terça-feira, 21 de abril de 2015

Breve nota explicativa
A crónica que se segue é um inédito de Maria Margarida Mascarenhas e que chega ao «Coral Vermelho» pelas mãos amigas de Adriano Miranda Lima.
Maria Margarida Mascarenhas, cabo-verdiana, natural de Mindelo. Aí fez os seus estudos liceais.
Formou-se em Portugal em Turismo e Línguas.
 Escritora com muita vivência da cidade da Praia, que se tornou no “habitat”  criativo por excelência, de quase todos os seus contos.  Autora conhecida e apreciada pela forma de narrar em que  alia a arte de contar à linguagem poética. Exemplos disso, os contos: «O Baptizado da Hirondina» «Vigília» entre outros. MMM ainda jovem, iniciou-se nas lides literárias. Data dos anos 60 do século XX, a sua estreia no antigo Boletim Cabo Verde. Igualmente colaborou no «Seló –página dos novíssimos» publicado no Jornal Notícias de Cabo Verde em 1962. Autora do livro de Contos, «...Levedando a Ilha», publicado em 1988. Figura em antologias e colectâneas de Contos. É uma das contistas presentes no «Elas Contam...»2008, edição do IBN de Cabo Verde.

 

 

AQUELA ACÁCIA

 

 

Encontrei-a na véspera do Natal de 2004,  naquela esquina da Rua do Corvo para a Rua dos Correios, por detrás da Catedral  no Platô,  e o meu coração descontrolou-se  acompanhando o badalar dos sinos.

 

Conheci-a pequenina quando lá foi plantada  e a rodearam de um bidon velho nos começos dos anos sessenta.  Havia uma campanha promovida pelo director da Fazenda Pereira e Silva, que plantou rosas na Praça Alexandre Albuquerque e acácias pelas ruas.

 

Lembro-me, entre tantas críticas, a do Belmirinho, que me disse que as acácias  desertificam tudo em redor.

 

Mas aquela acácia  ainda lá está  resistindo. Graças a uma daquelas relações estranhas que se desenvolvem entre seres e animais, seres e coisas, pessoas e criaturas.

 

O sol quando se põe em África faz, fazia, nascer aquele desamparo  difícil  de suportar de que o meu pai sofria e creio que eu também.

 

 Regressava do trabalho,  dava umas voltas no passeio em frente à nossa casa assoprando aquele maldito “falcão” que o mataria anos mais tarde.  Eu ficava por detrás das persianas  vendo-o  e divertindo-me um pouco com aquele desespero até que plantaram aquela acácia que passou a ser a razão  dos seus passeios.

 

Nas noites ventosas e de ruas desertas, lá estava ele resmungando,  compondo o bidon,  derrubado e amparando os ramos da árvore, por vezes furioso  com o vandalismo dos  meninos e dos cães. Depois dos bidons, puseram umas ripas de madeira e lá ia ele arranjar e endireitar após cada curta volta no passeio.  Por vezes, entrava em casa e levava um jarro com água para regar a árvore.

 

Partimos todos e esquecemo-nos da arvorezinha.

          

Qual não foi a minha surpresa naquela véspera de Natal ao deparar com a acácia que agora já é uma árvore!

Se por detrás de todas as acácias houvesse uma vontade de vencer e resistir?

           

Peço a todos os que leiam este relato que ao passarem naquela esquina  prestem uma homenagem por mim àquela acácia e ao seu  amigo. Mesmo que se riem de vós como eu me ria do amigo.

            

Aliás, prestem homenagem à luta e à resistência de todas as acácias! Quando mais retorcidas melhor.

                                     

                                              

                                                M.M.M

 

                     (Maria Margarida Salomão Mascarenhas)

 

 

 Maria Margarida Salomão Mascarenhas nasceu no Mindelo em 1938. Neta de Francisco Resende Mascarenhas, foi funcionária pública, primeiro em Cabo Verde e depois em Portugal, onde vivia desde 1964. Colaborou no Cabo Verde - Boletim de Propaganda e Informação e, depois da Independência de Cabo Verde, na revista Raízes. Foi a primeira coordenadora do boletim da diáspora cabo-verdiana, em Lisboa, Presença Crioula, que depois mudou o nome para Presença Cabo-verdiana (órgão da Casa de Cabo Verde). Faleceu de doença prolongada em 8 de Janeiro de 2011.

 

0 comentários:

Enviar um comentário