Resolvi trazer este texto “retirado” do meu projecto de brochura, «Eugénio Tavares, Cantigas e Sonetos – A influência poética de João de Deus e de Antero Quental por se tratar de um tema que vem merecendo uma séria reflexão.
Na realidade, o fundamento do ensaio a publicar incide sobre a intertextualidade e a influência da poesia romântica portuguesa da 3ª fase, conhecida na historiografia literária portuguesa como a “Regeneração,” com especial destaque para João de Deus e Antero de Quental os quais, salvaguardada a originalidade e a criatividade do poeta bravense, nele exerceram uma significativa influência.
Mas o conteúdo deste texto apenas aproveita uma pequena parcela da brochura a editar e que foca num curto parêntesis, a questão do “nativismo” na escrita literária de E. Tavares para observar que o que se pretende hodiernamente e quase à viva força, é ligar – todas ou, quase todas – as influências recebidas pelo nosso poeta bravense ao “Nativismo.” De tal modo, tem sido assim na definição de alguns dos nossos actuais e mais mediáticos intelectuais, talvez influenciados pelo texto jornalístico de amor à terra, em que E. Tavares fala do «Nativismo através da Alma de Mistral».
Creio ter sido apenas neste artigo que E. T. focou o tema do nativismo, ainda que de forma veemente e crente. Daí talvez explicada a razão da classificação de “nativista” ao poeta e compositor, estendendo e ampliando o conceito numa espécie de «cartão de apresentação» dos poetas cabo-verdianos da segunda metade do século XIX, e mesmo para os das primeiras décadas do século XX. Todos são chamados: «nativista». Não vá sem se dizer, que no meio disto, isto é, do mesmo molde generalista se tem feito força para se colocar o nosso helénico, latinista e clássico acabado - o poeta José Lopes. Não será exagero?...
Se E. Tavares foi “nativista” no sentido de amar e de defender as ilhas, disso não tenho dúvidas, mas no que toca ao segundo entendimento do vocábulo nativista que é de “ódio a tudo o que é estrangeiro”, a obra dele nada revelou e o que ressalta é exactamente o contrário, um prolongado abraço afectivo e familiar à sua parte portuguesa e à sua dimensão universal também. Aliás, mais do que o seu texto considerado nativista, E. Tavares expressou e bastas vezes a sua ligação afectiva e cultural a Portugal, por vezes até simbolizada no amor filial exaltado ao pai, natural de Santarém. Na minha modesta opinião, em que não me considero desacompanhada, a pretensão sócio-política mais fortemente enunciada por E. Tavares teria sido a de reivindicar para o cabo-verdiano, iguais direitos e estatuto que tinha o então chamado metropolitano. E isto não quer de forma alguma negar – pois que à época não seria fácil declará-lo – a postura nacionalista de Eugénio Tavares em relação às suas amadas ilhas.
Reafirmo o que antes já dissera: Nunca houve em Cabo Verde uma corrente literária de carácter nativista o que não significa que um ou outro texto não se tivesse aproximado dessa linha.
Uma asserção bem elucidativa sobre este assunto e que trago a meu favor é a que faz Alfredo Margarido no prefácio ao livro de Pedro Cardoso: Folclore de Cabo Verde, uma edição da Solidariedade Cabo-verdiana de Paris e publicada em Lisboa em 1983. Diz Margarido a propósito do nativismo em Cabo Verde que já em 1917: «Luiz Loff de Vasconcelos…salienta que a origem do nativismo deve ir buscar-se ao Brasil, onde traduziu “ uma forma política de reivindicação” dos direitos dos naturais contra os estranhos. O que lhe permite mostrar que o chamado “nativismo cabo-verdiano é uma impropriedade de termo, a que se tem dado um significado moral e político falso, baseando-se em ódio de raça e como manifestação de rebeldia.”(palavras de Luís Loff de Vasconcelos) Esta intervenção procura reduzir a importância real do nativismo, …Mas é evidente que se este aviso à população possui, visto a evolução das migrações cabo-verdianas, um aspecto propriamente profético, a verdade é que ele põe termo a esta questão. Cabo Verde sai do campo perigoso do nativismo, que fica então solidamente ocupado pelos santomenses e pelos angolanos.» Análise e conclusão de Alfredo Margarido e fim da transcrição. O sublinhado e o “negrito” são meus.)
Interessante que mesmo conhecendo esta posição de Luiz Loff de Vasconcelos secundada de forma inequívoca por Alfredo Margarido nestas notas transcritas (Note-se que a tese de Loff de Vasconcelos que já tem quase um século de existência é dirigida à escrita jornalística de época) persistem alguns intelectuais cabo-verdianos no século XXI, em querer manter a classificação com a agravante de a tornar extensiva e englobante para todos os literatos dessa época.
Gostaria de finalizar este escrito, lembrando que quer Eugénio Tavares, quer José Lopes, Pedro Cardoso, Januário Leite e demais poetas cronologicamente próximos, não formaram e nem estiverem inseridos em nenhum grupo ou corrente literária. E nesta matéria, não vale a pena forçar convenções pois que podem deturpar desnecessariamente a historiografia literária cabo-verdiana.
Uni-los sim, nos momentos (raros) em que pessoalmente alguns deles se encontraram e nos poemas que entre eles trocaram em dedicatória mútua.
Poucos se têm lembrado que, tal como nos cantados versos de António Gedeão: «…Cada um é seus caminhos…» assim também sucedeu na forma de versejar e na poesia dos autores cabo-verdianos aqui citados. Cada um foi o seu próprio “caminho” e também a intertextualidade que o influenciou no modo de versejar.
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