As estórias que se contam nem sempre correspondem a História que se quer narrar. Vem isto a propósito do que se passou com a South African Airways (SAA) no conturbado e agitado período (Maio/74 a Junho/75) que antecedeu a independência de Cabo Verde.
Era sabido que toda a Ilha do Sal e, por via disto, uma boa parte da nossa economia, era dependente da escala dos voos da SAA. Pois isto não evitou que certos fervorosos jovens de então - hoje pacatos avós - com responsabilidade na administração, gestão e funcionamento das actividades económicas da Ilha, tomados por uma onda de fervor independentista, ávidos de apresentar serviço quiçá movidos pelo oportunismo militante que proliferava, organizassem uma manifestação contra a escala dos aviões dessa companhia (SAA) no Sal. Estava na ordem do dia as manifestações espontâneas em nome e a favor do PAIGC consentidas e, por vezes, incentivadas e até sugeridas, pelo próprio Governo de Transição através de certos membros e realizadas por “iniciativa” de activistas cujos nomes e funções em nada vinculavam o partido que diziam representar. Eram “peixe miúdo”, “carne para canhão”, como sói dizer-se, e que a realidade posteriormente confirmou que disso não passavam.
Foi assim que certa tarde, uma turba encabeçada por esses jovens se perfilou na placa do aeroporto emitindo em grandes algazarras, palavras de ordem contra a SAA e a República Sul-africana, e formando uma barreira humana com o fito de impedir que ao avião da SAA se prestasse qualquer assistência. Os serviços de terra eram prestados pela TAP cujos trabalhadores eram todos cabo-verdianos. Alguns destes, conscientes da dependência da Ilha do Sal à escala dos aviões da SAA, cientes dos seus deveres profissionais, da ingenuidade política dos manifestantes e da inocuidade da manifestação dado os interesses em jogo, indiferentes à barreira, aos apupos e aos apodos de “lacaios de colonialismo”, “traidores”, “reaccionários” e outros, contornaram a massa humana, dirigiram-se ao avião e prestaram o serviço que era necessário permitindo deste modo que o avião partisse.
Convém aqui lembrar que se vivia o “apartheid” na República Sul-africana e que na sequência da natureza do regime havia um boicote imposto pela OUA ao qual, pragmaticamente, Cabo Verde não aderiu mesmo depois da Independência. Mas também não será de mais referir que apesar desse boicote alguns países da nossa costa africana ditos “moderados” faziam-se à escala dos voos dos aviões da SAA e há muito que se rumorejava acordos e protocolos secretos.
Após o despacho e partida do avião, o representante da SAA furiosíssimo deslocou-se ao gabinete do chefe de escala da TAP – um cabo-verdiano – dizendo-lhe que ia já telefonar e fazer um relatório pedindo o fecho da escala do Sal e que se os cabo-verdianos não queriam os aviões sul-africanos havia já outras alternativas negociadas. Foi dissuadido pelo chefe da escala da TAP pedindo-lhe que tivesse calma pois os manifestantes não representavam a vontade do Governo. Implorou-lhe que aguentasse uns dias para permitir que a situação se aclarasse através dos órgãos competentes. Que ele próprio iria fazer as diligências necessárias para efectivação deste propósito. O Representante da SAA perante a insistência do pedido, contemporizou-se “concedendo-lhe” os tais dias, acrescentando: “Não aceitarei mais nenhuma situação semelhante. Estou aqui a trabalhar há vários anos como sabes e não a fazer política e respeito escrupulosamente as leis do território.” E foi no cumprimento da promessa de diligência que o chefe de escala da TAP do Sal se deslocou a Lisboa no primeiro avião, por iniciativa própria, para falar com o Director da SAA para a região ibérica (sedeada em Lisboa) da qual Sal (e também Canárias) fazia parte. Pôs-lhe ao corrente da situação, reiterou-lhe o pedido de não fechar a escala do Sal da SAA recomendando-lhe, para evitar futuramente semelhantes situações à que se tinha verificado, uma conversa urgente com o Governo de Transição, designadamente com o membro desse Governo que se ocupava da administração interna uma vez que apenas se tratava de manifestações e de acções impeditivas projectadas e realizadas por um grupo de agitadores. O representante ibérico da SAA absorveu a recomendação e deslocou-se de imediato, no primeiro voo, a Cabo Verde tendo marcado com antecedência uma audiência com o então membro do Governo para administração interna. Durante a audiência que se verificou na Praia, foi-lhe assegurado tranquilidade, que o Governo de Transição garantiria os compromissos anteriormente assumidos, que o que havia ocorrido não voltaria a acontecer e que não haveria mais manifestação nem acções obstrucionistas.
Foi assim que a South African Airways manteve activa a escala do Sal e foi assim que aconteceu nos bastidores. Mais tarde, houve negociações abertas no quadro de um Cabo Verde independente.
