Discurso Directo...

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Este escrito pode ser considerado a continuação do «post» anterior pois que trata o mesmo assunto.
Já dizia o célebre escritor e pensador francês, Camus que “não existe a verdade. Só existem verdades” Comungo por inteiro desta forma de pensar e de raciocinar, pois tudo é relativo, e sujeito a diversas e variadas leituras, diferentes ângulos de abordagem e de interpretações.
Ora bem, tudo isto vem a propósito de ter ouvido aqui há dias numa estação de rádio, a entrevista dada pelo médico e poeta santomense, Tomás Medeiros, a pretexto e à volta das comemorações dos 70 anos da antiga e já há muito extinta, Casa dos Estudantes do Império em Portugal, CEI. (1944-2014).
O que se segue deverá ser lido como uma espécie de transcrição por outras palavras, daquilo que disse sobre o assunto, Tomás Medeiros, no alto dos seus experientes e sabedores anos de vida. Conhecido pensador, escritor e antigo poeta militante. Ele fez parte do núcleo inicial dos fundadores do MPLA, do MLSTP. Dirigente estudantil, e activista político, Medeiros participou, colaborou com os outros movimentos e grupos que surgiram em Portugal, após a II Grande Guerra Mundial, com aspirações independentistas das então Colónias e Províncias Ultramarinas portuguesas de África.
Esclareceu que a CEI foi fundada em 1944. Salazar tinha então como ministro da Educação, Vieira Machado e como Comissário da Mocidade Portuguesa Marcelo Caetano, estes dois últimos foram o executivo e o legislador da recem-instituicionalizada CEI. Esta albergaria os estudantes universitários africanos em Portugal que deviam estar juntos e não, em reuniões separadas e assim melhor controlados, o que, ao fim e ao resto, era o pretendido pelo regime.
Tomás Medeiros foi um dos dirigentes da CEI.
Existiam na altura, e muito antes do aparecimento da CEI, várias e importantes Associações de jovens estudantes vindos de Angola, da Guiné, de Cabo Verde, de Moçambique, de São Tomé e da Índia.
As palavras conhecedoras de Tomás Medeiros, cujo conteúdo foi por ele vivido em directo, afirmaram que no que respeitava aos estudantes africanos, não todos, é certo, muitos andavam à procura, a indagar sobre quem eram? De onde provinham? E porque se sentiam diferentes? Estas questões existenciais sobre a procura da verdadeira identidade haviam sido começadas a debater, nas diferentes associações já referidas e em actividade, antes da CEI e continuariam nela a ser discutidas.
Daí que o entrevistado, considerou ser a Casa de Estudantes do Império, o verdadeiro aglutinador e um importante germinador de ideias e de estratégias para as lutas futuras pelas independências das Colónias portuguesas africanas. Por outro lado, a CEI foi também uma casa acolhedora, de convívio, de solidariedade, de tertúlias literárias que revelaram e descobriram poetas e escritores, os quais mais tarde, entre nós, consagrados.
O interessante, é que a determinada altura, a conversa radiofónica de Tomás Medeiros, foi muito esclarecedora quando afirmou que de entre os estudantes que – logo de início – frequentaram a CEI, exceptuaram-se os estudantes cabo-verdianos pois estes últimos – continuou Tomás Medeiros – viviam já e possuíam já plena consciência da sua caboverdianidade. Logo, da sua identidade e celebravam-na na Estrela (Bairro lisboeta) entre palestras, análises, “mornas e cachupa”…
Agora, volto a um dos últimos livros sobre A. Cabral. Este não havia ainda arribado a Lisboa. Tal só viria a acontecer em 1949. E por mão de Marcelino dos Santos, (moçambicano) ele entrou na Casa de Estudantes do Império. Nessa altura já faziam parte da direcção da CEI, dois outros ilustres estudantes universitários cabo-verdianos: Aguinaldo Veiga e Humberto Duarte Fonseca.
Retomando a entrevista escutada do poeta santomense, devo dizer que o que atraiu mais a minha atenção, foi a afirmação de que nos anos 30 e 40 do século XX – décadas de significativo numero e de boa frequência de estudantes universitários cabo-verdianos, em Portugal – era já sólida e bem expressada e revelada, a consciência da caboverdianidade, entre esses mesmos estudantes oriundos desta ilhas, na antiga Metrópole. Embora se trate de matéria bem conhecida e de tese já há muito demonstrada, tornou-se-me em contexto, mais iluminadora por ter sido proferida por uma testemunha intelectualmente válida a todos os títulos, e coeva desses tempos. A pessoa e a voz do poeta Tomás Medeiros.

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Este apontamento é perfeitamente revelador de uma realidade que, de facto, alguns viriam mais tarde a tentar escamotear. Mas creio que será inútil, é como tentar tapar o Sol com a peneira O testemunho do poeta Tomás Medeiros, além de valioso, tem a circunstância de vir de alguém que não é cabo-verdiano e, portanto, não tem interesse em tomar partido por qualquer tese.

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