É ESTA A JUSTIÇA QUE TEMOS?

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

 Quem comete uma injustiça é sempre
 mais infeliz do que o injustiçado.
                                              Platão

De acordo com o velho e sábio ditado muito usado outrora na ilha de Santo Antão: «Eu não temo a Justiça, do que tenho medo é da Injustiça!». Pois bem, é com este mote que passo a explicar o assunto.

Sei que não é fácil tratar com objectividade uma questão pessoal. Mas vou «calar» a minha indignação e revolta e entrar no caso a que me proponho explanar de forma objectiva.

Acontece que cada caso é um caso e este, foi o meu caso!

Já contei parte dele num outro escrito, mas como a minha saga continuou, achei por bem dar continuidade a esta espécie de desabafo.

Resumo rapidamente o enquadramento histórico do processo.

1.      Aqui há tempos fomos multados, pelo Tribunal de Contas, enquanto antigos membros do ex-Conselho Administrativo da Assembleia Nacional, de 1999, (passaram-se já quase década e meia sobre o acontecido). E os membros, segundo o Acórdão proferido pelo tribunal aqui já referido, eram obrigados a devolver e de forma solidária, pagar, repito, dividido entre todos os membros, a quantia de cem mil escudos aos cofres da Assembleia Nacional, pois que haviam autorizado uma comparticipação do orçamento privativo, da A. N. ao almoço dos trabalhadores administrativos e auxiliares da casa parlamentar, no Dia do Trabalhador, 1 de Maio de 1999. No fundo, o ex-Conselho administrativo, mais não fizera do que cumprir uma autorização que vinha do antecedente, de anos anteriores, que já era uso. Logo, com foros de alguma tradição.

Pois bem, não foi esse o entendimento do Tribunal de Contas. Até aqui e aparentemente o assunto foi sentenciado dentro daquilo que podia ter sido uma interpretação de falta cometida.

De qualquer forma o Acórdão mandava que a reposição do montante fosse feita de forma solidária e citava nominalmente todos os membros do já referido Conselho Administrativo.

2.      Devidamente notificada, paguei em devido tempo a parte que me cabia em função do rateio a que foi sujeita a dívida. Tal como eu, os outros membros também, presumo, o fizeram ou o deveriam ter feito. Dei, por isso o caso por encerrado, pois já havia pago a minha parte.

3.      Contudo e sem que nada o fizesse prever, em Junho do ano corrente, sou incomodada em minha casa, com uma notificação do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento (TFAS) em que eu era executada e unilateralmente sentenciada, sem qualquer direito de apelo, a pagar sozinha e sem mais explicações o remanescente da dívida, agora agravada com multas e juros cobrados pelo mesmo Tribunal, pois um dos membros, que não eu, não havia pago a parte que lhe coubera.

4.      Aparentemente o TFAS dava seguimento a um despacho da Procuradoria uma vez que na notificação de Junho do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento, vinha apensa um requerimento da Procuradoria da República da Comarca de Sotavento, para a cobrança do remanescente nos termos que a seguir transcrevo na parte que interessa:

O Ministério Público junto deste Tribunal, vem ao abrigo das disposições …… requerer, EXECUÇÃO DA DÌVIDA contra:

Senhora Drª Ondina Maria Rodrigues da Fonseca Ferreira, casada, Ex-Presidente do Conselho Administrativo da Assembleia Nacional e os seus Ex-Membros do Conselho da Administração, Srs. José Teófilo Santos Silva, Alberto Josefá Barbosa, José Pires dos Santos, Pedro Rodrigues Lopes, Mateus Júlio Lopes e António Pedro Melício Silva, residentes nesta Cidade da Praia, nos termos e com os fundamentos seguintes:

…………………………………………………………………………

Contudo, …. ….. apenas, fizeram a reposição da quantia de 85.712$00, pelo que encontra-se, ainda, em dívida, o montante de (14.288$00) catorze mil duzentos e oitenta e oito escudos.

Nestes termos se requer, a V.ª Ex.ª que A. que se proceda a penhora dos bens que lhes forem encontrados e de preferência, ao abrigo do artigo 104º do CCJ, por descontos nos seus vencimentos, ou em alternativa, móveis, ou semoventes e que tenham valores suficientes para pagar a quantia em dívida, no montante supra referido, mais custas da presente acção e proceder o seu depósito na conta da Assembleia Nacional nº 10640416 junto do BCA.

 VALOR DA ACÇÃO: (14.288$00) catorze mil duzentos e oitenta e oito escudos.

