Com a devida vénia aos seus autores, aqui se
transcreve mais um texto alusivo ao Dia Mundial da Língua Portuguesa - 5 de Maio.
Língua de cultura, da ciência e dos afectos, o
português, nossa Língua comum.
Portugal (1175), Cabo Verde (1460), Guiné (1466), Angola
(1483), Moçambique (1489), Brasil (1500) e Timor (1561). São datas simbólicas da fundação e da chegada
da Língua portu-guesa aos países, em cujos territórios, habitam os falantes mais
numerosos e os seus verdadeiros criadores, os inova-dores e os guardiães deste
precioso e monumental patri-mónio comum.
O valor global da língua portuguesa
Por Augusto Santos Silva,
Graça Fonseca, Manuel Heitor e Tiago Brandão Rodrigues*
Se hoje é dia
festivo, hoje aumenta também o dever de cuidar da projecção global do
português. Não é um dever que nos seja exclusivo, antes e com gosto repartido
1. Cada
língua tem um valor único: para os seus falantes e cultores, para a comunidade
de que é traço de união e identidade, para a diversidade e o enriquecimento da
humanidade. Mas as línguas podem ter também um valor próprio enquanto recursos
de criação e comunicação internacional, que atravessam e aproximam pessoas,
países e civilizações. Reteremos, aqui, esta dimensão da nossa língua, que o 5
de Maio passa a comemorar, a partir deste ano, como Dia Mundial da Língua
Portuguesa.
Ele
foi proclamado pela UNESCO, na sequência da ideia proposta pelo embaixador
António Sampaio da Nóvoa e logo acolhida pelos representantes dos países de
língua portuguesa aí acreditados; assim se conferindo alcance global ao Dia da
Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, criado em 2009. Fica, portanto, bem afirmada
a tripla pertença da nossa língua: nossa porque a falamos; nossa porque a
partilhamos com os demais países e regiões que a escolheram como língua oficial;
e nossa porque é do mundo que também a nós pertence.
Se
hoje é dia festivo, hoje aumenta também o dever de cuidar da projecção global
do português. Não é um dever que nos seja exclusivo, antes e com gosto
repartido. Mas aqui cuidaremos, naturalmente, da parte que cabe às políticas
públicas portuguesas. Os dados de base são conhecidos: a língua de Pessoa e
Guimarães Rosa encontra-se entre as mais faladas e as que mais crescem no
mundo; usa-se em todos os continentes e é a mais frequente no hemisfério sul. É
uma língua pluricêntrica, com diversas variedades de igual valor. Como tem sido
projectada internacionalmente e como pode sê-lo ainda mais, através de medidas
sistemáticas e persistentes?
A
resposta parece-nos simples: através da educação; da cultura; do conhecimento e
da ciência; e do seu papel como língua de comunicação.
2.
Os factores educativos mais poderosos de difusão internacional da língua
portuguesa são as escolas portuguesas no estrangeiro (em Díli, Luanda, Macau,
Maputo, Praia e São Tomé), como verdadeiros centros de formação e cultura; os
cursos de ensino português no estrangeiro de nível básico e secundário (em 17
países dos cinco continentes) e a presença da disciplina de português, como
língua estrangeira, em escolas secundárias de mais 16 países; e os estudos
superiores, oferecidos através de cátedras, leitorados, centros de língua e
protocolos com universidades e outras instituições superiores, que, no seu
conjunto, existem em 76 países. A abertura, no próximo ano lectivo, da primeira
escola bilingue português-inglês no Reino Unido representará um novo marco.
A CPLP constitui, enfim, a verdadeira expressão da identidade
pluricêntrica, da concertação multilateral e da projecção global do português
Para
reforçar esta estrutura, são quatro as direcções estratégicas que seguimos. A
primeira é a densificação da malha de ensino presencial (com a futura escola
portuguesa em São Paulo, o projecto em curso de escolas bilingues fronteiriças
entre países de fala portuguesa e espanhola, ou a abertura de novas cátedras e
centros de língua). A segunda é a melhoria dos sistemas de acreditação dos
cursos e certificação das competências, e o aumento dos recursos educativos
disponíveis, incluindo as bibliotecas físicas e digitais e os planos de
incentivo à leitura. A terceira é a consolidação da educação, e em particular
da formação de professores, como um domínio-chave da cooperação bilateral com
os países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste. E a quarta é o
incremento da educação à distância e do ensino digital, que potenciam o alcance
e a adequação, aos seus públicos, do ensino internacional em português.
