Por vezes o mote para um texto surge de forma inesperada, e não deixa de ter o seu quê de surpreendentemente agradável!
Foi o caso de, ao abrir o meu correio electrónico, ter encontrado um convite vindo da prestigiada Casa da Memória da ilha do Fogo e da sua responsável a minha querida amiga Monique, sobre a exibição de um Documentário intitulado: «Ilha Da Cova Da Moura».
Dito desta forma, pretendo explicar que o tema foi dele cooptado e correlacionado com uma conversa tida recentemente sobre a responsabilidade parental, no caso, foi mais de desresponsabilização paternal.
É minha opinião que é na família ou melhor, na ausência estruturada dela que encontramos as causas maiores dos males que afectam e condicionam o perfil e o comportamento social de uma parte significativa dos nossos cidadãos.
Mas antes de continuar, abro um parêntesis para contextualizar o que a seguir conto, dizendo num aparte, que o mês de Junho tem sido nas paróquias do país, ou pelo menos nas da Praia, o mês dos Crismas. Sei-o bem, pois na paróquia que frequento, aconteceu tal solenidade na semana passada. Fecho o parêntesis e retomo o tema.
Um dos filhos da minha empregada vai a crismar proximamente e, contou-me ela que o Pároco pediu aos crismandos a presença dos pais numa das reuniões de preparação do evento.
Ora bem, vai daí o nosso jovem rapaz, explicou ao padre que ele tinha apenas mãe. Que do pai, ele sabe que ele está vivo, sabe quem é, mas que nunca o tratou e nem dele cuidou como filho. Daí não fazer qualquer sentido, ter o progenitor ao lado dele naquele momento de tão grande importância, no seu entender.
Pois bem, teremos de dar alguma razão ao rapaz. Ele foi autêntico! Não queria ao lado e, numa ocasião especial, o tal “pai de drops” – numa bem achada definição, simbólica embora, de uma juíza de família que lida ou lidou no tribunal com este protótipo de pai e com os problemas por ele causados com a sua irresponsabilidade em não assumir os filhos que traz ao mundo e que só os chama e se lembra deles em dias festivos e quando com eles topa, para lhes dar os tais “drops” (rebuçados), esquecendo-se nos restantes dias do ano de que é o pai.
Infelizmente, esse é um triste quotidiano da realidade, com maior visibilidade, na família desestruturada, monoparental da camada social mais pobre e iletrada de Cabo Verde, mais visível numas ilhas do que noutras e sobretudo, com toda a configuração suburbana de bairros periféricos e problemáticos das cidades.
Eu sei que o tema é recorrente nas análises sociológicas que se tecem sobre a família monoparental cabo-verdiana, mas não perde e nem esgota a actualidade e a possibilidade de diferentes ângulos de abordagem.
Creio, que nos dias de hoje constitui o mais sério problema com que se defronta a nossa sociedade. É um cidadão que assim é criado!
Voltando ao Documentário, objecto do simpático convite da Casa da Memória – que com as suas actividades, tem proporcionado aos sanfilipenses momentos de cultura, de reflexão e de reencontro com a sua identidade – o Documentário, dizia eu, aborda aspectos mais abrangentes da emigração pobre, e mal integrada e com problemas outros e bem diferenciados, mas também de conflitos em lares disfuncionais, num dos bairros mais problemáticos da chamada grande Lisboa. Nas palavras que acompanham o convite trata-se de: “Um bairro muitas vezes associado à ideia de violência, insegurança, perigo ou simplesmente pobreza, onde vive uma grande comunidade cabo-verdiana”
A hodierna emigração cabo-verdiana – com especial ênfase sobre a acontecida de há três décadas a esta parte, ou pouco mais, quer para Portugal, quer para os Estados Unidos – parte dela, para não dizer grande parte, reflecte também os problemas da disfuncionalidade da família numerosa pobre que a cargo de uma mulher-mãe de reduzidas posses, pouco alfabetizada criou e continuou a criar, pois que cuida de filhos e de netos, em condições muitas vezes bem precárias.
Filhos e netos que uma vez adultos, sem terem tido a devida orientação em altura própria, buscam na emigração ou, na vida marginal cá dentro e/ou fora, a sobrevivência.
Por outro lado, poderá parecer óbvio afirmar – mas vale dizê-lo – que no meio deste ambiente familiar problemático existe e se encontra gente honrada e labutadora que ultrapassa e consegue «fintar» este perfil também, quase estereótipo. E que se afirma em sociedade pela forma positiva.
Seria bom que não houvesse, da nossa parte, total transferência dos males sociais que afligem estes nossos emigrantes, sobretudo a não integração dos mais jovens, para a sociedade ou para o país de acolhimento. É bom igualmente que nos lembremos de perguntar pelo papel da família.
Afinal, muitos dos eventuais “desvios” sociais do jovem são ou, deviam ser naturalmente despistados, corrigidos e resolvidos em casa. No chamado lar que o gerou e o acolheu. No seio e com o envolvimento da família nuclear a primeira e a principal responsável pela educação e pela formação cívica dos filhos.
Infelizmente, tal não se passa hoje em dia entre nós, com a consistência e a frequência que seriam desejáveis.
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