Estas presidenciais, se outro mérito não vierem a ter, já tiveram o de desmascarar o exercício do poder pelo PAICV. As acusações mútuas dos apoiantes dos dois candidatos do PAICV, vindas do interior deste partido, inequivocamente insuspeitas, mostram as maquinações e o maquiavelismo não do seu candidato A ou I mas de uma filosofia do exercício do poder inerente ao próprio partido. Afinal o MpD tinha (e tem) razão quando falava do partidarismo, da discriminação, das pressões e dos favorecimentos na máquina do Estado. É o próprio PAICV quem agora no-lo confessa. De forma clara e inequívoca através dos seus militantes. “Zangam-se as comadres descobrem-se as verdades”, diz o povo com razão.
Interessante é, verificar como entre nós existe uma capacidade que diria incomensurável, de deturpar factos e de fazer opinião de forma destorcida da realidade com intenção clara de confundir o eleitor no entendimento de conceitos e de posicionamentos político-partidários com manifestos ecos na comunicação social e com a sua evidente colaboração. Sobretudo quando se avizinham eleições.
Tiro o chapéu à “criatividade” da candidatura de Aristides Lima (AL) que conseguiu transformar o óbvio e natural em algo individualizado e distinto – “candidato da cidadania”
As candidaturas presidenciais por imperativo constitucional são sempre da cidadania. Mesmo a do Inocêncio Sousa (IS) que faz parte de um, legítimo, projecto político partidário é, formalmente, também da cidadania. A do AL só está fora do projecto político do PAICV por deliberação, presumo, “democrática”, dos seus militantes. A “democracia” interna do PAICV na qual, tudo o indica, o candidato AL deixou agora de acreditar, depois de a defender e a praticar afincadamente ao longo de décadas, ao que parece, apenas por não satisfazer os seus desígnios políticos pessoais.
O eufemístico slogan “candidatura da cidadania” apresentado por AL no fundo quer induzir o eleitor de que se trata de uma candidatura da “sociedade civil” o que não condiz em absoluto com a realidade dos factos.
Um homem do aparelho; dirigente do partido; que foi presidente do partido; que ainda muito recentemente era presidente da AN por indicação do seu partido; que se mantém nesse partido, continuando como um dos seus representantes (deputado) na AN; que se submete à votação para «candidato presidencial “oficial” desse (seu) partido»; torna-se, pelo simples facto de ter perdido, ter sido rejeitado, em “candidato da cidadania”? (leia-se “sociedade civil”?) É uma metamorfose dificilmente explicável. Sem dúvida com evidentes traços kafkianos.
Ninguém contesta a legitimidade da sua candidatura e muito menos a sua legalidade. Nem o perfil técnico-político de AL para o desempenho das funções presidenciais. É um bom candidato. Mas convenhamos que é no mínimo extravagante chamar-se à candidatura de um militante; que surge no interior do seu partido – almoço/convívio em S. Martinho; que emerge da luta de facções; e se afirma por ressábio e rebeldia, “Candidatura da Cidadania”. É um slogan sonante mas esvaziado de qualquer conteúdo. É uma manipulação semântica completamente descontextualizada. E por isso tem contornos de uma publicidade enganosa. Diria até que é um forte candidato à extensa e pouco honrosa lista das “caboverduras”.
Candidatura da Cidadania com o sentido e o conteúdo que este recente “léxico” político quer introduzir, isto é, da “sociedade civil” por inteiro, só houve uma em Cabo Verde e com sucesso absoluto – a de Mascarenhas Monteiro. Por razões circunstanciais e de conjuntura dirão alguns. Mas também por notórias razões de carácter e posicionamento político do candidato, acrescentarão outros. Provou-o pela maciça votação que obteve. E não desmereceu. Exerceu a sua magistratura acima dos partidos não promulgando leis inconstitucionais e vetando largas dezenas de diplomas, com muita discrição, sem nunca publicitar nenhum, como é o seu timbre.
Das actuais três candidaturas presidenciais, uma vez que a 4ª, a de Joaquim Monteiro, meu amigo Jack, é de um outsider se ela se vier a confirmar quando o Supremo se pronunciar, a única que pode pré-figurar uma “candidatura da cidadania” no sentido de “sociedade civil” é a de Jorge Carlos Fonseca. Não só não é militante de nenhum partido como não exerce nenhum cargo político e nem sequer aguardou ou condicionou-se a qualquer apoio partidário para se assumir como candidato o que o liberta de disciplinas partidárias, de compromissos estatutários ou outros e de formatação ideológica. O MpD, como já escrevi e não vou agora re-explicar-me, totalmente a contra-corrente e de uma forma pouco lógica e absolutamente não entendível deu-lhe o seu apoio com o qual, obviamente, se congratulou.
Antes de terminar esta brevíssima reflexão, uma coisa posso garantir: não terei saudades nenhumas de “um presidente, uma maioria e um governo” que já se pode considerar de triste memória pois até leis inconstitucionais foram promulgadas contra interesses populares para fazer jeito à maioria e ao governo. E entre AL e IS assenta bem o conhecido e popular provérbio:”Entre marido e mulher ninguém meta a colher”. É um problema interno do partido que derrapou do centralismo democrático da sua configuração marxista-leninista. Nada mais. Quando terminar a zanga darão o dito por não dito atribuindo-lhe o estatuto de “coisas de campanha” e assestarão conjuntamente as baterias no mesmo alvo. Todos. Que ninguém o duvide!
A presidência da república é um cargo político. E encontrar uma pequena diferença política por mais pequena que seja entre AL e IS é mais difícil que encontrar uma agulha num palheiro. A eventual diferença apenas poderá residir no carácter… E sobre isto não me pronunciarei.
A. Ferreira
1 comentários:
Mantendo alto o chapéu que tira à «criatividade» da candidatura de Aristides Lima assinalo o facto dessa candidatura apelar à ética no caso da Cristina Fontes acumular as funções de mandatária de Manuel Inocêncio com a de Ministra da Saúde e no caso de Aristides Lima fala apenas em legalidade (e não na ética) querendo dizer que Aristides Lima só deixa a bancada do PAICV por razões legais, não éticas. Não seria também ético Aristides Lima deixar a função de dirigente nacional do PAICV (Conselho Nacional) e mesmo a de militante, como Gualberto do Rosário fez quando se candidatou contra o candidato do seu partido em S. Vicente?
A atitude de Aristides Lima é de desobediência pública a uma deliberação do órgão máximo do seu partido - o Conselho Nacional. Deve ser consequente e coerente com a sua atitude. Não fica bem a um ex-presidente do partido e a um putativo presidente.
Em resumo: Ou fala-se de ética para as duas situações ou fala-se de legalidade. O que não pode ser é ética para um, e apenas legalidade para outro.
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