Vinha eu no carro de regresso à casa com a rádio ligada e ouço uma entrevista feita – nos estúdios de Mindelo da nossa Rádio nacional – a um dirigente de um grupo teatral daquela cidade.
O conteúdo da entrevista focou vários aspectos da vida do grupo teatral, desde as formações e as oficinas de trabalho dramático realizadas, passando pelas peças já apresentadas em palco e indo a algo que escutei com redobrado interesse.
Tratava-se de um comentário feito pelo entrevistador pelo facto de, a peça teatral do grupo, cujo líder estava a ser entrevistado, ter sido escolhida de entre as concorrentes para o grande festival de teatro internacional destinada aos grupos teatrais, creio que dos sete países da CPLP e que este ano teria lugar no Brasil.
Pelo teor da conversa radiodifundida, o critério de participação nesse mesmo festival, distinguia os novos grupos de teatro, eventualmente os mais necessitados de troca de experiências e de pisar outros palcos.
Realçava o Jornalista, como a querer confirmar junto do entrevistado, de que o grupo havia sido escolhido porque apresentara uma peça em língua portuguesa, o que à partida garantia audiência e comunicação internacional, o que possivelmente não fizeram os outros concorrentes.
Corroborou o dirigente teatral, e mais, reiterou as vantagens disso acrescentando que era uma excelente oportunidade sair e poder interagir com grupos congéneres da mesma língua, com maior experiência e visão do mundo do teatro, o que certamente iria acontecer no certame internacional a realizar no Brasil. Só teriam a ganhar, pressupunha ele.
Ora aqui estamos de novo à volta do velho tema: as vantagens do falante cabo-verdiano ter na sua bagagem cultural e linguística a língua portuguesa.
O caso descrito espelha bem a necessidade, diria que urgente, de repor com afinco o uso oral e escrito em português, entre nós. Somos uma comunidade pequena que colhe também no exterior, e isto já vem de séculos, não só o seu ganha-pão, como a experiência do seu saber fazer laboral e artístico, não alienando igualmente a sua criatividade específica.
Dito de outro modo: para que não se “fechem” as ligações com o exterior e para que se alarguem os nossos horizontes de desenvolvimento seria bom que mantivéssemos accionado em permanência, a nossa língua segunda, mantendo-a em bom e em activo estado, tornando-a até língua nacional o que só nos traria vantagens.
Aproveitaria para transcrever o que disse, e bem, alguém (anónimo) comentando o texto publicado neste “Blog” e intitulado: ”Crioulo versus Português.” O comentário focou o Haiti, a dificuldade de comunicação que tiveram os enviados internacionais e estrangeiros para socorrer os haitianos, a quando do enorme sismo que abalou o país recentemente. Passo a transcrever:
«É muito interessante o título do texto "Crioulo versus Português?", quanto mais não seja pela utilização do "versus" para juntar duas línguas íntimas e familiarmente ligadas. Eu apenas me expresso em português, o que lamento, pois o crioulo para além da sua especial sonoridade, possui uma enorme riqueza em termos de expressões idiomáticas que muito caracterizam o relacionamento dos falantes desta língua.
Mas o objectivo do meu comentário é chamar a atenção dos eventuais interessados para o facto que recentemente foi reportado por muitos dos voluntários que socorreram as populações do Haiti, após o terrível terramoto que tantas vítimas causou. É que a generalidade dos voluntários, que eram falantes de inglês, francês, português, italiano, espanhol, etc., referiu ter tido muita dificuldade para entender e se fazer entender pela maioria das vitimas, precisamente por estas apenas se expressarem na sua língua local, o crioulo do Haiti.» (fim de transcrição).
Por ter sido enviado sob anonimato tomei a liberdade de o publicar, obviamente sem qualquer pedido de autorização.
E pensar que num passado recente, o país em questão possuía também o francês como património linguístico e que quase o perderam mercê de uma tomada de posição política que infelizmente não se revelou benéfica para o desenvolvimento da sua comunidade.
Retomando, e para finalizar, acrescentaria que isolarmo-nos linguisticamente seria uma horrível catástrofe para o desenvolvimento da comunidade cabo-verdiana.
O crioulo não pode e nem deve tomar o lugar (da forma como está sendo feito) do português em Cabo Verde.
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