A. Ferreira
Era sabido que toda a Ilha do Sal e, por via disto, uma boa parte da nossa economia, era dependente da escala dos voos da SAA. Pois isto não evitou que certos fervorosos jovens de então - hoje pacatos avós - com responsabilidade na administração, gestão e funcionamento das actividades económicas da Ilha, tomados por uma onda de fervor independentista, ávidos de apresentar serviço quiçá movidos pelo oportunismo militante que proliferava, organizassem uma manifestação contra a escala dos aviões dessa companhia (SAA) no Sal. Estava na ordem do dia as manifestações espontâneas em nome e a favor do PAIGC consentidas e, por vezes, incentivadas e até sugeridas, pelo próprio Governo de Transição através de certos membros e realizadas por “iniciativa” de activistas cujos nomes e funções em nada vinculavam o partido que diziam representar. Eram “peixe miúdo”, “carne para canhão”, como sói dizer-se, e que a realidade posteriormente confirmou que disso não passavam.
Foi assim que certa tarde, uma turba encabeçada por esses jovens se perfilou na placa do aeroporto emitindo em grandes algazarras, palavras de ordem contra a SAA e a República Sul-africana, e formando uma barreira humana com o fito de impedir que ao avião da SAA se prestasse qualquer assistência. Os serviços de terra eram prestados pela TAP cujos trabalhadores eram todos cabo-verdianos. Alguns destes, conscientes da dependência da Ilha do Sal à escala dos aviões da SAA, cientes dos seus deveres profissionais, da ingenuidade política dos manifestantes e da inocuidade da manifestação dado os interesses em jogo, indiferentes à barreira, aos apupos e aos apodos de “lacaios de colonialismo”, “traidores”, “reaccionários” e outros, contornaram a massa humana, dirigiram-se ao avião e prestaram o serviço que era necessário permitindo deste modo que o avião partisse.
Convém aqui lembrar que se vivia o “apartheid” na República Sul-africana e que na sequência da natureza do regime havia um boicote imposto pela OUA ao qual, pragmaticamente, Cabo Verde não aderiu mesmo depois da Independência. Mas também não será de mais referir que apesar desse boicote alguns países da nossa costa africana ditos “moderados” faziam-se à escala dos voos dos aviões da SAA e há muito que se rumorejava acordos e protocolos secretos.
Após o despacho e partida do avião, o representante da SAA furiosíssimo deslocou-se ao gabinete do chefe de escala da TAP – um cabo-verdiano – dizendo-lhe que ia já telefonar e fazer um relatório pedindo o fecho da escala do Sal e que se os cabo-verdianos não queriam os aviões sul-africanos havia já outras alternativas negociadas. Foi dissuadido pelo chefe da escala da TAP pedindo-lhe que tivesse calma pois os manifestantes não representavam a vontade do Governo. Implorou-lhe que aguentasse uns dias para permitir que a situação se aclarasse através dos órgãos competentes. Que ele próprio iria fazer as diligências necessárias para efectivação deste propósito. O Representante da SAA perante a insistência do pedido, contemporizou-se “concedendo-lhe” os tais dias, acrescentando: “Não aceitarei mais nenhuma situação semelhante. Estou aqui a trabalhar há vários anos como sabes e não a fazer política e respeito escrupulosamente as leis do território.” E foi no cumprimento da promessa de diligência que o chefe de escala da TAP do Sal se deslocou a Lisboa no primeiro avião, por iniciativa própria, para falar com o Director da SAA para a região ibérica (sedeada em Lisboa) da qual Sal (e também Canárias) fazia parte. Pôs-lhe ao corrente da situação, reiterou-lhe o pedido de não fechar a escala do Sal da SAA recomendando-lhe, para evitar futuramente semelhantes situações à que se tinha verificado, uma conversa urgente com o Governo de Transição, designadamente com o membro desse Governo que se ocupava da administração interna uma vez que apenas se tratava de manifestações e de acções impeditivas projectadas e realizadas por um grupo de agitadores. O representante ibérico da SAA absorveu a recomendação e deslocou-se de imediato, no primeiro voo, a Cabo Verde tendo marcado com antecedência uma audiência com o então membro do Governo para administração interna. Durante a audiência que se verificou na Praia, foi-lhe assegurado tranquilidade, que o Governo de Transição garantiria os compromissos anteriormente assumidos, que o que havia ocorrido não voltaria a acontecer e que não haveria mais manifestação nem acções obstrucionistas.
Foi assim que a South African Airways manteve activa a escala do Sal e foi assim que aconteceu nos bastidores. Mais tarde, houve negociações abertas no quadro de um Cabo Verde independente.
A. Ferreira
P.S.: Por razões éticas (não me foi possível falar com todos) e de coerência (não faz sentido nominar uns e manter anónimos outros) não usei os nomes dos representantes da SAA, do membro do Governo de Transição, nem do chefe de Escala e dos trabalhadores da TAP que prestaram assistência ao avião da SAA. Ao que parece estão todos vivos e vivem (os cabo-verdianos) quase todos no estrangeiro desde 1975…
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