Por ocasião da Semana da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP 5/12 de Maio de 2021

sexta-feira, 7 de maio de 2021


  Escolhi e subordinei o meu tema, para a celebração da Lusofonia e da Cultura na CPLP,  às “inquietações” reflectidas na poesia de alguns poetas das ilhas de Cabo Verde, e, no caso em apreço, na poesia dos poetas mais emblemáticos, e que pertenceram à geração da «Claridade» movimento literário iniciado em 1936, na ilha de São Vicente, mais propriamente na cidade do Mindelo.

E foram diversas as “inquietações poéticas”. Mas as mais aprimoradas nestes poetas, foram a “inquietação marítima,” e a “inquietação social” bem definidas num pequeno/grande ensaio de Gabriel Mariano,(1928-2002) também ele, poeta  maior destas ilhas, e pertencente à geração bem posterior à da «Claridade». O ensaio é intitulado: «Osvaldo Alcântara – o Caçador de Heranças». – Ponto & Vírgula edições, 1991.

Ora bem, achei o ensaio extremamente interessante e elucidativo sobre estas duas inquietações. Daí, ter-me dele valido, para consubstanciar este meu escrito.

Mas antes ainda dos poetas da geração de «Claridade», tivemos  a  “inquietação amorosa” em que o exemplo mais acabado foi o poeta e famoso autor de belas mornas, Eugénio Tavares. Natural da mais pequena ilha habitada do Arquipélago de Cabo Verde, a ilha Brava. Eugénio Tavares, a quem muitas vezes chamámos de o Camões destas ilhas, poeta da última década do séc. XIX. Trata-se sem dúvida, do mais representativo poeta da “inquietação amorosa”.   É que Eugénio Tavares cantou o Amor de forma vocativa, clamativa, é sentimento sempre presente nas suas composições. Com grande frequência  E. T. apresentou o amor nos seus poemas, como fonte de grande sofrimento para o sujeito poético, o qual, é totalmente subjugado por este inquietante e perturbador sentimento. A sua lírica, foi disso reflexo.

Interessante é que, Eugénio Tavares considerou o amor maior do que o próprio Deus ,que é já de per se, imensurável. O exemplo mais ilustrativo disso encontra-se bem expresso na morna «Força de Cretcheu» em crioulo da Cabo Verde, Força do Amor, sendo o  vocábulo “cretcheu”, numa tradução aproximada,  de aquele ou daquela que se quer muito cre= querer tcheu= cheio, pleno, muito. Logo uma forma aglutinada do “querer muito”. Ora bem, o poeta sintetizou nesta composição, o seu entendimento sobre a grandeza do Amor, sobre os seus males, mas também sobre as delícias causadas pelo mesmo amor.

    Retomando o já referido trabalho de Gabriel Mariano, cujo título : «Osvaldo Alcântara - O Caçador de Heranças» foi buscado num poema homónimo de Osvaldo Alcântara.  Pois bem, Osvaldo Alcântara é o pseudónimo poético de Baltazar Lopes da Silva um dos mais renomados intelectuais e dos mais famosos homens das Letras cabo-verdianas do século XX. Autor do romance «Chiquinho», romance emblemático da geração do movimento literário «Claridade». No entender de Gabriel Mariano, Osvaldo Alcântara define-se como poeta «Caçador de Heranças» pois que, no seu poema homónimo, o sujeito poético justificou o facto de ter acompanhado o enterro de um capitão das ilhas, não foi por outro motivo, se não pelo facto de, ele, o sujeito poético, ser um “caçador de heranças,” ”Morreu hoje o capitão de um navio das ilhas.// Não foi porque ele era bom / e puxava afectuosamente o fumo do seu cigarro/ quando falava comigo/ que eu fui ao seu enterro. // Fui ao seu enterro porque sou caçador de heranças /e queria confessar a minha gratidão / pela riqueza que ele me deixou, / pela sua dimensão desmesurada do mundo / e pela sua incorporação no veleiro/ em que todos navegamos.” Heranças recolhidas, o poeta depois  as reelaborará e renovará  - aqui entendidas como metáfora de palavras sábias -  recebidas em vida do capitão de um navio das ilhas, e  que o poeta transformará em preocupações sociais que irão alimentar e sustentar  quase toda a sua poesia.

