E porque hoje se comemora mais um aniversário do 25 de Abril; e
também porque o «Coral Vermelho» comunga do espírito e dos propósitos que o 25
de Abril de 1974 trouxe para os cidadãos e para a comunidade falante da Língua
portuguesa; fui repescar um texto que apresentei numa sessão comemorativa no
Centro Cultural Português e a convite do então Embaixador de Portugal em Cabo
Verde. Trata-se de um escrito que, na minha opinião, conserva alguma
actualidade de sempre do 25 de Abril.
Termino esta nota breve com o poema de Sopia de Mello Breyner
Andresen, inspirado no evento de que hoje se assinala mais uma data.
"Esta é a madrugada que eu esperava
o dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
Sophia de Mello Breyner Andresen, 1974
“25 de Abril” Sempre!
Passados quarenta e (sete) anos…
Chamei o meu texto breve de: “25 de Abril” Sempre! Embora já muito
dito e mantendo alguma subjectividade, reconheço que a data significa para mim
um ponto de partida e que, na mesma dimensão representou também um ponto de
chegada. Isto é, o 25 de Abril reflecte e carrega um sinal e um significado,
histórico e simbólico estruturantes.
Igualmente, o 25 de Abril de 1974 foi
para a minha geração ou, pelo menos, para parte significativa dela, a percepção
de se estar a viver o futuro dentro do presente, sem limites ou barreiras que
projectam a distinção entre estas duas dimensões da nossa temporalidade vital.
O processo do 25 de Abril já foi
também chamado de “o regresso das naus,” numa alusão metafórica, ao desfecho do
processo colonial.
Se é certo que o “25 de Abril,”
aconteceu-me numa fase de vida, em que uma revolução dessa natureza e
grandiosidade, a chamada revolução dos cravos tende a ser, e foi recebida com o
amplexo generoso e romântico, sobretudo da juventude;
Também não é menos certo, passadas
quatro décadas, poder afirmar sem qualquer hesitação que o “25 de Abril,” Valeu
a pena! Com todos os seus excessos, mal-entendidos, dramas, confusões e limados
os pontos mais agrestes desse momento de ruptura, poder afirmar que – repito –
valeu a pena!
Tal como eu, estou certa que muita
gente da minha geração continua a considerá-lo como um momento histórico único,
ímpar na nossa trajectória de vida.
Por isso saudemos o “25 de Abril” pelo
seu efeito epistemologicamente transformador, de reposição de direitos e de
dignidade na relação entre os povos que têm em comum a língua portuguesa. Hoje,
somos uma comunidade, a CPLP, mas tal não seria possível se – parafraseando o
poeta – “não fossem as portas que Abril abriu” e que fizeram convergir e não
apartaram os países e as comunidades que a conformam
Infelizmente, entre nós, e sem
explicação racionalizada, a data não tem sido dignamente assinalada, não é
evocada com a importância que devia ter, até para se entender melhor a nossa
história recente.
De facto o “25 de Abril” é data que na
minha opinião, teimámos em ignorar. Esquecemos a liberdade e a descompressão
social e psicológica que trouxe e os enormes sacrifícios que poupou na
caminhada para a Independência. Comemoramos contudo, outras datas que lhe são
derivadas no contexto da luta para a Independência. Até aqui, tudo bem, só que
nos esquecemos de que não seriam possíveis nos mesmos pontos de um referencial
temporo-espacial, se não fosse o “25 de Abril” de 1974.
Fico por vezes com a impressão que
este procedimento se assemelha ao da avestruz, isto é, metemos a cabeça na
areia e fizemos de conta que o “25 de Abril” nunca existiu e que não tínhamos
nada a ver com ele. Mas como podemos hoje fazer de conta da explosão de alegria,
de contentamento e de esperança que ele gerou e que percorreu o Arquipélago de
lés a lés permitindo o calar das armas, na Guiné, em Angola e em Moçambique, a
libertação dos presos políticos do Tarrafal e de outras prisões e dando
liberdade de acção para a participação massiva e entusiástica que culminou com
a Independência Nacional?
Reconhecer o “25 de Abril” como um
marco importante da História recente da nossa Nação não desvalorizará a penosa
caminhada do povo destas Ilhas, bem pelo contrário, a dignificará e a honrará
por que ele, o “25 de Abril”, é digno, é honroso, é saudavelmente libertário e
é também nosso por direito próprio.
Celebrar, não é feriar. É destacar,
assinalar.
Reconhecer o “25 de Abril” não
diminuirá a gesta, mesmo daqueles que por atitudes e subtilezas verbais
reclamam, em privado, o estatuto de únicos obreiros da Independência e vêm
resistindo a esse reconhecimento, quiçá por julgá-lo concorrente?
contra-argumentário?...