3.
Quando dizemos que a nossa é a língua de Vieira, ou Mia Couto, ou Luandino,
dizemos duplamente bem: além de símbolos, os escritores são fazedores da
língua. O que a língua é depende crucialmente do que os artistas fazem com ela.
Por
isso, a acção cultural externa é um plano incontornável da projecção
internacional do português. Desde logo, através da promoção da literatura e do
livro. A presença em grandes feiras do livro, assim como nos encontros e
festivais literários; o apoio às edições no estrangeiro; os prémios e outros
incentivos à criação literária nos países de língua portuguesa: todas nos
parecem ser medidas poderosas para a projecção global da língua, se
desenvolvidas contínua e sistematicamente.
Coisa
análoga se diga dos outros domínios artísticos e culturais, com realce para o
audiovisual, em que há uma rica produção em português, para o teatro e as artes
pluridisciplinares. E sem omitir o vastíssimo património literário e artístico
em língua portuguesa, e os meios da sua salvaguarda, conservação e divulgação,
nomeadamente arquivos, bibliotecas e museus.
4.
Para ser plenamente viva, uma língua tem de ser também recurso de conhecimento
e ciência. Isso quer dizer quatro coisas cumulativas. Primeiro, que é uma
língua que se emprega na realização de pesquisas e na sua publicação,
designadamente, mas não exclusivamente, nas áreas de humanidades e ciências
sociais. Segundo, que é a língua de uso em instrumentos fundamentais na organização
e difusão do conhecimento, como arquivos, repositórios e bases de dados.
Terceiro, que é uma língua estudada cientificamente, pela linguística, e usada
maciçamente nos sistemas digitais de tradução simultânea em linha. E, quarto,
que ela informa a cooperação entre os diversos sistemas científicos e
tecnológicos, porque nela se faz a formação avançada, porque através dela
colaboram universidades e centros dos países que a partilham, porque é motivo
para que se aprofunde o conhecimento e a inovação que têm por objectivo o
desenvolvimento de tais países.
O
Centro UNESCO “Ciência LP” para a formação avançada e outras instâncias de
cooperação no mundo lusófono estão aí para mostrar o caminho. O qual é
aproveitar o enorme potencial que o ensino superior e a ciência representam
para os países de língua portuguesa. Quanto maior a colaboração recíproca,
maior a capacidade de aproveitar esse potencial.
5.
Já hoje, mercê sobretudo da influência do Brasil, o português é uma das línguas
mais utilizadas na Internet. Cresce o uso na economia, nas viagens, na
informação. É língua oficial ou de trabalho em múltiplas instâncias e
organizações internacionais de África, Europa e América Latina, assim como em
algumas instâncias das Nações Unidas — e é legítimo o objectivo de a estender,
a prazo, a todo o seu universo. A CPLP constitui, enfim, a verdadeira expressão
da identidade pluricêntrica, da concertação multilateral e da projecção global
do português, como língua de europeus, americanos, africanos e asiáticos.
Esta
projecção mede-se em todos os aspectos comunicacionais: na política, na
diplomacia, na cooperação, na economia, na imprensa, no contacto entre pessoas
e povos. Articulando-se com a educação, a cultura e o conhecimento, ela permite
agir eficazmente em prol da afirmação internacional do português.
Eis
uma tarefa de todos, e das políticas públicas em particular. Que o Dia Mundial
da Língua Portuguesa sirva também para lembrá-lo!
*Augusto
Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros; Graça
Fonseca, ministra da Cultura; Manuel Heitor, ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior; Tiago Brandão Rodrigues, ministro da
Educação
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