OBJECTIVIDADE PRECISA-SE!

quarta-feira, 11 de maio de 2016

 - M. Odette Pinheiro

Ser um comentador político imparcial não deve ser nada fácil. Especialmente em meios pequenos, em que a todos se atribui um rótulo conforme as suas opiniões. Se se elogia alguém, é-se do partido A; mas se se critica este, já se passou para o partido B. Assim, coitado daquele que quiser ser justo, elogiando ou criticando os que o merecem, sem olhar à cor política. E já que os políticos são também seres falíveis e não perfeitos, ora há lugar para elogiar um, ora há lugar para elogiar o outro lado, acontecendo o mesmo com a crítica.

Espera-se de comentadores respeitáveis que tenham um mínimo de objectividade e mantenham uma certa distância emocional das forças da sua simpatia. É como as pinturas. Não as devemos examinar quase lhes colando o nariz: veremos só borrões sem sentido e sem beleza, até nos afastarmos para ver o todo e podermos apreciar a sua grandeza.

Infelizmente, comentadores há que nos habituaram a que uns sejam sempre a subir e outros sempre a descer. Semana após semana já sabíamos, de antemão, o teor dos artigos costumeiros. Havia sempre uma constante: os líderes elevados a deuses são extraordinários, mereciam ad eternum as rédeas do país, mesmo quando perderam o norte e passaram a viver num país de fantasia, anunciando fantasias ainda maiores para daqui a parcos 14 anos.

Mas esses eram sempre a subir! Entretanto, o outro lado, apresentavam-no como que fadado a estar agarrado aos erros dos anos 90, que é verdade que os houve, sem admitirem que o tempo possa mudar as pessoas e os partidos, o que é por demais evidente quando ouvimos os pronunciamentos actuais dos que estiveram à frente do partido único. Se estes mudaram tanto, por que não mudaria um partido que teve a sua estreia a seguir a um tempo de grande sufoco, de modo que, como o pêndulo, o movimento natural (embora não o desejado) seria ir de um extremo ao outro?

O que esperamos agora é que o pêndulo se mova mais ao centro, corrigido o seu trajecto pela análise dos erros passados, o que creio foi feito quando o então ex-líder reconheceu que houvera arrogância e outros problemas que haviam determinado a derrota; o que ainda não ouvimos dos que agora perderam.

Por enquanto, a derrota deve-se, alegadamente, à abstenção, ao desgaste, etc., etc., não à maneira como decorreu a última legislatura: a tentativa de deslumbrar o cabo-verdiano com cenários virtuais, qual roupa do rei que vai nu, a negação dos problemas, a megalomania, a opacidade nos negócios do Estado, o clientelismo demonstrado por histórias em primeira mão que todos conhecemos, os concursos para tapar a boca mas dar emprego a quem se quer, a arrogância em não responder às perguntas pertinentes e aos pedidos de prestação de contas, a gestão sem seguir prioridades bem definidas, endividando o país em coisas que não  dão retorno adequado nem atempado, o mau exemplo no pagamento de dívidas e satisfação de compromissos, o discurso balofo, como se os cidadãos fossem mentecaptos.

Não, senhor, a vitória não foi suada, a derrota é que foi. Nós que havíamos votado a mudança em 2001 já não podíamos esperar para conseguir outra mudança. E se essa foi merecida, esta foi também mais que merecida. A bem do equilíbrio. A bem da sanidade mental. A bem de uma lufada de ar fresco. A bem de uma esperança. A bem de não nos tomarem por parvos. A bem de termos as coisas nas proporções devidas.

Por isso, que os líderes tenham aprendido com esta nova e bendita alternância. Dum lado e doutro. Porque, caso contrário, o povo saberá decidir. Pode ser enganado por algum tempo, mas não eternamente. Porque já se viu que os governantes têm a tendência de começar bem, mas depois deixar que se infiltrem males que paulatinamente se vão tornando doenças, fazendo com que um bom começo tenha um fim nada auspicioso. Já aconteceu duas vezes. Ficámos, assim, com ciclos de avanço e retrocesso tanto da democracia como da prosperidade, em vez de progredirmos continuamente.

Nada podemos exigir dos comentadores. Felizmente vivemos num país onde há liberdade de opinião: a minha e a de todos os outros. Cada um pode escolher o seu deus; cada um pode ter o seu fanatismo político; cada um pode fazer os seus juízos de valor. Mas o conteúdo desses juízos mostra a muita, a pouca ou a nenhuma objectividade de alguns julgadores, a ponto de alguns deverem ser considerados propagandistas, mais do que analistas. E de propaganda estamos fartos. Agora merecíamos um descanso, pelo menos até à próxima campanha eleitoral, que não estará muito longe.

