“Aqui D’El-Rei!” Ou o direito à indignação!

sábado, 22 de junho de 2013


Na ilha de Santo Antão, a sabedoria popular consagrou uma expressão muito precisa e que vai ilustrar o caso que aqui narro: “ Eu não temo a Justiça! Do que eu tenho medo é da Injustiça!” E na minha ilha (a do vulcão) ficou do tempo antigo, (do tempo da monarquia portuguesa) a expressão: “Ah! CadiRé” que traduzida para a Língua portuguesa é o título deste escrito. Expressão aliás, sempre gritada de mãos postas na cabeça, pelas mulheres e pelos homens do povo, quando se tratava de uma situação de desespero ou muito má mesmo. “Aqui d’el-rei!” como resultado do meu estado de alma!

Pois é, perante tamanha impotência, e desproporcional prepotência da situação que vivenciei, foi isso, ou quase isso, ou então qualquer coisa muito parecida que me apeteceu soltar – tal foi a minha indignação! – Quando, recentemente (Junho de 2013) recebi do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento do Tribunal um auto notificatório.

Mas vamos por partes. Passo a contar o que parece ser surreal, mas que de facto aconteceu.

Em finais do séc. XX, mais exactamente em 1999, o Conselho Administrativo da Assembleia Nacional, órgão colegial e solidário em termos de responsabilidade decisória – lembrar aqui que a execução das decisões teria de ser ratificada ou não, pela Plenária dos Deputados – o CA da A. N. concedeu a quantia de cem mil escudos, montante previsto e autorizado pelo Orçamento Privativo da A. N. na rubrica representações, aos trabalhadores da chamada Casa Parlamentar, para o convívio do Dia do Trabalhador, 1º de Maio. Note-se que quando digo trabalhadores, excluo os eleitos, e refiro-me especificamente ao pessoal administrativo e auxiliar do quadro da Assembleia Nacional. Era já uma tradição que vinha do antecedente e que, a então administração da Assembleia Nacional continuou, comparticipando parcialmente o convívio dos seus trabalhadores.

Aliás, do próprio Acórdão emanado do Tribunal de Contas em 2005, ficou provado que se havia cumprido uma ordem, e tendo ficado também provado que não houve qualquer apropriação indevida, tratando-se de um acto administrativo autorizado, lícito e devido. Mas adiante!

Entrados no séc. XXI, em 2013, (catorze anos já decorridos) fomos obrigados, todos os membros do antigo Conselho Administrativo, através do já referido Acórdão, a repor solidariamente, a quantia concedida em 1999, para a celebração do Dia do Trabalhador.

Não deixa de ser curiosa a celeridade no tratamento do processo (entre o Acto e o Auto) tal que apeteceu parafrasear, o título do célebre romance de Erich Maria Remarque, “…Houve tempo para amar! E houve tempo para morrer!”

Já agora, e se me for permitido, abro aqui um pequeno parêntesis, para transcrever – por ter achado interessante – um trecho da prosa lida na parte multada Tribunal de Contas, e que vem exarado no Acórdão condenatório:” Os responsáveis reconhecem que a despesa de concessão do montante de 100.000$00 (cem mil escudos) como apoio financeiro à comissão organizadora do convívio das festas de fim de ano (…) Fim de transcrição. (O sublinhado é meu).

Ora tanto quanto posso afirmar, nunca se atribuiu qualquer centavo aos funcionários administrativos da Assembleia Nacional, durante a gestão 1996 -2000, para as “festas de fim de ano” Tratar-se-á eventualmente de um lapso prosódico? Mas adiante, que nem sequer isso é importante! Apenas achei graça ao pouco cuidado e rigor semântico e formal. A celebração era de facto o 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Fecho o parêntesis.

Chegados a este ponto, embora inconformados, mas resignados, limitámo-nos a cumprir aquilo a que fôramos obrigados e assim o fizemos.

Com efeito, paguei em Março pp. a parte que me coube nesta coima colectivamente assumida como manda a lei. Isto é, depositei na Conta da Assembleia Nacional, o montante devido e fiz prova disso, entregando pessoalmente no Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento, o respectivo recibo do depósito bancário efectuado.

Mas de entre os membros do CA da A. N. – Todos devidamente identificados – houve alguém que não cumpriu com o que nos fora imposto.

Vai daí, e sem cuidar desta falta – como presumo, mandam os ditames da judiciosa aplicação da justiça – o Tribunal, da lista dos membros do Conselho Administrativo da A. N. escolheu-me a mim e toca de (re) multar, agora executada e ordenada a pagar de novo a mesma quantia que já havia pago e acrescidas das custas do processo, mais a chamada de atenção de que se no prazo tal, não cumprisse o pagamento, sofreria tais e tais procedimentos tidos por legais, etc. e tal.

Todo este arrazoado, sem explicitar “os porquês” no interior do texto.

Li e reli todo o processo para verificar onde eu havia faltado à minha obrigação de reposição. E nada vi com lógica que me coagisse a duplicar o pagamento.

Procurei os critérios ou então, alguma justificação fundamentada que me impusesse a condição de replicar o montante e a obrigação já cumprida. Nenhuma satisfação, apenas a impositiva e a definitiva intimação textual de pagar…o que já não devia!

Mas mais, no Ofício apenso ao mesmo processo e dirigido ao Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento, a 25 de Março deste ano e a propósito da matéria; a Procuradoria da República da Comarca da Praia requereu o seguinte que transcrevo na parte que interessa:

(…) Em que os ora executados foram condenados solidariamente a efectuarem a reposição do montante de (100.000$00) cem mil escudos, nos cofres da Assembleia Nacional” (o sublinhado é meu). E continua: “ (…) apenas, fizeram a reposição de 85.712$00 pelo que se encontra em dívida o montante de 14.288$00 (…) Nestes termos se requer a Vª. Ex.ª que se proceda a penhora dos bens que lhes (o sublinhado é de novo meu, para demonstrar o complemento indirecto no plural, referido aos membros do CA da A. N.)...forem encontrados e de preferência, ao abrigo do artigo 104 do CCJ por descontos nos seus vencimentos (...)”. Fim de transcrição. O que reforça a ideia de responsabilidade solidária, a que estava obrigada o colectivo dos membros do Conselho Administrativo da A. N.

O que me pareceu surreal em todo este processo e que eu gostaria de acentuar, destacando é o seguinte: em acção declarativa fomos condenados solidariamente (o colectivo dos membros do Conselho Administrativo) à reposição da referida quantia, e em acção executiva o único condenado fui eu! Bizarro! No mínimo…

Para finalizar, reitero que o problema, da minha análise, não está tanto em termos da quantia a que fui de novo, condenada a pagar. O drama da minha reflexão é o princípio de justiça e do mais elementar que no caso não foi aplicado e que põe em causa os meus direitos, a dignidade e bom-nome enquanto cidadã, por um “crime” que não cometi e que convocou a minha mais genuína indignação!

0 comentários:

Enviar um comentário