Quem comete uma injustiça é sempre
mais infeliz
do que o injustiçado.
Platão
De acordo com o
velho e sábio ditado muito usado outrora na ilha de Santo Antão: «Eu não temo a
Justiça, do que tenho medo é da Injustiça!». Pois bem, é com este mote que
passo a explicar o assunto.
Sei que não é
fácil tratar com objectividade uma questão pessoal. Mas vou «calar» a minha
indignação e revolta e entrar no caso a que me proponho explanar de forma
objectiva.
Acontece que
cada caso é um caso e este, foi o meu caso!
Já contei parte
dele num outro escrito, mas como a minha saga continuou, achei por bem dar
continuidade a esta espécie de desabafo.
Resumo
rapidamente o enquadramento histórico do processo.
1.
Aqui há tempos fomos multados, pelo Tribunal de Contas,
enquanto antigos membros do ex-Conselho Administrativo da Assembleia Nacional,
de 1999, (passaram-se já quase década e meia sobre o acontecido). E os membros,
segundo o Acórdão proferido pelo tribunal aqui já referido, eram obrigados a
devolver e de forma solidária,
pagar, repito, dividido entre todos os membros, a quantia de cem mil escudos
aos cofres da Assembleia Nacional, pois que haviam autorizado uma
comparticipação do orçamento privativo, da A. N. ao almoço dos trabalhadores
administrativos e auxiliares da casa parlamentar, no Dia do Trabalhador, 1 de
Maio de 1999. No fundo, o ex-Conselho administrativo, mais não fizera do que
cumprir uma autorização que vinha do antecedente, de anos anteriores, que já
era uso. Logo, com foros de alguma tradição.
Pois bem, não foi esse o entendimento do Tribunal de Contas. Até aqui e
aparentemente o assunto foi sentenciado dentro daquilo que podia ter sido uma
interpretação de falta cometida.
De qualquer forma o Acórdão mandava que a reposição do montante fosse
feita de forma solidária e citava
nominalmente todos os membros do já referido Conselho Administrativo.
2.
Devidamente notificada, paguei em devido tempo a parte
que me cabia em função do rateio a que foi sujeita a dívida. Tal como eu, os
outros membros também, presumo, o fizeram ou o deveriam ter feito. Dei, por
isso o caso por encerrado, pois já havia pago a minha parte.
3.
Contudo e sem que nada o fizesse prever, em Junho do
ano corrente, sou incomodada em minha casa, com uma notificação do Tribunal
Fiscal e Aduaneiro de Sotavento (TFAS) em que eu era executada e unilateralmente
sentenciada, sem qualquer direito de apelo, a pagar sozinha e sem mais
explicações o remanescente da dívida, agora agravada com multas e juros
cobrados pelo mesmo Tribunal, pois um dos membros, que não eu, não havia
pago a parte que lhe coubera.
4.
Aparentemente o TFAS dava seguimento a um despacho da
Procuradoria uma vez que na notificação de Junho do Tribunal Fiscal e Aduaneiro
de Sotavento, vinha apensa um requerimento da Procuradoria da República da
Comarca de Sotavento, para a cobrança do remanescente nos termos que a seguir
transcrevo na parte que interessa:
“O Ministério Público junto deste Tribunal,
vem ao abrigo das disposições …… requerer, EXECUÇÃO DA DÌVIDA contra:
Senhora Drª Ondina Maria
Rodrigues da Fonseca Ferreira, casada, Ex-Presidente do
Conselho Administrativo da Assembleia Nacional e os seus Ex-Membros do Conselho
da Administração, Srs. José
Teófilo Santos Silva, Alberto Josefá Barbosa, José Pires dos Santos, Pedro Rodrigues Lopes ,
Mateus Júlio Lopes e António Pedro Melício Silva, residentes nesta Cidade
da Praia, nos termos e com os fundamentos seguintes:
…………………………………………………………………………
Contudo, …. ….. apenas, fizeram a reposição
da quantia de 85.712$00, pelo que encontra-se, ainda, em dívida, o montante de (14.288$00) catorze mil duzentos e oitenta
e oito escudos.
Nestes termos se requer, a V.ª Ex.ª que A.
que se proceda a penhora dos bens que lhes forem encontrados e de preferência,
ao abrigo do artigo 104º do CCJ, por
descontos nos seus vencimentos, ou em alternativa, móveis, ou semoventes e
que tenham valores suficientes para pagar a quantia em dívida, no montante
supra referido, mais custas da presente acção e proceder o seu depósito na conta da Assembleia Nacional nº 10640416
junto do BCA.
Junta-se uma certidão de dívida
Cordão do Tribunal de Contas e
Avisos de recepção das notificações
por carta registada
O Ministério Público
(Assinatura ilegível)
5.