Assim, não se critique o líder vencedor por ter tirado uns dias de merecido descanso e certamente de reflexão distanciada, após a vitória. Nem se queira adivinhar e pontificar sobre o seu estado emocional, o que só Deus e o próprio podem avaliar. Nem se diga que por se ter afastado do cenário não está a reflectir ou a trabalhar do seu modo: especialmente quando quem isto sugere nunca criticou o outro líder quando em plenas funções passava o tempo a saltar de ilha para ilha (uma vez foram três ilhas num só dia!) e de município para município, a lançar primeiras-pedras, a inaugurar chafarizes e tudo que podia ser inaugurado, a distribuir kits às crianças, tudo o que ministros, secretários de Estado, directores ou até entidades locais podiam fazer, com vantagens e menos despesas – até de lugar para lugar, na diáspora – levando muitos a perguntar: quando é que ele tem tempo para pensar, coordenar e dirigir o país? Mas era sempre a subir…

São Vicente não teve ministros, ou só teve um que a maior parte nem sabia ser de lá. Mas nós que reivindicamos para São Vicente aquilo a que tem direito, também compreendemos que um elenco ministerial não pode ser escolhido com base em distribuições territoriais. O primeiro-ministro escolhe o seu elenco numa base de confiança e de reconhecimento de capacidades, o que exige que conheça os que designa ou tenha deles referências sólidas.

E já agora digo o mesmo quanto ao género. Não vale ter paridade a todo o custo, escolhendo ministras fraquinhas e deixando-as continuar quando dão mostras de não terem arcabouço para o cargo (o mesmo com certos ministros). Pastas ministeriais são assunto demasiado sério para se tolerar a falta de competência, ou para se escolher com base no género. Discriminação positiva, só se tudo o mais for igual!

À UCID, que não se deixe complexar por palavras de menosprezo. Nós que prezamos a democracia gostaríamos de ver a UCID com um grupo parlamentar, servindo de fiel de balança quando a arrogância duma maioria quiser impor o que não é bom, ou quando houver obstrução a impedir que se legisle a bem do povo e do país. Por isso, força, UCID, que o caminho ainda é longo. Mas para o percorrer, por favor, não cometam o erro que cometeram aquando do Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos. Já poderiam ter os vossos cinco ou mais deputados!

Uma última palavra para o novo Governo. A maioria que em vós votou tem os olhos postos no futuro, confiando que a seu tempo os compromissos serão satisfeitos. Sabemos que não será do pé para a mão. As tarefas são gigantescas e levarão tempo. Mas precisamos urgentemente de uma avaliação real da situação do país. Como estão, realmente, as nossas finanças? A não devolução do IUR dos anos passados (a despeito de se dizer que a casa ficou em ordem), as estradas que, no interior de Santiago, desde Setembro ainda não estão consertadas, fazem-nos pensar! Qual a situação real da TACV? O poço tem fundo? E o dinheiro da Chã das Caldeiras, está lá? Ou já foi “gasto” nas tais cestas básicas de 30 000 escudos? Etc., etc.

O país precisa de auditorias gerais e completas, para se avaliar o estado financeiro da Nação. Poderá haver esqueletos escondidos, ou lixo debaixo do tapete. Os últimos anos pareceram ser muito de fazer-de-conta. Precisamos conhecer o verdadeiro novo ponto de partida. Precisamos também de uma revisão dos contratos e nomeações dos últimos meses para avaliar se foram feitos por mérito, nepotismo, amiguismo ou partidarismo. Isto não é revanchismo, é bom senso. Um país com tantas fragilidades não se pode dar ao luxo de contratar sem ser na base da competência. Somente encaixar pessoas é absolutamente inaceitável!

Ao líder, desejamos sucesso a bem desta terra. E não se preocupe com os que parecem brincar, numa crítica mal disfarçada, por pedir a Deus que o livre da doença do poder. As Escrituras ensinam que se peça a Deus sabedoria, que é muito diferente de conhecimento. E se mais sabedoria tivesse havido no passado, muito melhor estaríamos. Que seja ouvida a sua oração e a de muitos que pedem a Deus por si e pelos seus colaboradores, por verdadeiro amor a Cabo Verde.
M. Odette Pinheiro

2 comentários:

valdemar pereira disse...

Regozijo-me com o regresso da Dra. Odette Pinheiro cujos escritos admiro pelos títulos escolhidos e pela forma eloquente como no-los apresenta. Obrigado, Senhora, pela sua coragem e pelo prazer que nos proporciona repetidas vezes.

Referi à coragem pois, ninguém ignora a violência verbal que abunda na nossa comunicação social onde muitos se aproveitam da "anonimidade para demonstrar a falta de hombridade e substituir o insulto ao argumento. O facto de se encontrar por traz do écran, em vez de dar a cara, permite à rã de vira touro. Mas "praga de burro não vai ao céu". Deixemos porque não sabem o que dizem.
Espero ver a D. Odette batalhando neste microcosmo em que vivo agora. Sou do tempo em que tínhamos uma só Mulher na paisagem mindelense e, parece-me, que a senhora ainda não tinha nascido mas lembro-me do seu pai e don seu tio, amigos do meu progenitor. Quero citar a Dra. Maria Francisca Sousa que, como muitos outros conterrâneos, não tiveram ainda o reconhecimento do Município quanto mais do Governo dos auto proclamados "melhores filhos".

Aproveito para agradecer a Administradora desse blog - Dra. Ondina Ferreira -, que consigo, Dra. Odette constitue a fina flor do Cabo Verde Feminino. Vós sois - como disse Simone de Beauvoir - o nosso futuro, o futuro do homem caboverdiano.
Bem Hajam

Adriano Miranda Lima disse...

Palavras sábias e sensatas da Drª Odette Pinheiro, sobre a luzinha de esperança que este governo pode acender na alma do nosso povo, assim consiga segurar com firmeza o leme da governação. Sinto que o capitão da barca inspira confiança e sabe qual é o rumo.

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