Por ocasião da cerimónia de atribuição do grau de "Doutor Honoris Causa" ao Dr. António Manuel Mascarenhas Gomes Monteiro, pela Universidade de Mindelo. Dezembro 2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

 Hão-de convir comigo de que não é fácil falar de uma pessoa por quem se tem muita amizade, e por quem se nutre igualmente, uma certa admiração pelo carácter íntegro e generoso que dela emerge.

Quando tentei caracterizar, há muito tempo atrás, o perfil de Mascarenhas Monteiro, vieram-me à memória e registei-as então, as palavras, da portentosa escritora portuguesa, Agustina Bessa-Luís que no seu livro, «Meninos de Ouro», a determinada altura e para definir o seu protagonista, o narrador dizia que ele se situava entre aqueles para quem “o luxo é um acidente interior.” Nada exibicionista ou alardeado. Nada exterior, mas sim, um atributo interno. Situo o Dr. Mascarenhas Monteiro, nesta definição pela sua simplicidade no trato social e pela sua modéstia sem pose, e pela riqueza interior que demonstra no trato com outrem. Tudo isso adveniente da sua boa formação e capacidade humanas.

Antes de entrar neste modesto ensaio laudatório sobre um perfil tão insigne, permitam-me, ilustres presenças, senhores e senhoras, que faça um breve recuo no tempo: Mais precisamente há vinte cinco anos, em 1990, quando aqui, nas ilhas, se vivia um ambiente de alguma alegria republicana, cidadã, marcada pela abertura democrática que se dera então em Cabo Verde, com o fim do regime de Partido Único, presente entre nós, desde a Independência em 1975.

O Dr. Mascarenhas Monteiro perfilava-se e destacava-se como o candidato desse tempo ímpar na nossa história mais recente, em que finalmente, tínhamos conquistado a liberdade que tanto almejávamos e íamos poder votar livremente com alternativas!

Ora bem, recuando no tempo, tive o privilégio e um enorme prazer, devo dizê-lo, de organizar nessa altura - Novembro de 1990, para o Jornal «Opinião» - um conjunto de textos em que, para além de uma entrevista com o então candidato presidencial, procurei, ouvi, e escutei vários testemunhos de diferentes cidadãos sobre a pessoa em que residia a esperança democrática – mais tarde confirmada – de uma presidência diferente em quase tudo o que havíamos presenciado até então.

De entre as muitas personalidades ouvidas, registados foram também alguns depoimentos de antigos professores liceais que o foram do adolescente/jovem Tony Mascarenhas Monteiro. Seleccionei de entre eles, e para esta ocasião, o depoimento da antiga Professora de Geografia, Drª Maria Luísa Ferro Ribeiro, quem, a determinada altura da conversa, afirmou: “ (...) é um dado normalmente aceite que o professor marca o aluno e que essa influência estende-se às vezes, até à vida profissional...e Maria Luísa Ribeiro continuou: “mas acho que o inverso pode ser verdade, há alunos que também marcam o professor e incitam-no a continuar a sua tarefa; há alunos que mostram que vale a pena essa profissão e isso é mais evidente e ganha maior relevância quando se está no início da carreira. Foi exactamente o que sucedeu comigo. Ainda jovem vinha preparar a minha tese para a licenciatura em Ciência Geográfica, tese essa que versava a ilha de Santiago. O decorrer da preparação dos meus trabalhos coincide com o início da minha actividade de leccionação no Liceu da Praia. Então, do conjunto dos alunos que me ficaram gravados pela vida fora, um deles é precisamente António Mascarenhas Monteiro – Tony, como nós todos o chamávamos. Recordo-o como um jovem bem-comportado, responsável, calado, mas interveniente e interessado na matéria. Sempre com um enorme sentido de seriedade e de responsabilidade, nada habituais na idade e na época e que eu atribuía ao facto de ele ser o mais velho  do grupo de irmãos e de muito cedo ter assumido posições de responsabilidade familiar. E finalizou a antiga professora: (...) pelo muito que me marcou como professora não só por ter sido bom aluno do ponto de vista do aproveitamento, mas pelo aluno que impressionava qualquer professor (...) e quando vejo o actual Tony, penso que o que ele é hoje, já estava quase que escrito pela maneira de ser dele que haveria de ser, enfim, a pessoa que todos nós conhecemos: responsável, modesta, uma vida de projecção mas comedida e sobretudo uma ligação muito especial com as pessoas. (...) Fim de citação.