A notificação do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de
Sotavento (TFAS) datada de 18 de Abril de 2013 que era dirigida apenas a
Ondina Maria Rodrigues
da Fonseca Ferreira, só chegou às minhas mãos a 18 de Junho –
rigorosamente dois meses depois e dizia o seguinte (transcrevo ipsis verbis):
Carta Com Aviso de Recepção Nº
38/2013
PROCESSO: Autos de Execução de Julgado
nº 10/2013
Exequente: O Ministério Público;
Executado: Ondina Maria Rodrigues da
Fonseca Ferreira
X
O
Dr. Samuel Joaquim Andrade Cosmo,
Juiz de Direito do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento.
- // -
“Mande se cite, o executado acima
identificado, nos termos do disposto no
nº 1 do art. 137.º do C.P.T., conjugado com os dispostos nos números 1 do art.
135.º e n.º 1 art. 136º, todos do mesmo diploma legal, proceder no prazo de Trinta
Dias, contados da data da citação, ao pagamento na globalidade, a dação em
pagamento, ou nomear bens à penhora, da quantia de 17.146$00 (dezassete mil,
cento e quarenta e seis escudos) proveniente da quantia exequenda e acréscimos
legais, de sua responsabilidade sob pena de se considerar devolvido ao
exequente, o direito de nomeação, conforme cópia do presente título junto para
o efeito, com os formalismos legais nos autos em epígrafe.-
Cumpra-se:
Cartório do TFAS, na Praia, 18 de
Abril de 2013
O Secretário Judicial,
Dr./ Ermelindo Teixeira da Costa/
6.
Tendo verificado que o documento da Procuradoria
requeria que o remanescente fosse cobrado a todos os ex-membros citando-os
nominalmente, senti-me injustiçada e alvo de discriminação. - Será pelo facto
de ser a única mulher e, como tal considerada o elo mais fraco?... A ser o
caso, ele falaria por si e não merece qualquer comentário.
7.
Como a notificação que me foi enviada não continha nem
direito à contestação (vide transcrição acima) e, consequentemente, nenhum
prazo para a fazer, redigi uma exposição/requerimento explicitando a minha
discordância e solicitando, se possível, uma nova leitura do processo;
8.
Contudo, como viajava a 9 de Julho e, sendo aposentada
da Função Pública a minha pensão só seria depositada a partir de 12
(normalmente) entreguei nos Serviços Administrativos da Assembleia Nacional a
coberto de uma carta explicativa, um cheque no montante de 17.146$00 (dezassete
mil, cento e quarenta e seis escudos) com a data de 18 de Julho - não obstante
tivesse sido informada pela funcionária do Tribuna Fiscal e Aduaneiro de
Sotavento que poderia fazer o pagamento até 31 de Julho - para proceder à
liquidação do montante estabelecido pelo TFAS.
9.
Todavia tinha enviado aos Presidentes da Assembleia
Nacional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Conselho Superior da Magistratura bem
como à Procuradoria da Comarca de Sotavento cópia da sentença que contra mim,
isoladamente, fora pronunciada pelo TFAS, por eu achar que ela ia ao arrepio do
requerimento da Procuradoria e constituir uma insensatez, uma ilegitimidade, e,
de certa forma, uma prepotência que não são compagináveis com a Justiça e com a
vigência de um Estado de direito democrático.
10. Não
me pronuncio quanto à sua legalidade, não sou jurista. Mas é-me permitido fazer
considerações quanto à sua legitimidade, racionalidade, equidade, justeza e
rectidão. Uma sentença – é de La
Palisse – não é feita apenas com base na lei. Ela é, ou deve
ser, fruto de um conjunto de factores em que são destacáveis a cultura, a
moral, a envolvência social, o senso comum, a inteligência entre outros que modelam
e modulam aquilo a que se chama CONSCIÊNCIA do julgador. E isto não é só para
questões jurídicas.
11. Mas
o filme não acaba aqui: No dia 11 do mês de Setembro fomos acordados passava
pouco das seis e meia (tínhamos regressado, o meu marido e eu, na madrugada de
10 para 11) com uma chamada telefónica para perguntar se a D. Ondina estava em
casa pois tinham uma notificação do Tribunal para ela. Não me vou alongar em
pormenores da rocambolesca chamada que perturbou de forma grotesca o meu (e o
do meu marido) direito ao descanso como se houvesse perigo de uma eventual
evasão ou se tratasse de um caso de vida ou morte.
12. Afinal,
a urgência da tal chamada telefónica mais não era do que uma notificação (mais
uma) desta feita dirigida à Ondina Maria
Rodrigues da Fonseca e outros – os tribunais que tanto primam por
formalismos e formalidades, não conseguiram num único momento, nas várias
notificações que me enviaram escrever correctamente, uma única vez (repito) o
meu nome. Quanto ao conteúdo da notificação, que a seguir transcrevo, será
preciso um microscópio ou uma lupa para descortinar a urgência que presidira a
tão madrugadora e incomodativa chamada telefónica:
“DESPACHO
Nos
termos do nº 1 do artigo 8º do Código Geral Tributário, é obrigatória a
constituição de advogado nas causas fiscais de competência dos Tribunais, assim
notifica-se a executada para o efeito e possível posterior ratificação do
requerimento.
