Respeito pela História

segunda-feira, 13 de julho de 2020


Aproveitando esta maré de rememorações dos 45 anos da independência destas ilhas, gostaria de trazer ao leitor deste “Blog” alguns aspectos da recuperação das ruínas da Cidade Velha, levadas a cabo na década de 90 do séc. XX.
 Em 1991, iniciada a II República, com a mudança de regime de monopartidarismo para o pluripartidarismo, foi elaborado um programa governativo (1991-1996) em que o Sector da Cultura, de entre outros pontos importantes, destacava também a preservação e a recuperação do património histórico construído em Cabo Verde
É evidente  que o enfoque era substancialmente dirigido à Cidade Velha, a primeira urbe construída pelos portugueses (séc.XV) para a sua instalação,  ao largo da costa ocidental africana,  no Arquipélago de Cabo Verde
Ora bem, em termos gerais e fundamentais a conservação e a preservação dos vestígios históricos, com a consequente reabilitação e a recuperação (na medida do possível) dos principais monumentos existentes foram as linhas de força que nortearam a nossa acção naquele domínio.
Conviria neste contexto, recordar a enorme e a profícua cooperação, na altura, com o IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) para os trabalhos levados a cabo na Cidade Velha, que foram sempre pautados pelo respeito histórico na aproximação à traça original de cada Igreja, do Convento e do Forte.
Igualmente eram notórias a colaboração e a cooperação entre os técnicos cabo-verdianos e os seus homólogos portugueses que para cá se deslocavam com muita frequência. Na mesma linha, os técnicos cabo-verdianos eram convidados pelo IPPAR, a deslocarem-se a Portugal, para estudos comparados.
Técnicos, arqueólogos, historiadores, restauradores, todos, com genuíno empenho em bem fazer a recuperação e a restauração históricas da antiga capital.
Com efeito houve realmente  cuidado em preservar as ruínas históricas da antiga cidade e o de reabilitar o que era possível, era tanto que há até pormenores que não resisto a contar. Os dois episódios escolhidos a seguir, são disso ilustrativos:
– O primeiro relaciona-se com a preservação das ruínas da Catedral e a almejada reconstrução de, pelo menos, sendo possível, uma parte dela que seria a sua Nave Central. Era a ambição na altura. Para isso tornava-se necessário descobrir em Portugal, o projecto original do edifício. Durante algum tempo, a parte portuguesa procurou nos arquivos históricos fotográficos, existentes nas suas cidades (Portugal e os Arquipélagos dos Açores e da Madeira) catedrais e igrejas mais parecidas com a nossa Sé da Cidade Velha.
Do espólio fotográfico e/ou projectos arquitectónicos encontrados, recordo-me que foram seleccionados, como os mais aproximados, os de duas igrejas e/ou catedrais, uma  de Beja (no Alentejo) e outra nos Açores.
 – O segundo traz de volta, a procura de azulejos (para completar as peças desaparecidas ou danificadas pelo tempo) que também deviam ser os que mais se aproximassem dos originais das paredes da Igreja de Nossa Senhora do Rosário na Cidade Velha. Os azulejos foram procurados em Portugal, de onde originariamente vieram, numa busca alargada e minuciosa que foi até a fragmentos guardados em armazéns de outros monumentos, datados da mesma época - século XV.
Essas são  as lembranças do plano de pormenor e do labor empenhado que só os verdadeiros técnicos e investigadores possuem.
Daí a minha dor de alma, e até uma certa revolta, quando veio a Cooperação Espanhola (século XXI)  na década de 2000  que aqui chegou para o mesmo efeito. Na minha opinião estragou literalmente algumas partes arquitectónicas da antiga Cidade. Refiro-me por exemplo, ao empedramento (de uma falta de gosto a toda a prova! Qual foi o critério para isso?) do átrio da igreja mais antiga de Cabo Verde, onde se encontravam à vista e para a visita de todos, as lápides tumulares dos Bispos e dos Padres falecidos em Cabo Verde, ao longo de séculos, datadas e com registo histórico epocal do respectivo ministério.  Isso atestava o uso e o costume da época de enterramentos de clérigos feitos nas Igrejas.
Outro erro crasso (obviamente, na minha opinião) aconteceu no interior da Igreja aqui referida, com o descuido nos azulejos, e no Baptistério.
Porquê tamanha ligeireza na recuperação dos vestígios do património construído, da primeira capital de Cabo Verde?  Deduzo que por desconhecimento da História da fundação da urbe quinhentista erigida pelos portugueses nestas ilhas atlânticas, por volta de 1465. 
Ou seja, os técnicos espanhóis do património, destacados para o efeito, pareciam estar possivelmente, na década de 2000 (séc.XXI) a conhecer pela primeira vez (?) a Cidade Velha. Tanto mais que parecia não se terem sequer debruçado seriamente sobre a matéria, quer através de consultas aos arquivos históricos existentes, quer ainda os trabalhos anteriormente feitos e os documentos sobre isso conservados.  
Só assim se compreende tamanhos dislates cometidos!
E actualmente, quando levo amigos meus  estrangeiros em visita a Cabo Verde para lhes mostrar a Cidade Velha, reparo com tristeza, na pobreza e na ligeireza da reparação (que não recuperação) feita pela cooperação espanhola com o aval de Cabo Verde, nos inícios da década de 2000.



1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Não sabia que se tinha recorrido a cooperação espanhola para a recuperação da Catedral. Deduzo que tal se tenha verificado devido ao período da dominação filipina, em que poderá ter havido alguma intervenção espanhola na construção daquele monumento, dado que este tipo de obra abrange sempre um período longo, mormente naquele tempo em que se tinha de transportar por mar e em longas viagens certos amteriais de construção.
Seja como for, parece-me indesculpável qualquer trabalho de restauro que tenha implicado com a visibilidade das lápides tumulares.

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