domingo, 25 de abril de 2021

 


E porque hoje se comemora mais um aniversário do 25 de Abril; e também porque o «Coral Vermelho» comunga do espírito e dos propósitos que o 25 de Abril de 1974 trouxe para os cidadãos e para a comunidade falante da Língua portuguesa; fui repescar um texto que apresentei numa sessão comemorativa no Centro Cultural Português e a convite do então Embaixador de Portugal em Cabo Verde. Trata-se de um escrito que, na minha opinião, conserva alguma actualidade de sempre do 25 de Abril. 

Termino esta nota breve com o poema de Sopia de Mello Breyner Andresen, inspirado no evento de que hoje se assinala mais uma data.

"Esta é a madrugada que eu esperava

o dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"

Sophia de Mello Breyner Andresen, 1974



“25 de Abril” Sempre!

 

Passados quarenta e (sete) anos…

Chamei o meu texto breve de: “25 de Abril” Sempre! Embora já muito dito e mantendo alguma subjectividade, reconheço que a data significa para mim um ponto de partida e que, na mesma dimensão representou também um ponto de chegada. Isto é, o 25 de Abril reflecte e carrega um sinal e um significado, histórico e simbólico estruturantes.

Igualmente, o 25 de Abril de 1974 foi para a minha geração ou, pelo menos, para parte significativa dela, a percepção de se estar a viver o futuro dentro do presente, sem limites ou barreiras que projectam a distinção entre estas duas dimensões da nossa temporalidade vital.

O processo do 25 de Abril já foi também chamado de “o regresso das naus,” numa alusão metafórica, ao desfecho do processo colonial.

Se é certo que o “25 de Abril,” aconteceu-me numa fase de vida, em que uma revolução dessa natureza e grandiosidade, a chamada revolução dos cravos tende a ser, e foi recebida com o amplexo generoso e romântico, sobretudo da juventude;

Também não é menos certo, passadas quatro décadas, poder afirmar sem qualquer hesitação que o “25 de Abril,” Valeu a pena! Com todos os seus excessos, mal-entendidos, dramas, confusões e limados os pontos mais agrestes desse momento de ruptura, poder afirmar que – repito – valeu a pena!

Tal como eu, estou certa que muita gente da minha geração continua a considerá-lo como um momento histórico único, ímpar na nossa trajectória de vida.

Por isso saudemos o “25 de Abril” pelo seu efeito epistemologicamente transformador, de reposição de direitos e de dignidade na relação entre os povos que têm em comum a língua portuguesa. Hoje, somos uma comunidade, a CPLP, mas tal não seria possível se – parafraseando o poeta – “não fossem as portas que Abril abriu” e que fizeram convergir e não apartaram os países e as comunidades que a conformam

Infelizmente, entre nós, e sem explicação racionalizada, a data não tem sido dignamente assinalada, não é evocada com a importância que devia ter, até para se entender melhor a nossa história recente.

De facto o “25 de Abril” é data que na minha opinião, teimámos em ignorar. Esquecemos a liberdade e a descompressão social e psicológica que trouxe e os enormes sacrifícios que poupou na caminhada para a Independência. Comemoramos contudo, outras datas que lhe são derivadas no contexto da luta para a Independência. Até aqui, tudo bem, só que nos esquecemos de que não seriam possíveis nos mesmos pontos de um referencial temporo-espacial, se não fosse o “25 de Abril” de 1974.

Fico por vezes com a impressão que este procedimento se assemelha ao da avestruz, isto é, metemos a cabeça na areia e fizemos de conta que o “25 de Abril” nunca existiu e que não tínhamos nada a ver com ele. Mas como podemos hoje fazer de conta da explosão de alegria, de contentamento e de esperança que ele gerou e que percorreu o Arquipélago de lés a lés permitindo o calar das armas, na Guiné, em Angola e em Moçambique, a libertação dos presos políticos do Tarrafal e de outras prisões e dando liberdade de acção para a participação massiva e entusiástica que culminou com a Independência Nacional?

Reconhecer o “25 de Abril” como um marco importante da História recente da nossa Nação não desvalorizará a penosa caminhada do povo destas Ilhas, bem pelo contrário, a dignificará e a honrará por que ele, o “25 de Abril”, é digno, é honroso, é saudavelmente libertário e é também nosso por direito próprio.

Celebrar, não é feriar. É destacar, assinalar.

Reconhecer o “25 de Abril” não diminuirá a gesta, mesmo daqueles que por atitudes e subtilezas verbais reclamam, em privado, o estatuto de únicos obreiros da Independência e vêm resistindo a esse reconhecimento, quiçá por julgá-lo concorrente? contra-argumentário?...

