Com a devida vénia ao
autor, tomei a liberdade de aqui transcrever o texto que se segue, por versar
uma realidade, afinal, impeditiva da expansão e da divulgação da Língua
portuguesa. Um oportuno e interessante
ponto de vista de um norte-americano.
O nosso idioma - A língua
portuguesa vista por estrangeiro
Porque é tão difícil dominar a
língua portuguesa?
Défice de conversação com
estrangeiros aprendizes de português
Por Carl Eric Johnson. 22 de Abril de 2023.
«(...) Muitos encontros
entre os portugueses e estrangeiros iniciam-se com o português a falar inglês,
sem dar ao visitante a oportunidade de provar a sua capacidade de falar na
língua da [sua] terra. (...)»
Há uma conspiração. Vai desde
as salas de aula até aos restaurantes menos nobres. Das ruas do centro
de Lisboa às atracções culturais fora da cidade. Esta ideia de conspiração
parte de imigrantes, como eu, de terras cuja língua materna é o inglês, que
ficam frustrados com uma das barreiras mais difíceis de superar neste país. E
que condiciona mesmo a nossa integração na sociedade portuguesa. Refiro-me à
dificuldade de muitas pessoas em dominarem o básico da língua portuguesa.
A dificuldade não resulta
apenas da complexidade de uma gramática desconcertante e de uma fonética
confusa. Acho que é o resultado da abundância de portugueses que falam bem
inglês e da prevalência de informação apresentada em inglês.
Nas minhas viagens por outros
países da Europa, tenho sido obrigado a falar e a ler na língua local para
sobreviver – isso não acontece [em Portugal].
Lisboa acolhe os visitantes de
braços abertos e com desejo de lhes mostrar a sua capacidade de comunicar na
língua universal. Este comportamento manifesta-se no hábito de presumir que os
estrangeiros não conseguem perceber nem falar português.
Muitos encontros entre
os portugueses e estrangeiros iniciam-se com o português a falar inglês, sem
dar ao visitante a oportunidade de provar a sua capacidade de falar na língua
da [sua] terra.
Acontece com frequência
os empregados de mesa iniciarem uma conversa comigo em inglês, sem terem
nenhuma indicação dada por mim de que sei falar inglês, ou português. Talvez se
deva ao meu rosto escandinavo ou às minhas roupas de estilos e de cores que não
são normalmente usadas em Portugal. Por qualquer motivo, aparento ser incapaz
de comunicar em português.
Às vezes sinto que talvez
devesse afixar um cartaz no meu peito que declarasse a minha competência
linguística, para contrariar o impulso natural de falarem em inglês comigo. No
entanto, julgo que nem isso resultaria.
A via normal para aprender uma nova língua é passar tempo suficiente a ler, a ouvir, a escrever, e a falar. As primeiras três actividades podem ser feitas por alguém sozinho. A última, no entanto, tem de ser praticada, preferencialmente, com um natural do país, alguém com tempo e paciência nas fases iniciais.
Há muito boas escolas aqui que oferecem aulas adaptadas a todos os níveis de aprendizagem, desde o básico até à mestria da língua. Contudo, apesar de frequentar muitas aulas e de passar muitas horas a estudar e a ouvir a língua, é a falta de conversação frequente que me cria mais dificuldades.
Percebo bem as boas intenções dos portugueses ao quererem falar numa língua que seja familiar aos clientes e que lhes permita concluir as transações comerciais rapidamente. Devíamos obrigar os empregados a perder tempo? Faz sentido para o empregado repetir frases ou sorrir educadamente enquanto o cliente mutila a pronúncia e a gramática portuguesa? Talvez não, mas esta abordagem nega a todos a oportunidade de progredirem e surpreenderem os "alfacinhas" com o seu próprio talento inesperado. Parece estranho que um povo tão cordial para com os estrangeiros os queira privar desta oportunidade. Talvez haja mais alguma coisa a ocorrer em simultâneo.
Sem dúvida, a preferência dos
portugueses pela comunicação em inglês é também visível nas palavras
escritas — desde as ementas às informações nas montras. Muitas vezes,
as traduções estão erradas, mas o dono ou a dona da loja desejam que os clientes
de todo o lado possam entrar e sentir-se à vontade a falar em inglês.