Junta-se uma certidão de dívida

Cordão do Tribunal de Contas e

Avisos de recepção das notificações por carta registada

O Ministério Público

(Assinatura ilegível)

 
5.      A notificação do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento (TFAS) datada de 18 de Abril de 2013 que era dirigida apenas a Ondina Maria Rodrigues da Fonseca Ferreira, só chegou às minhas mãos a 18 de Junho – rigorosamente dois meses depois e dizia o seguinte (transcrevo ipsis verbis):

Carta Com Aviso de Recepção Nº 38/2013

PROCESSO: Autos de Execução de Julgado nº 10/2013

Exequente: O Ministério Público;

Executado: Ondina Maria Rodrigues da Fonseca Ferreira

X

O Dr. Samuel Joaquim Andrade Cosmo, Juiz de Direito do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento.

- // -

Mande se cite, o executado acima identificado,  nos termos do disposto no nº 1 do art. 137.º do C.P.T., conjugado com os dispostos nos números 1 do art. 135.º e n.º 1 art. 136º, todos do mesmo diploma legal, proceder no prazo de Trinta Dias, contados da data da citação, ao pagamento na globalidade, a dação em pagamento, ou nomear bens à penhora, da quantia de 17.146$00 (dezassete mil, cento e quarenta e seis escudos) proveniente da quantia exequenda e acréscimos legais, de sua responsabilidade sob pena de se considerar devolvido ao exequente, o direito de nomeação, conforme cópia do presente título junto para o efeito, com os formalismos legais nos autos em epígrafe.-

            Cumpra-se:

            Cartório do TFAS, na Praia, 18 de Abril de 2013

O Secretário Judicial,

Dr./ Ermelindo Teixeira da Costa/

6.      Tendo verificado que o documento da Procuradoria requeria que o remanescente fosse cobrado a todos os ex-membros citando-os nominalmente, senti-me injustiçada e alvo de discriminação. - Será pelo facto de ser a única mulher e, como tal considerada o elo mais fraco?... A ser o caso, ele falaria por si e não merece qualquer comentário.

7.      Como a notificação que me foi enviada não continha nem direito à contestação (vide transcrição acima) e, consequentemente, nenhum prazo para a fazer, redigi uma exposição/requerimento explicitando a minha discordância e solicitando, se possível, uma nova leitura do processo;

8.      Contudo, como viajava a 9 de Julho e, sendo aposentada da Função Pública a minha pensão só seria depositada a partir de 12 (normalmente) entreguei nos Serviços Administrativos da Assembleia Nacional a coberto de uma carta explicativa, um cheque no montante de 17.146$00 (dezassete mil, cento e quarenta e seis escudos) com a data de 18 de Julho - não obstante tivesse sido informada pela funcionária do Tribuna Fiscal e Aduaneiro de Sotavento que poderia fazer o pagamento até 31 de Julho - para proceder à liquidação do montante estabelecido pelo TFAS.

9.      Todavia tinha enviado aos Presidentes da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Conselho Superior da Magistratura bem como à Procuradoria da Comarca de Sotavento cópia da sentença que contra mim, isoladamente, fora pronunciada pelo TFAS, por eu achar que ela ia ao arrepio do requerimento da Procuradoria e constituir uma insensatez, uma ilegitimidade, e, de certa forma, uma prepotência que não são compagináveis com a Justiça e com a vigência de um Estado de direito democrático.

10.  Não me pronuncio quanto à sua legalidade, não sou jurista. Mas é-me permitido fazer considerações quanto à sua legitimidade, racionalidade, equidade, justeza e rectidão. Uma sentença – é de La Palisse – não é feita apenas com base na lei. Ela é, ou deve ser, fruto de um conjunto de factores em que são destacáveis a cultura, a moral, a envolvência social, o senso comum, a inteligência entre outros que modelam e modulam aquilo a que se chama CONSCIÊNCIA do julgador. E isto não é só para questões jurídicas.

11.  Mas o filme não acaba aqui: No dia 11 do mês de Setembro fomos acordados passava pouco das seis e meia (tínhamos regressado, o meu marido e eu, na madrugada de 10 para 11) com uma chamada telefónica para perguntar se a D. Ondina estava em casa pois tinham uma notificação do Tribunal para ela. Não me vou alongar em pormenores da rocambolesca chamada que perturbou de forma grotesca o meu (e o do meu marido) direito ao descanso como se houvesse perigo de uma eventual evasão ou se tratasse de um caso de vida ou morte.

12.  Afinal, a urgência da tal chamada telefónica mais não era do que uma notificação (mais uma) desta feita dirigida à Ondina Maria Rodrigues da Fonseca e outros – os tribunais que tanto primam por formalismos e formalidades, não conseguiram num único momento, nas várias notificações que me enviaram escrever correctamente, uma única vez (repito) o meu nome. Quanto ao conteúdo da notificação, que a seguir transcrevo, será preciso um microscópio ou uma lupa para descortinar a urgência que presidira a tão madrugadora e incomodativa chamada telefónica:

 

“DESPACHO

Nos termos do nº 1 do artigo 8º do Código Geral Tributário, é obrigatória a constituição de advogado nas causas fiscais de competência dos Tribunais, assim notifica-se a executada para o efeito e possível posterior ratificação do requerimento.