Com ou sem o “25 de Abril” a Independência seria um facto. Discutível, mas tomámo-lo por adquirido. Não o polemizamos. O problema é saber-se quando, e quantas vidas, dissabores, sofrimentos e sacrifícios se pouparam...

Ignorar o “25 de Abril” é ignorar a história do povo destas ilhas e não reconhecer a quebra da cadeia que nos ligava ao colonialismo por via de uma pesada ditadura, quebra essa para a qual também contribuímos.

Imaginemos por momentos como seria o nosso processo de independência, acoplada ao da Guiné – Bissau, sem os diálogos, sem as negociações, sem os acordos que o “espírito” do 25 de Abril permitiu? E que a todos tocou?

Imaginemos por uns segundos o que seria dos milhares de angolanos, de moçambicanos, posteriormente de guineenses, que se refugiaram “no Portugal do 25 de Abril,” com os complexos, dramáticos e traumatizantes problemas que isso trouxe a uns e a outros, uma vez que logo a seguir ao processo das independências, os seus países mergulharam numa guerra fratricida, sangrenta, cruel; numa guerra civil devastadora? Sim, o que seriam hoje, muitas crianças e jovens de então, dos aludidos países privados de escolas e de quase tudo se não fossem as oportunidades que Abril gerou num Portugal já sem colónias? E que o tornou tão mestiço por via disso?

A data de 25 de Abril não devia ser um número abstracto. A ela estão ligados acontecimentos importantes do passado que nos permitem reconstituir o itinerário para o presente e compreendê-lo. Deve, pois, revestir-se entre nós, de uma certa dignidade, não podendo ser malbaratada ao sabor de preconceitos, olvidada por concepções redutoras da nossa História. Deve ser bastamente explicada para que seja assumida por todos sem quaisquer complexos.

Com a vossa permissão, citaria nesta oportunidade e como forma também de evocar os “Capitães de Abril,” as hoje, quase proféticas palavras de um dos seus mais insignes homens, o Capitão Salgueiro Maia, que em vésperas de morrer terá proferido, passo a citar: “Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir.” Fim de citação.

Pois é, o 25 de Abril, foi também e, sobretudo, um acto de edificação dos pilares que conduziram e vêm conduzindo o processo de democratização e de desenvolvimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (neste contexto, eventualmente retiraria o Brasil se ignorasse as relações de contacto que sempre as há).

Volvidos quarenta anos, estou convicta de que a maturidade, a análise mais objectiva, mais intelectualizada da nossa gente sobre os fenómenos e os eventos históricos que nos acompanharam e nos trouxeram até ao presente e, sobretudo através de uma espécie de “descomplexização” histórica; tudo isso contribuirá para o equilíbrio desse reconhecimento, do papel e do significado que também tem o “25 de Abril” para o povo cabo-verdiano.

Para finalizar este minha singela evocação do 25 de Abril, vou transcrever alguns versos do poema “Corpo renascido” de Manuel Alegre, o poeta da liberdade e que nestes versos, e numa interessante alegoria poética, quis simbolizar a dimensão cosmogónica e solidária, do 25 Abril.

“Corpo renascido (…) Canção (…) Coração perpendicular ao tempo (…) Cantando é como se dissesse: estou aqui!

Na multidão que está dentro de mim (…)

 Canção casa do mundo

Viagem de homem para homem

 Meu pedaço de pão rosa de Maio

Criança a rir na madrugada

Cavalos correm nos teus campos, crinas ao vento

 São os cavalos indomáveis que te levam

  Aos quatro cantos do mundo 

Lá onde um homem tiver sede

 Levarás teus cântaros/

Lá onde um homem tiver fome

 Levarás teu pão

Lá onde a liberdade foi assassinada

 Os teus cavalos livres levarão

  A espada refulgente

 Levarás o teu sol canção

 Folha a folha desfolhada

 Folha a folha renascida

 Assim tu és canção:

 Viagem de homem para homem.”

Manuel Alegre – País de Abril – Antologia

 

 

 

 

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Ainda não tinha lido este texto e estou em total concordância com a análise feita pela autora, Drª Ondina Ferreira. Belo texto, que honra a literatura e se tece com as linhas da História.
O 25 de Abril devolveu a liberdade aos portugueses e nas colónias conduziu à independência política dos respectivos territórios.
Fui adepto entusiasta do 25 de Abril. Mas não da tentativa de imprimir ao MFA o vanguardismo revolucionário de matriz leninista que o Vasco Gonçalves pretendeu. Era uma utopia carregada de sombras, não uma utopia límpida na sua virtualidade como imaginou Thomas More no livro que escreveu.

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