Com ou sem o “25 de Abril” a
Independência seria um facto. Discutível, mas tomámo-lo por adquirido. Não o
polemizamos. O problema é saber-se quando, e quantas vidas, dissabores,
sofrimentos e sacrifícios se pouparam...
Ignorar o “25 de Abril” é ignorar a
história do povo destas ilhas e não reconhecer a quebra da cadeia que nos
ligava ao colonialismo por via de uma pesada ditadura, quebra essa para a qual
também contribuímos.
Imaginemos por momentos como seria o
nosso processo de independência, acoplada ao da Guiné – Bissau, sem os
diálogos, sem as negociações, sem os acordos que o “espírito” do 25 de Abril
permitiu? E que a todos tocou?
Imaginemos por uns segundos o que
seria dos milhares de angolanos, de moçambicanos, posteriormente de guineenses,
que se refugiaram “no Portugal do 25 de Abril,” com os complexos, dramáticos e
traumatizantes problemas que isso trouxe a uns e a outros, uma vez que logo a
seguir ao processo das independências, os seus países mergulharam numa guerra
fratricida, sangrenta, cruel; numa guerra civil devastadora? Sim, o que seriam
hoje, muitas crianças e jovens de então, dos aludidos países privados de
escolas e de quase tudo se não fossem as oportunidades que Abril gerou num
Portugal já sem colónias? E que o tornou tão mestiço por via disso?
A data de 25 de Abril não devia ser um
número abstracto. A ela estão ligados acontecimentos importantes do passado que
nos permitem reconstituir o itinerário para o presente e compreendê-lo. Deve,
pois, revestir-se entre nós, de uma certa dignidade, não podendo ser
malbaratada ao sabor de preconceitos, olvidada por concepções redutoras da
nossa História. Deve ser bastamente explicada para que seja assumida por todos
sem quaisquer complexos.
Com a vossa permissão, citaria nesta
oportunidade e como forma também de evocar os “Capitães de Abril,” as hoje,
quase proféticas palavras de um dos seus mais insignes homens, o Capitão
Salgueiro Maia, que em vésperas de morrer terá proferido, passo a citar: “Não se preocupem com o local onde sepultar
o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a
construir.” Fim de citação.
Pois é, o 25 de Abril, foi também e,
sobretudo, um acto de edificação dos pilares que conduziram e vêm conduzindo o
processo de democratização e de desenvolvimento da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (neste contexto, eventualmente retiraria o Brasil se
ignorasse as relações de contacto que sempre as há).
Volvidos quarenta anos, estou convicta
de que a maturidade, a análise mais objectiva, mais intelectualizada da nossa
gente sobre os fenómenos e os eventos históricos que nos acompanharam e nos
trouxeram até ao presente e, sobretudo através de uma espécie de
“descomplexização” histórica; tudo isso contribuirá para o equilíbrio desse
reconhecimento, do papel e do significado que também tem o “25 de Abril” para o
povo cabo-verdiano.
Para finalizar este minha singela
evocação do 25 de Abril, vou transcrever alguns versos do poema “Corpo
renascido” de Manuel Alegre, o poeta da liberdade e que nestes versos, e numa
interessante alegoria poética, quis simbolizar a dimensão cosmogónica e
solidária, do 25 Abril.
“Corpo
renascido (…) Canção (…) Coração perpendicular ao tempo (…) Cantando é como se
dissesse: estou aqui!
Na
multidão que está dentro de mim (…)
Canção casa do mundo
Viagem
de homem para homem
Meu pedaço de pão rosa de Maio
Criança
a rir na madrugada
Cavalos
correm nos teus campos, crinas ao vento
São os cavalos indomáveis que te levam
Aos quatro cantos do mundo
Lá
onde um homem tiver sede
Levarás teus cântaros/
Lá
onde um homem tiver fome
Levarás teu pão
Lá
onde a liberdade foi assassinada
Os teus cavalos livres levarão
A espada refulgente
Levarás o teu sol canção
Folha a folha desfolhada
Folha a folha renascida
Assim tu és canção:
Viagem de homem para homem.”
Manuel
Alegre – País de Abril – Antologia
1 comentários:
Ainda não tinha lido este texto e estou em total concordância com a análise feita pela autora, Drª Ondina Ferreira. Belo texto, que honra a literatura e se tece com as linhas da História.
O 25 de Abril devolveu a liberdade aos portugueses e nas colónias conduziu à independência política dos respectivos territórios.
Fui adepto entusiasta do 25 de Abril. Mas não da tentativa de imprimir ao MFA o vanguardismo revolucionário de matriz leninista que o Vasco Gonçalves pretendeu. Era uma utopia carregada de sombras, não uma utopia límpida na sua virtualidade como imaginou Thomas More no livro que escreveu.
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