O Meu “quid pro quo” com Bana

sábado, 19 de março de 2022

 


Estávamos nos meados da década de 90, do século XX, era eu a responsável pelo Sector da Cultura do Governo de Cabo Verde, quando o grande e famoso cantor Bana me solicitou uma audiência.

Não houve demora em recebê-lo. Pelo contrário, acordámos logo a data e a hora e recebi-o com toda a simpatia, gentileza e muito prazer. Tratava-se de uma voz prestigiada de que eu gostava. Aliás, tal como toda a minha geração, desde adolescência que ouço Bana com prazer acrescido; apreciava sobretudo, a forma como ele interpretava as coladeiras mindelenses.

Pois bem, feita esta declaração de princípio, volto ao principal: dizia eu, recebi o cantor que tinha como propósito da audiência solicitar ao Ministério da Cultura o financiamento de um seu disco para memória futura. Isto é, pretendia o intérprete, editar uma selecção musical que teria como título “As Doze ou, as Vinte Melhores Canções do Bana” ou algo similar. Já não o tenho tão de memória. Só sei que ele queria algo semelhante ao que havia já sido feito em Portugal com o título: “As 12 Melhores Canções da Amália,” pela discográfica da portentosa fadista portuguesa.

Achei a ideia interessante, disse-lhe que tínhamos de facto uma verba destinada a este tipo de eventos, mas o financiamento respeitava normas e regulamentos a cumprir e pedi-lhe que nos submetesse esse seu projecto para avaliação uma vez que teria, por força dos regulamentos, de ser aprovado através de um concurso onde entrariam outros projectos enquadrados nos mesmos termos de referência.

Devo esclarecer o leitor, que naquele ano, coube ao orçamento de investimento do Ministério da Cultura, um montante destinado a incentivar e a financiar projectos no domínio da arte e do artesanato, a fundo perdido, como se designam esses financiamentos sem retorno. Tudo em nome da criatividade e do engrandecimento da produção artística.

Para que tudo funcionasse no quadro estabelecido pelos termos de referência e fosse bem conduzido, o Ministério tinha nomeado um Júri, independente, constituído por personalidades do meio das artes, da música e também de outras proveniências. As decisões do júri eram soberanas. Aliás, um princípio que subjaz normalmente nesse tipo de concursos.

Ora bem, feita a escolha final, o Júri decidiu por dois projectos que melhor respondiam a dois parâmetros tidos como fundamentais para a selecção, ou seja, projectos que garantissem formação no domínio das artes e do artesanato e emprego, a jovens em equilíbrio paritário de género.

Nesta conformidade, foram financiados, (oxalá a memória não me traia!) o projecto de Artesanato, da Olaria das Mulheres de Fonte Lima, em Santiago e outro do Atelier-Mar, em São Vicente.

À titular da pasta da Cultura coube e cabia nessas situações, homologar (ou não, obviamente com fundamentos) a decisão do Júri.

Assim sendo, não houve nada a fazer com o projecto do nosso conhecido cantor. Os critérios para a classificação final dos projectos submetidos a concurso eram bem claros, e o júri mais não fez do que os seguir correctamente.

Posteriormente – muito mais tarde, já eu não estava nas lides políticas – tive conhecimento da entrevista dada por Bana à Rádio em Mindelo, em que ele me criticou asperamente pela não premiação do seu projecto, e de que me teria escrito uma carta a “descompor-me.”

Infelizmente, tal carta nunca me chegou às mãos, pois que, seria uma oportunidade para eu lhe ter respondido e explicado como se passaram as coisas no concurso, pois que era disso que se tratava.

Lamentei na altura o facto. Penso ter sido da parte dele, um amuo, uma zanga que não fazia qualquer sentido, uma vez que as normas eram claras e, como em qualquer concurso, sentindo-se ele lesado, podia sempre “recorrer.”

Assim foi o meu “quid pro quo” com o famoso cantor Bana, tal como vem no título deste escrito.

 Não obstante tudo isto, continuo a ouvi-lo com particular deleite e a voz dele sempre a encantar-me.

 

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Louvo a coragem e sinceridade da Dr.-ª Ondina Ferreira em recordar este episódio. Poderia muito simplesmente não o ter trazido a público, à semelhança de outras situações do género em que um governante gostaria de abrir os cordões à bolsa para satisfazer todos os pedidos mas se vê condicionado pelas regras e pelas limitações orçamentais.
Ao desabafo do Bana a demonstrar o seu desapontamento tem de se dar o desconto devido. Aliás, como à data a liberdade de expressão já tinha sido devolvida aos cidadãos, queixar-se do governo não representava qualquer custo.
Resta-me dizer que sou fã do Bana.

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