quarta-feira, 7 de abril de 2021

 

A pobreza vocabular...

Este escrito surgiu na sequência da leitura de um texto de Paulo Rónai, “Uma geração Sem Palavras” que me foi enviado por uma amiga, igualmente preocupada com a situação do ensino e da aprendizagem em Cabo Verde

 E a propósito dessa situação, convém frisar que grande parte das insuficiências conceptuais de que são portadores os nossos alunos, e até uma boa parte dos actuais técnicos superiores nacionais, deriva directamente da Escola, quer básica, quer secundária, quer ainda universitária nacional.

Faço-me entender, tenho escutado e ouvido, alguns dos nossos alunos dos anos terminais,  e também alguns  dos actuais Técnicos Superiores nacionais (via TV, rádio e Jornais) e reparo, com muita tristeza que, salvo raríssimas excepções, quase todos eles são portadores de um vocabulário pobre, rudimentar, diminuto em sinónimos e com demais insuficiências vocabulares, o que deixa subentender que não interiorizaram ao longo da formação, conceitos fundamentais que os ajudariam agora, a melhor transmitir a mensagem técnica ou sociológica que pretendem fazer chegar àqueles que os escutam. Exactamente porque  não entenderam os conceitos durante a formação académica, e logo, não souberam descodificar os seus significados.

 Posto isto, teremos de mencionar e de trazer para a “boca de cena,” o professor  que nas escolas secundárias e no ensino superior debita a matéria; grande parte desses docentes não possui  a competente linguagem, substantivamente rica e variada no léxico, que é norma saber-se e saber utilizá-la na sala de aula.

Só assim é que os formandos vão gradualmente tecendo a linguagem conceptualmente elaborada e, deste modo, eles atingem a linguagem dita abstracta e/ou filosófica, que é a etapa linguística a que deve ter acesso o aluno dos anos terminais da escola secundária e durante a frequência do ensino superior.

Na mesma linha, um outro assunto deveras preocupante é a falta de leitura, do conhecimento dos livros que os actuais alunos destas ilhas demonstram e já não são infelizmente,  regra geral - há-de haver excepções -  para isso ( a leitura) incentivados pelos professores.

Torna-se confrangedor - a mim causa-me uma tristeza imensa! - quando os vemos e sabemos deles a frequentar a Universidade e o Politécnico em Portugal.

 Para além da má preparação que daqui levam da língua comum e veicular do nosso sistema de ensino, o português; são também portadores de insuficiências científicas e culturais básicas, não realizadas em etapas graduais de escolarização. 

Resultado: muitos desistem do curso. E assim se desfazem projectos de vida. Uma boa parte já não regressa a Cabo Verde, fica por lá, de empregos precários a desempregado e, a engrossar a imigração, dita clandestina. E não são poucos. Trata-se de um fenómeno que nos últimos dez, quinze anos vem aumentando de ano para ano.

A propósito, abro aqui um pequeno parêntesis para narrar algo que sucedeu comigo. Aqui há tempos, solicitei – via e-mail -  ao Ministério da Educação uma  estatística sobre os alunos cabo-verdianos em Portugal e se sabiam quantos alunos permaneceram nos cursos para que foram destinados e quantos deles desistiram nos dois últimos anos. Uma Técnica gentilmente respondeu-me dizendo que iriam averiguar e que depois me dariam a resposta. Não me enviaram os dados pedidos. Acredito que até nem foi por indelicadeza de não responder, mas sim, porque não fazem ideia da quantidade de formandos nossos que desistiram de prosseguir os estudos superiores em Portugal.  Distingui Portugal pois que é o país que disponibiliza mais vagas para os estudantes cabo-verdianos. Só no ano lectivo 2020/21, a decorrer, seguiram para Portugal mais de 500 (quinhentos) estudantes nossos. Fecho o parêntesis.

Na minha opinião a grande culpa recai no professor, que não vem cuidando e não  tem zelado por uma boa e mais perfeita transmissão de conhecimentos, das matérias e da disciplina que lecciona. A escola cabo-verdiana vem empobrecendo infelizmente o saber, e o saber transmitir conhecimentos.

E se a Educação está numa espécie de derrocada no seu âmago - a escola - muito mal vai o nosso Presente e pior ainda será o nosso Futuro.

Urge reflectir sobre isso!  

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Creio que o problema aqui denunciado resulta de um círculo vicioso há muito instalado no ensino cabo-verdiano: professores mal preparados formam alunos com deficiências e insuficiências de conhecimento literário e científico; estes, mais tarde professores, produzem alunos com carências ainda mais assinaláveis; e assim sucessivamente, com este fenómeno a reproduzir-se cada vez mais gravosa e insidiosamente em todos os escalões de ensino: o básico, o secundário e o universitário.
Não sei como resolver este problema, porque ele é, de facto, bicudo. A solução talvez seja parar para pensar.
Parar para pensar implica, antes de mais, começar por questionar o nível do ensino universitário em Cabo Verde, saber se ele corresponde aos padrões mínimos internacionais. Quero crer que está aquém, bastante aquém. Mas o que preocupa é, aparentemente, não haver consciência do problema, a avaliar pelas reivindicações que se vem fazendo para a expansão e diversificação de universidades por outras ilhas, ilhas que nem para um ensino secundário a sério reúnem condições de massa crítica e de enquadramento social. Foi o que recentemente li, a menos que me tenha enganado. A ser verdade, estamos a seguir por caminho errado, sem bússola e sem mapa.
A solução passa por uma atitude de humildade, partilhada por governantes, intelectuais (os que são de facto) e sociedade civil; uma atitude que leve a que se renda à realidade nua e crua. Na verdade, está-se a desprestigiar drasticamente o ensino universitário em Cabo Verde, comprometendo irremediavelmente o nível e a qualidade de aprendizagem em todos os escalões de ensino. Ora, se o futuro depende da qualidade do ensino e formação proporcionados aos nossos jovens…
Adriano Lima

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