Praia,
09 de Julho de 2013
O Juiz de Direito,
(Assinatura ilegível) ”
13. Dirigida
a Ondina Maria Rodrigues da Fonseca e
outros, bem diferente de Ondina
Maria Fonseca Rodrigues Ferreira que
sou eu, perguntei-me se era mesmo para mim mas depois verifiquei que o
número do processo condizia e presumi, pura presunção, de que se tratava de um
despacho exarado sobre a minha carta/exposição referida no ponto 7 deste texto
feita em nome pessoal e no singular respeitando a sentença que fora proferida
“directa e singularmente” contra mim.
14. É
óbvio que depois de ter pago no prazo estabelecido o montante constante da
sentença não vi, não via e nem vejo qualquer efeito prático no despacho tanto
mais que agora, estranhamente, uma vez que o requerimento era só meu, vinha
acrescido de “outros” como se outros signatários tivesse havido ou a
carta/exposição fora feita em nome de mais gente.
15. Mas
estava longe de adivinhar que afinal o despacho era apenas um aviso para aquilo
que viria a seguir.
16. Assim,
no dia 18 de Setembro, rigorosamente sete dias depois, recebo uma nova
notificação endereçada a Ondina Maria
Rodrigues Fonseca Ferreira e outros para
no prazo de Dez Dias, contados da data da notificação, depois de corridos outros
Cinco, examinar, impugnar a conta e
no mesmo prazo solicitar guias na secretaria deste TFAS no montante de 12.313$00 (doze mil, trezentos e treze
escudos), custas de sua responsabilidade, sob pena de execução por custas, nos
autos em epígrafe.
Cumpra-se:
Cartório do TFAS, na Praia, 18 de
Setembro de 2013.”
17. Intrigada
com o termo: “Outros” constante da notificação perguntei à funcionária do TFAS,
sobre quem seriam “Outros” e se também tinham sido notificados. Ela foi
peremptória: “ Não! Isto é com a senhora.
A senhora é que terá de os procurar!
18. Fiquei
perplexa, sem saber o que dizer e envergonhada com a administração do meu país,
dito de desenvolvimento médio. Como é que o Tribunal que tem meios coercitivos
enunciados no requerimento da Procuradoria para fazer a cobrança; que me obriga
a pagar-lhe por esse trabalho e agora me ordena que o faça em seu nome?
19. Outra
nota que merece registo e realce é a estranha celeridade e empenhamento do
Tribunal em entregar a notificação para receber as “custas” no próprio dia em
que é redigida, bem ao contrário do despacho que exarara sobre a
carta/exposição. Sem mais comentários!...
20. É
bom dizer que:
i.
O Tribunal de Contas enviou Cartas com Aviso de
Recepção a cada um dos membros do ex-Conselho Administrativo da A.N;
ii.
Sem querer, de maneira nenhuma, imiscuir nos
procedimentos dos tribunais, ouso perguntar-me porque não fez o TFAS a mesma
coisa?
iii.
Do processo constam os recibos de todos aqueles que
liquidaram as suas partes;
iv.
Não se tratava propriamente de gente anónima, mas de
ex-deputados, funcionários ou ex-funcionários de instituições cabo-verdianas
cujas localizações, estatutos e/ou eventuais arrolamentos de bens não
constituíam dificuldades;
v.
A Procuradoria requeria o pagamento solidário e
indicava os nomes de todos os envolvidos;
21. Cabe-me
perguntar, penso que com total legitimidade, o que é que levou o Tribunal a
dirigir-se apenas a mim se tinha o nome de todos, bem como os meios de cobrança
referidos (último §) no documento da Procuradoria? Zelo, não é com certeza. E
muito menos espírito de justiça. E lamento muito, mas por mais esforço que faça
também não poderei elogiar nem a inteligência, nem a diligência, nem o empenho
desse Tribunal. Talvez uma certa esperteza que não me atrevo a qualificar.
22. Em
resumo, numa situação em que eu devia pagar apenas 14.288$00 (catorze mil
duzentos e oitenta e oito escudos) o que fiz prontamente, acabei por pagar mais
do que o triplo, 43.747$00 (quarenta
e três mil setecentos e quarenta e sete) apenas porque o Tribunal em “consciência
e ao abrigo da lei” como mandam os cânones, determinou que o fizesse sozinha.
23. Para
finalizar registe-se que o meu grande desapontamento e a minha inquietação não
residem no montante a que fui obrigada a pagar sozinha mas sobretudo no
insólito da situação que configura injustiça e prepotência sobre mim exercidas
num Estado de direito democrático, quando se estava na posse de todos os dados que
provavam de que eu não me encontrava
em falta.
Confesso que não
compreendo a fixação desse Tribunal na minha pessoa e resta-me apenas deixar
aqui com toda a veemência, a minha profunda indignação, o meu grito de revolta
e a minha enorme vergonha pelo estado da justiça no meu País. E termino como
comecei. Com uma citação:
“Defender o injustiçado é corrigir abusos.
Textos Judaicos.”
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