Praia, 09 de Julho de 2013

O Juiz de Direito,

(Assinatura ilegível) ”

13.  Dirigida a Ondina Maria Rodrigues da Fonseca e outros, bem diferente de Ondina Maria Fonseca Rodrigues Ferreira que sou eu, perguntei-me se era mesmo para mim mas depois verifiquei que o número do processo condizia e presumi, pura presunção, de que se tratava de um despacho exarado sobre a minha carta/exposição referida no ponto 7 deste texto feita em nome pessoal e no singular respeitando a sentença que fora proferida “directa e singularmente” contra mim.

14.  É óbvio que depois de ter pago no prazo estabelecido o montante constante da sentença não vi, não via e nem vejo qualquer efeito prático no despacho tanto mais que agora, estranhamente, uma vez que o requerimento era só meu, vinha acrescido de “outros” como se outros signatários tivesse havido ou a carta/exposição fora feita em nome de mais gente.

15.  Mas estava longe de adivinhar que afinal o despacho era apenas um aviso para aquilo que viria a seguir.

16.  Assim, no dia 18 de Setembro, rigorosamente sete dias depois, recebo uma nova notificação endereçada a Ondina Maria Rodrigues Fonseca Ferreira e outros para no prazo de Dez Dias, contados da data da notificação, depois de corridos outros Cinco, examinar, impugnar a conta e no mesmo prazo solicitar guias na secretaria deste TFAS no montante de 12.313$00 (doze mil, trezentos e treze escudos), custas de sua responsabilidade, sob pena de execução por custas, nos autos em epígrafe.

Cumpra-se:

Cartório do TFAS, na Praia, 18 de Setembro de 2013.”

17.  Intrigada com o termo: “Outros” constante da notificação perguntei à funcionária do TFAS, sobre quem seriam “Outros” e se também tinham sido notificados. Ela foi peremptória: “ Não! Isto é com a senhora. A senhora é que terá de os procurar!

18.  Fiquei perplexa, sem saber o que dizer e envergonhada com a administração do meu país, dito de desenvolvimento médio. Como é que o Tribunal que tem meios coercitivos enunciados no requerimento da Procuradoria para fazer a cobrança; que me obriga a pagar-lhe por esse trabalho e agora me ordena que o faça em seu nome?

19.  Outra nota que merece registo e realce é a estranha celeridade e empenhamento do Tribunal em entregar a notificação para receber as “custas” no próprio dia em que é redigida, bem ao contrário do despacho que exarara sobre a carta/exposição. Sem mais comentários!...

20.  É bom dizer que:

i.                    O Tribunal de Contas enviou Cartas com Aviso de Recepção a cada um dos membros do ex-Conselho Administrativo da A.N;

ii.                  Sem querer, de maneira nenhuma, imiscuir nos procedimentos dos tribunais, ouso perguntar-me porque não fez o TFAS a mesma coisa?

iii.                Do processo constam os recibos de todos aqueles que liquidaram as suas partes;

iv.                Não se tratava propriamente de gente anónima, mas de ex-deputados, funcionários ou ex-funcionários de instituições cabo-verdianas cujas localizações, estatutos e/ou eventuais arrolamentos de bens não constituíam dificuldades;

v.                  A Procuradoria requeria o pagamento solidário e indicava os nomes de todos os envolvidos;

21.  Cabe-me perguntar, penso que com total legitimidade, o que é que levou o Tribunal a dirigir-se apenas a mim se tinha o nome de todos, bem como os meios de cobrança referidos (último §) no documento da Procuradoria? Zelo, não é com certeza. E muito menos espírito de justiça. E lamento muito, mas por mais esforço que faça também não poderei elogiar nem a inteligência, nem a diligência, nem o empenho desse Tribunal. Talvez uma certa esperteza que não me atrevo a qualificar.

22.  Em resumo, numa situação em que eu devia pagar apenas 14.288$00 (catorze mil duzentos e oitenta e oito escudos) o que fiz prontamente, acabei por pagar mais do que o triplo, 43.747$00 (quarenta e três mil setecentos e quarenta e sete) apenas porque o Tribunal em “consciência e ao abrigo da lei” como mandam os cânones, determinou que o fizesse sozinha.

23.  Para finalizar registe-se que o meu grande desapontamento e a minha inquietação não residem no montante a que fui obrigada a pagar sozinha mas sobretudo no insólito da situação que configura injustiça e prepotência sobre mim exercidas num Estado de direito democrático, quando se estava na posse de todos os dados que provavam de que eu não me encontrava em falta.

 

Confesso que não compreendo a fixação desse Tribunal na minha pessoa e resta-me apenas deixar aqui com toda a veemência, a minha profunda indignação, o meu grito de revolta e a minha enorme vergonha pelo estado da justiça no meu País. E termino como comecei. Com uma citação:

Defender o injustiçado é corrigir abusos.
                                         Textos Judaicos.”

 

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