Antigamente, podia-se melhorar
mais rapidamente a competência linguística através da imersão no país. A
sobrevivência ditava que o imigrante tinha de aprender logo a língua da terra
para se integrar na sociedade. Outrora, os viajantes sabiam que o conhecimento
do básico da língua do destino era obrigatório, mas agora não! A prevalência do
inglês em todo o lado retirou aos turistas a necessidade de serem corteses e de
mostrarem respeito linguístico pelos habitantes. Hoje, todos os guias sobre
viagens a Portugal dizem que só é necessário comprar um bilhete, fazer as
malas, escolher sítios de interesse e sair da casa.
«É necessário falar a língua
do país? Não se preocupe! «Os portugueses facilitam-lhe a vida. É como se o
mundo português conspirasse contra os estrangeiros para manter a ilusão de que
a língua, bem como a cultura, acolhe todos. Mas parece que há um limite.
Perde-se pelo menos metade do que o mundo português oferece, se não se tiver a capacidade de ler e comunicar na língua da terra. Há recantos escondidos dos visitantes que os portugueses reservam para si próprios: um café de bairro onde ninguém fala inglês, mas onde histórias divertidas são contadas; uma exposição que tem informação em inglês, mas não inclui muita da informação relatada na versão portuguesa. Assisti a concertos em que toda a gente desfrutava da música, mas a explicação era dada só em português. Finalmente, a língua de rua pode confundir o principiante e abalar a sua confiança. Pode ser frustrante sair da sala de aula e cruzar-se com os lisboetas a falarem entre si numa língua incompreensível. É como se os portugueses quisessem manter uma barreira entre eles e os outros, como se um mundo secreto existisse.
Felizmente, acho que me
apercebi do que se está a passar. As escolas de língua portuguesa para
estrangeiros decidiram conspirar contra nós, mantendo uma "cortina
opaca" entre nós e os portugueses. A publicidade das escolas descreve os
benefícios de aprender e seduz os potenciais estudantes com esperanças vãs de
dominarem a língua. Não revela o trabalho árduo necessário para se ser
bem-sucedido. Apenas nos ensinam o básico, reservando o resto aos portugueses e
aos estrangeiros lutadores mesmo empenhados em falar verdadeiramente
português.
Esta conspiração está a correr
bem, mas espero que, com o tempo, me seja permitido passar através
do espelho da Alice, como prova do meu mérito, e aderir à equipa dos
privilegiados. Para já, continuarei a frequentar as aulas de português.
Fonte
Artigo do norte-americano Carl
Eric Johnson, residente em Portugal desde 2016, transcrito, com a devida
vénia, do jornal Público, do dia 21/04/2023. Escrito segundo
a norma ortográfica de 1945.
Carl Eric Johnson
Engenheiro norte-americano aposentado, residente em
Portugal desde 2016.
1 comentários:
Mister Johnson tem razão no que diz. Talvez pela sua conhecida capacidade de adaptação, os portugueses esforçam-se sempre por falar a língua do outro. Como o autor descreve, hoje em dia a língua inglesa é falada por muito mais portugueses do que antigamente, o que é fruto do progresso da escolarização e também da influência das televisões. Só que alguns estrangeiros, como é o caso do autor, anseiam, de facto, por encontrar condições para treinar a prática oral com a nossa língua e elas lhes são truncadas pelo voluntarismo (ou servilismo?) dos portugueses.
Excepção, digo-o com graça, foi o 2º comandante do meu regimento há uns 46 anos. Era eu capitão e recebemos a visita de um capitão inglês que ia como elemento de ligação para um cross training com uma força da sua unidade. O oficial ficou ao meu cargo e, à chegada, levei-o ao gabinete do 2º comandante para a respectiva apresentação formal. O 2º comandante apresentou-se nestes termos: " Ferros de Azevedo, muito gosto em recebê-lo no regimento e espero que se dê bem entre nós". Só que o inglês não teve problema em perceber porque falava mais ou menos o espanhol por ter servido durante alguns anos numa unidade inglesa em Gibraltar.
Esta questão faz-me também lembrar um vizinho inglês que tive no prédio e que, com muito esforço, tentava aprender e treinar o uso do português. Arranjei um estratagema para comunicar com ele: o uso de um "portinglês". Servia bem o fim desejado porque a informalidade do método permitia um certo didactismo: a mistura linguística dava para uma intermediação e pausa para fazer acertos e correcções. O proveito até era mútuo, pois ele treinava o português e eu o inglês.
Mas é importante a denúncia que mister Johnson faz.
Serve como alerta para os que tentam agradar o forasteiro.
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