Assim, Osvaldo Alcântara ganhou o título de poeta da “inquietação social”, no dizer de Gabriel Mariano. Aquele  que se solidariza com o mais desprotegido dos seus semelhantes; que renuncia benesses em nome dessas «preocupações sociais»; que demonstra disponibilidade para seguir o trilho da “rebeldia e da libertação” do Homem nas suas várias e complexas dimensões. Poeta e guia disponível, Osvaldo Alcântara, reitera a disponibilidade para a luta no verso: «Tudo é estrela na minha prisão» do  poema «Deslumbramento», e através de duas figuras “prisão” e “estrela” que aqui ganham a um tempo, uma significação  antitética e uma aproximação oximora, o poeta alinha com os desprotegidos de sorte...

Ancorando-me de novo, no ensaio de Gabriel Mariano, ele definiu igualmente os poetas Jorge Barbosa (1902-1971) e Manuel Lopes,(1907-2005) como poetas de “inquietação marítima” e que a poesia destes dois autores, reflectiu as relações que o ilhéu cabo-verdiano estabeleceu com o mar. Ora o mar “a cinta que aperta” o ilhéu, ora o mar “convite para a terra-Longe”, ora ainda, o mar desassossegado e que intranquilizou o cabo-verdiano. Enfim, o mar nas suas várias expressões,  o mar dotado de sentimentos que o aproximam ou o afastam da empatia do Homem, este  que o considerou por vezes antropoformizado, como um seu semelhante. Estas seriam as características, as linhas de força dos poemas de Jorge Barbosa e de Manuel Lopes, no ensaio de Gabriel Mariano.

 E antes de finalizar este meu breve escrito em jeito de homenagem à Semana da Lusofonia e da Cultura na CPLP, direi que acredito que de algum modo, o mar destes poetas tem equivalência, embora diferente na abordagem, e naturalmente, na linha de que: “cada um é seus caminhos - pegando no belo verso do poema, “Impressão Digital” de António Gedeão (1906 -1997) mas é que encontramos equivalência no mar de que nos deu conta também o portentoso escritor português Virgílio Ferreira (1916-1996) “...da minha língua vê-se o mar, ouve-se os seus rumores(...) Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação  e que em Jorge Barbosa, essa “voz do Mar”, é assim sugerida: “(...) o Mar! / dentro de nós todos,/ no canto da Morna, / no corpo das raparigas morenas, / nas coxas ágeis das pretas / no desejo de viagens que fica em sonhos de muita gente!”

 Afinal, de forma interessante, também, outro conhecido poeta português, José Gomes Ferreira (1899-1985) ligou o mar à Língua portuguesa. Assim a expressou  na sua «Poesia VI» e nos versos seguintes:

“(...) gritei a minha descoberta (...)«o mar fala português»! // Claro que mentia/ pois já sabia / que bem lá no fundo do seu canto / onde Camões ouviu sirenas / e aves marinhas / o mar falava apenas / uma espécie de esperanto / com verbos de redes de espuma e substantivos de sardinhas //  Depois o mar transbordou da palavra (...) // (...) A palavra oceano / trazia outro rumor verde nos dentes.”

E termino com estes versos de José Gomes Ferreira, e a pensar que talvez, por via da simbologia do mar, e nas vozes dos nossos poetas e escritores, encontrámos também os caminhos que nos trouxeram à lusofonia, através das diversas e das ricas variantes da nossa Língua comum.

 

 

 

 

 

2 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...



































Excelente, Ondina. Gostaria de ler esse ensaio do Gabriel Mariano que cita e é o mote deste artigo, o eixo aglutinador da sua exposição. A leitura deste texto fez-me revisitar os grandes criadores da nossa poesia e relembrar a rica "herança" que nos deixaram os "capitães das ilhas", os conhecedores privilegiados dos segredos desse mar que nos aprisiona e ao mesmo tempo nos liberta e que abarca a “dimensão desmesurada do mundo”.
Eugénio Tavares tinha razão em considerar o amor maior que Deus, pois que se calhar o amor é fruto de um mistério anterior ao próprio Deus. Mas, assim sendo, recuso-me aceitar que esse amor se restrinja à expressão simbólica do romance entre dois seres humanos, um homem e uma mulher. Será, talvez, o amor universal, o que sustenta o equilíbrio e a harmonia daquilo que é “imensurável” e que, por isso, se tornou a casa de Deus.
Em toda essa herança impalpável mas sentida encontramos o “trilho da rebeldia e da libertação”. E não nos mortificamos porque haverá sempre uma “estrela na nossa prisão”, mas deslumbramentos por qualquer canto de sereia.
Gostei muito da sua análise.

Adriano Miranda Lima disse...

Lapso meu. Quis escrever: "mas sem deslumbramentos" e faltou a preposição.

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