Achei interessante, porque nunca perdem actualidade estes dizeres, apesar dos anos passados e das vicissitudes normais do decorrer de uma vida. Dizeres definidores de uma tão prestigiada personalidade nacional e assim trazê-los à colação, neste momento em que a Universidade de Mindelo, achou por bem, distingui-lo com o grau “Honoris Causa” que tão bem se casa com o perfil do homenageado.

Pois bem, falar do perfil do Dr. Mascarenhas Monteiro é percorrer um curriculum de exemplar porte cívico e moral, edificado num laborioso percurso existencial.

António Manuel Mascarenhas Gomes Monteiro, nasceu em Santa Catarina, ilha de Santiago pertencendo já à galeria dos seus filhos mais ilustres, é hoje, na hora actual,  seguramente, o seu mais distinto homem público. Originário de uma família de proprietários e de comerciantes, de homens e de mulheres ligados ao trabalho e à família. A mãe, senhora que teve uma educação cuidada, inclusivamente fez estudos como interna num Colégio em Portugal, era filha de antigo Seminarista. Logo, o avô materno de Mascarenhas Monteiro fez os seus estudos na pioneira e prestigiada instituição académica/religiosa cabo-verdiana, o célebre Seminário-Liceu de S. Nicolau. Foi a mãe quem iniciou o filho, nas primeiras letras da sua escolarização e no incitamento ao gosto pela leitura através de clássicos da literatura portuguesa.

Do pai, comerciante laborioso que cedo os deixou, recebeu o nosso homenageado, o legado valioso de que a integridade de carácter, o valor do trabalho honrado e o primado da família, constituem pilares para a existência digna do ser humano.

São estas as palavras evocativas de Mascarenhas Monteiro, relembrando, há 25 anos, a casa paterna, o progenitor. E passo a citar: “Devo dizer que a imagem que conservo do meu pai é a de um homem profundamente humano, muito preocupado com o futuro dos filhos. Quando ele adoeceu gravemente, passou por um período de enorme sofrimento, sobretudo psicológico a pensar no futuro dos filhos. Era um pai, muito tolerante (...) que preferia falar com o filho quando este prevaricava... o ambiente da nossa casa era muito são e de muita solidariedade” Fim de citação.

Não admira pois, que o Dr. Mascarenhas Monteiro provenha de um ambiente familiar em que a boa educação, assim entendida na nossa cultura, como assumpção e interiorização de valores éticos cristãos que devem nortear a vida humana, marcaram presença e, inscreveram na pessoa do Dr. Mascarenhas Monteiro, uma cidadania pessoal e social sempre em crescendo.

Na Vila de Assomada, em Santa Catarina, Santiago, fez os estudos primários. Na cidade da Praia os estudos liceais de onde sairia para, na Europa, iniciar os estudos superiores em Direito. Primeiro em Portugal, e depois  na Bélgica, onde se licenciou.

Aí se manteve como Investigador no Centro Inter-Universitário de Direito da Universidade Católica de Lovaina e como Assistente da Faculdade de Direito da mesma Universidade.

De regresso ao país, desempenhou várias e altas funções, das quais destacaria, a de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, onde antes fora Juiz-conselheiro.

Recordando ainda os 25 anos do nosso Estado democrático, gostaria de nesta ocasião, relembrar às ilustres presenças de que o Dr. Mascarenhas Monteiro foi quem primeiro reclamou oficialmente a abertura democrática - no seu discurso, em nome dos Magistrados, no acto dos cumprimentos do Ano Novo ao então Presidente da República em Janeiro de 1990 - ao sugerir junto de instâncias superiores, o aparecimento de Listas Independentes, nas legislativas que se avizinhavam, a competir com o então Partido único, o PAICV, à semelhança do que havia sido legislado para as eleições autárquicas.

O Dr. Mascarenhas Monteiro é para os anais da história política  de Cabo Verde, o primeiro Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal..

Com ele, marcou-se um “virar de página” em Cabo Verde, pela postura democrática do Chefe de Estado. O Presidente Mascarenhas Monteiro, pautou e pontuou a sua magistratura, entre outros parâmetros, por um correcto relacionamento inter-institucional, por um profundo respeito pela  separação  de poderes, e por uma rigorosa e escrupulosa observação da Constituição, sem esquecer a sua forma pessoal de estar na vida marcada por uma enorme simpatia e generosidade intrínsecas ao seu carácter, sem ser populista e sem ser maculada por qualquer demagogia, uma vez que são traços que todos nós lhe reconhecemos como inerentes ao seu saber estar e ao seu saber ser.

