Estávamos
nos meados da década de 90, do século XX, era eu a responsável pelo Sector da
Cultura do Governo de Cabo Verde, quando o grande e famoso cantor Bana me solicitou
uma audiência.
Não houve demora em recebê-lo. Pelo contrário, acordámos logo
a data e a hora e recebi-o com toda a simpatia, gentileza e muito prazer.
Tratava-se de uma voz prestigiada de que eu gostava. Aliás, tal como toda a
minha geração, desde adolescência que ouço Bana com prazer acrescido; apreciava
sobretudo, a forma como ele interpretava as coladeiras mindelenses.
Pois bem, feita esta declaração de princípio, volto ao
principal: dizia eu, recebi o cantor que tinha como propósito da audiência solicitar
ao Ministério da Cultura o financiamento de um seu disco para memória futura. Isto
é, pretendia o intérprete, editar uma selecção musical que teria como título
“As Doze ou, as Vinte Melhores Canções do Bana” ou algo similar. Já não o tenho
tão de memória. Só sei que ele queria algo semelhante ao que havia já sido
feito em Portugal com o título: “As 12 Melhores Canções da Amália,” pela
discográfica da portentosa fadista portuguesa.
Achei a ideia interessante, disse-lhe que tínhamos de facto uma
verba destinada a este tipo de eventos, mas o financiamento respeitava normas e
regulamentos a cumprir e pedi-lhe que nos submetesse esse seu projecto para
avaliação uma vez que teria, por força dos regulamentos, de ser aprovado
através de um concurso onde entrariam outros projectos enquadrados nos mesmos
termos de referência.
Devo esclarecer o leitor, que naquele ano, coube ao orçamento
de investimento do Ministério da Cultura, um montante destinado a incentivar e
a financiar projectos no domínio da arte e do artesanato, a fundo perdido, como
se designam esses financiamentos sem retorno. Tudo em nome da criatividade e do
engrandecimento da produção artística.
Para que tudo funcionasse no quadro estabelecido pelos termos
de referência e fosse bem conduzido, o Ministério tinha nomeado um Júri,
independente, constituído por personalidades do meio das artes, da música e também
de outras proveniências. As decisões do júri eram soberanas. Aliás, um
princípio que subjaz normalmente nesse tipo de concursos.
Ora bem, feita a escolha final, o Júri decidiu por dois projectos
que melhor respondiam a dois parâmetros tidos como fundamentais para a
selecção, ou seja, projectos que garantissem formação no domínio das artes e do
artesanato e emprego, a jovens em equilíbrio paritário de género.
Nesta
conformidade, foram financiados, (oxalá a memória não me traia!) o projecto de
Artesanato, da Olaria das Mulheres de Fonte Lima, em Santiago e outro do
Atelier-Mar, em São Vicente.
À titular da pasta da Cultura coube e cabia nessas situações,
homologar (ou não, obviamente com fundamentos) a decisão do Júri.
Assim sendo, não houve nada a fazer com o projecto do nosso
conhecido cantor. Os critérios para a classificação final dos projectos
submetidos a concurso eram bem claros, e o júri mais não fez do que os seguir
correctamente.
Posteriormente – muito mais tarde, já eu não estava nas lides
políticas – tive conhecimento da entrevista dada por Bana à Rádio em Mindelo,
em que ele me criticou asperamente pela não premiação do seu projecto, e de que
me teria escrito uma carta a “descompor-me.”
Infelizmente, tal carta nunca me chegou às mãos, pois que,
seria uma oportunidade para eu lhe ter respondido e explicado como se passaram
as coisas no concurso, pois que era disso que se tratava.
Lamentei na altura o facto. Penso ter sido da parte dele, um
amuo, uma zanga que não fazia qualquer sentido, uma vez que as normas eram
claras e, como em qualquer concurso, sentindo-se ele lesado, podia sempre “recorrer.”
Assim foi o meu “quid pro quo” com o famoso cantor Bana, tal
como vem no título deste escrito.
Não obstante tudo isto,
continuo a ouvi-lo com particular deleite e a voz dele sempre a encantar-me.
1 comentários:
Louvo a coragem e sinceridade da Dr.-ª Ondina Ferreira em recordar este episódio. Poderia muito simplesmente não o ter trazido a público, à semelhança de outras situações do género em que um governante gostaria de abrir os cordões à bolsa para satisfazer todos os pedidos mas se vê condicionado pelas regras e pelas limitações orçamentais.
Ao desabafo do Bana a demonstrar o seu desapontamento tem de se dar o desconto devido. Aliás, como à data a liberdade de expressão já tinha sido devolvida aos cidadãos, queixar-se do governo não representava qualquer custo.
Resta-me dizer que sou fã do Bana.
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