que seja, para a redução de gases poluentes. E mesmo que o tentasse, seria tão irrisório quanto desprezível o seu contributo.
N0ão tenho informação que me permita saber se as agências das Nações Unidas para os problemas climáticos estão à espera de um qualquer contributo de Cabo Verde ou se alguma vez o seu governo foi instado ou lhe foram impostas quaisquer metas nesse sentido. A pressão poderia traduzir-se nos seguintes termos: para receberem ajudas financeiras externas têm de atingir este e aquele objectivo em matéria de prevenção climática.
Ora, recuso aceitar que semelhante quadro de exigência tenha sido imaginado, quanto mais posto em prática, relativamente a um país que não tem quaisquer combustíveis fósseis, seja petróleo, carvão mineral ou gás natural. As prioridades do país são, efectivamente, outras bem diferentes: a educação, a saúde e o desenvolvimento económico, como foi aqui referido e ninguém ignora.
Por tudo isto é que me permito questionar sobre o que realmente determinou o investimento concebido pelos governos cabo-verdianos na produção de energias renováveis. A única resposta que entendo plausível é precisamente a circunstância de o país não possuir combustíveis fósseis e ter de os importar, com largos custos para o seu limitado orçamento. É uma grave dependência de que o país tem perfeita consciência e de que procura ou tenta livrar-se da única forma possível: apostando nas energias renováveis. O vento, o sol e a energia das marés felizmente não nos escasseiam. Agora, se as medidas têm sido adequadas ou suficientes é que importará questionar, e pelo que li têm ficado aquém do projectado.
Posto isto, penso que o artigo do Dr. José Thomaz Wahnon Veiga não é muito claro a respeito do que efectivamente determina os propósitos do governo: participar no combate às alterações climáticas ou procurar reduzir o mais possível a importação de combustíveis fósseis para a produção de energia eléctrica?
Se os governos não têm sido suficientemente explícitos a esse respeito, o problema é de comunicação e tem de ser cabalmente resolvido. Porque é impossível não concordar com a conclusão final deste texto – “Renováveis, sim! Desde que – e enquanto – não belisque o bem-estar e o desenvolvimento do País, designadamente, educação e saúde”, e implicitamente com o que é aduzido no artigo do Dr. Veiga.
Contudo, e metendo a colher onde não me sinto à vontade para opinar, por insuficientemente informado, penso que as despesas para a consecução do objectivo que os governos de Cabo Verde se propõem,0
têm de ser encaradas numa perspectiva de longo prazo. Como o dinheiro não cai do céu e não há milagres, é impossível que no decurso da trajectória da planificação e da execução do projecto não se tenha de retirar algumas verbas aos ditos sectores prioritários. É a velha questão do prazo em que as reformas levam a produzir efeito, coisa que hoje em dia tende a travar ou a impedir que os governos as empreendam, convencidos de que eleitoralmente é mais vantajoso ater-se à duração dos ciclos eleitorais do que projectar o futuro.
Eu, da minha parte, apoio incondicionalmente toda a reforma que liberte o nosso país da dependência de recursos energéticos externos.
Foi-me gratificante participar no diálogo sobre este tema, o que agradeço aos Amigos Ondina e Armindo, pela sua disponibilidade cívica em debater sobre os mais importantes problemas do país.
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