Estava assim iniciada em Cabo Verde uma nova e responsável forma de vivência democrática entre os órgãos do poder, entre si, e   estabelecida também nessa mesma coexistência democrática, a ligação entre estes e o cidadão.

Com a sua acção firme e determinada marcadamente apartidária e reconhecidamente isenta prestigiou e consolidou o emergente regime democrático.

Após os dois mandatos,  retirou-se o Presidente Mascarenhas Monteiro do activo político nacional, com muito prestígio angariado pelo seu notável desempenho, mas sem deixar de continuar a exercer  uma intensa e ao mesmo tempo muito discreta – como é  seu timbre – actividade cívica e humana em prol do país, e em prol da paz no mundo, como mediador internacional em zonas de conflitos, na qualidade de convidado de organizações e de organismos internacionais, de entre eles a Francofonia, a UA - Unidade Africana e a ONU - Organização das Nações Unidas; e também como conferencista convidado em vários fóruns no estrangeiro para debater, reflectir e discorrer sobre a democracia, os direitos humanos e os grandes problemas que continuam a assolar o Continente africano e o mundo.

No plano nacional, retomo, e após deixar a presidência da República, o Dr. Mascarenhas Monteiro cria com um grupo de curadores, a Fundação “Esperança” que se tem dedicado, fundamentalmente à causa da criança e do jovem em risco e de risco, crianças e jovens que sem o amparo familiar nuclear, escolar e social, resvalavam infelizmente para a delinquência, para a marginalidade ou para a precariedade.

Para além desse importante atendimento, ou melhor, complementando-o, a Fundação “Esperança” criada pelo Presidente Mascarenhas Monteiro, concede bolsas de estudo e de formação no país, para estes mesmos jovens algo desvalidos. Trata-se de uma instituição inteiramente ao serviço de causas, abrangente nos seus objectivos meramente sociais e afastando de todo, fins outros de individual respaldo e/ou de vã gloria pessoal. Daí que fiável e séria, porque tem como finalidade servir a quem realmente mais necessita e, no caso, a criança e o jovem em risco, sempre bem afastado das luzes da ribalta, em conformidade com a discrição que empresta a todos os seus actos públicos.

Da sua actividade de escrita e de reflexão sobre matérias que afinal lhe são caras, encontram-se expressas em alguns artigos e publicações, originariamente versadas em francês, dos quais, e entre outros, destaco: «Reflexões sobre a competência de um Governo demissionário», publicado em Bruxelas em 1977. «A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. A proteção dos Direitos Humanos nos níveis nacional e internacional» publicado em 1991.

Magnífico Reitor, Senhores e Senhoras, distintas presenças:

É  longa e ricamente repleta, na acepção mais real do que isso possa significar, o curriculum vitae, do Dr.  Mascarenhas Monteiro.

Mas nunca é de mais, reiterar de que há qualidades e traços humanos que todos os que com ele se privam de perto, lhe reconhecem unanimemente: Uma genuína generosidade que lhe vem do seu interior, uma simpatia cativante que lhe emerge com muita naturalidade, uma cultura e uma erudição que humildemente manifesta, uma seriedade e grande probidade de homem público, com espirito de missão e ao serviço de nobres causas. Assim é o Dr. Mascarenhas Monteiro.

Para terminar, tal como comecei, parafraseando as palavras sábias da grande escritora de língua portuguesa, Agustina Bessa-Luís, volto a retomar o sentido delas: há Homens, em quem o luxo, no sentido de riqueza espiritual, humana e anímica, é um atributo que brota do próprio ser, e acrescentarei, excelências, Magnífico Reitor, meus senhores e minhas senhoras, que estamos perante alguém a quem assenta perfeitamente a definição: Um cidadão exemplar, um estadista vertical e de peso, um homem público íntegro, uma personalidade de cultura e um grande homem de família. Com este perfil, estou absolutamente certa que qualquer organização ou comunidade se sentirá orgulhosa e honrada de o ter como um dos seus.

Muita obrigada, pela vossa atenção.

 

 

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