Aproveitando
esta maré de rememorações dos 45 anos da independência destas ilhas, gostaria
de trazer ao leitor deste “Blog” alguns aspectos da recuperação das ruínas da
Cidade Velha, levadas a cabo na década de 90 do séc. XX.
Em 1991, iniciada a II República, com a
mudança de regime de monopartidarismo para o pluripartidarismo, foi
elaborado um programa governativo (1991-1996) em que o Sector da Cultura, de
entre outros pontos importantes, destacava também a preservação e a recuperação
do património histórico construído em Cabo Verde
É
evidente que o enfoque era
substancialmente dirigido à Cidade Velha, a primeira urbe construída pelos
portugueses (séc.XV) para a sua instalação,
ao largo da costa ocidental africana,
no Arquipélago de Cabo Verde
Ora
bem, em termos gerais e fundamentais a conservação e a preservação dos
vestígios históricos, com a consequente reabilitação e a recuperação (na medida
do possível) dos principais monumentos existentes foram as linhas de força que
nortearam a nossa acção naquele domínio.
Conviria
neste contexto, recordar a enorme e a profícua cooperação, na altura, com o
IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) para os trabalhos
levados a cabo na Cidade Velha, que
foram sempre pautados pelo respeito histórico na aproximação à traça original
de cada Igreja, do Convento e do Forte.
Igualmente
eram notórias a colaboração e a cooperação entre os técnicos cabo-verdianos e
os seus homólogos portugueses que para cá se deslocavam com muita frequência.
Na mesma linha, os técnicos cabo-verdianos eram convidados pelo IPPAR, a
deslocarem-se a Portugal, para estudos comparados.
Técnicos,
arqueólogos, historiadores, restauradores, todos, com genuíno empenho em bem
fazer a recuperação e a restauração históricas da antiga capital.
Com
efeito houve realmente cuidado em
preservar as ruínas históricas da antiga cidade e o de reabilitar o que era
possível, era tanto que há até pormenores que não resisto a contar. Os dois
episódios escolhidos a seguir, são disso ilustrativos:
– O
primeiro relaciona-se com a preservação das ruínas da Catedral e a almejada
reconstrução de, pelo menos, sendo possível, uma parte dela que seria a sua
Nave Central. Era a ambição na altura. Para isso tornava-se necessário descobrir
em Portugal, o projecto original do edifício. Durante algum tempo, a parte
portuguesa procurou nos arquivos históricos fotográficos, existentes nas suas
cidades (Portugal e os Arquipélagos dos Açores e da Madeira) catedrais e
igrejas mais parecidas com a nossa Sé da Cidade Velha.
Do
espólio fotográfico e/ou projectos arquitectónicos encontrados, recordo-me que
foram seleccionados, como os mais aproximados, os de duas igrejas e/ou
catedrais, uma de Beja (no Alentejo) e
outra nos Açores.
– O segundo traz de volta, a procura de
azulejos (para completar as peças desaparecidas ou danificadas pelo tempo) que
também deviam ser os que mais se aproximassem dos originais das paredes da
Igreja de Nossa Senhora do Rosário na Cidade Velha. Os azulejos foram
procurados em Portugal, de onde originariamente vieram, numa busca alargada e
minuciosa que foi até a fragmentos guardados em armazéns de outros monumentos,
datados da mesma época - século XV.
Essas
são as lembranças do plano de pormenor e
do labor empenhado que só os verdadeiros técnicos e investigadores possuem.
Daí
a minha dor de alma, e até uma certa revolta, quando veio a Cooperação
Espanhola (século XXI) na década de
2000 que aqui chegou para o mesmo
efeito. Na minha opinião estragou literalmente algumas partes arquitectónicas
da antiga Cidade. Refiro-me por exemplo, ao empedramento (de uma falta de gosto
a toda a prova! Qual foi o critério para isso?) do átrio da igreja mais antiga
de Cabo Verde, onde se encontravam à vista e para a visita de todos, as lápides tumulares dos
Bispos e dos Padres falecidos em Cabo Verde, ao longo de séculos, datadas e com
registo histórico epocal do respectivo ministério. Isso atestava o uso e o costume da época de
enterramentos de clérigos feitos nas Igrejas.
Outro
erro crasso (obviamente, na minha opinião) aconteceu no interior da Igreja aqui
referida, com o descuido nos azulejos, e no Baptistério.
Porquê
tamanha ligeireza na recuperação dos vestígios do património construído, da
primeira capital de Cabo Verde? Deduzo que por desconhecimento da História da
fundação da urbe quinhentista erigida pelos portugueses nestas ilhas atlânticas, por volta de 1465.
Ou
seja, os técnicos espanhóis do património, destacados para o efeito, pareciam
estar possivelmente, na década de 2000 (séc.XXI) a conhecer pela primeira vez
(?) a Cidade Velha. Tanto mais que parecia não se terem sequer debruçado
seriamente sobre a matéria, quer através de consultas aos arquivos históricos
existentes, quer ainda os trabalhos anteriormente feitos e os documentos sobre
isso conservados.
Só
assim se compreende tamanhos dislates cometidos!
E
actualmente, quando levo amigos meus estrangeiros em visita a Cabo Verde para lhes
mostrar a Cidade Velha, reparo com tristeza, na pobreza e na ligeireza da
reparação (que não recuperação) feita pela cooperação espanhola com o aval de
Cabo Verde, nos inícios da década de 2000.
1 comentários:
Não sabia que se tinha recorrido a cooperação espanhola para a recuperação da Catedral. Deduzo que tal se tenha verificado devido ao período da dominação filipina, em que poderá ter havido alguma intervenção espanhola na construção daquele monumento, dado que este tipo de obra abrange sempre um período longo, mormente naquele tempo em que se tinha de transportar por mar e em longas viagens certos amteriais de construção.
Seja como for, parece-me indesculpável qualquer trabalho de restauro que tenha implicado com a visibilidade das lápides tumulares.
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