Breve nota explicativa
A crónica que se segue é um inédito de Maria Margarida
Mascarenhas e que chega ao «Coral Vermelho» pelas mãos amigas de Adriano
Miranda Lima.
Maria Margarida Mascarenhas, cabo-verdiana, natural de
Mindelo. Aí fez os seus estudos liceais.
Formou-se em Portugal em Turismo e Línguas.
Escritora com
muita vivência da cidade da Praia, que se tornou no “habitat” criativo por excelência, de quase todos os
seus contos. Autora conhecida e
apreciada pela forma de narrar em que alia a arte de contar à linguagem poética.
Exemplos disso, os contos: «O Baptizado da Hirondina» «Vigília» entre outros.
MMM ainda jovem, iniciou-se nas lides literárias. Data dos anos 60 do século
XX, a sua estreia no antigo Boletim Cabo
Verde. Igualmente colaborou no «Seló
–página dos novíssimos» publicado no Jornal Notícias de Cabo Verde em 1962. Autora do livro de Contos,
«...Levedando a Ilha», publicado em 1988. Figura em antologias e colectâneas de
Contos. É uma das contistas presentes no «Elas Contam...»2008, edição do IBN de
Cabo Verde.
AQUELA ACÁCIA
Encontrei-a na véspera do Natal de 2004, naquela esquina da Rua do Corvo para a Rua
dos Correios, por detrás da Catedral no
Platô, e o meu coração
descontrolou-se acompanhando o badalar
dos sinos.
Conheci-a pequenina quando lá foi plantada e a rodearam de um bidon velho nos começos
dos anos sessenta. Havia uma campanha
promovida pelo director da Fazenda Pereira e Silva, que plantou rosas na Praça
Alexandre Albuquerque e acácias pelas ruas.
Lembro-me, entre tantas críticas, a do Belmirinho, que
me disse que as acácias desertificam
tudo em redor.
Mas aquela acácia
ainda lá está resistindo. Graças
a uma daquelas relações estranhas que se desenvolvem entre seres e animais,
seres e coisas, pessoas e criaturas.
O sol quando se põe em África faz, fazia, nascer
aquele desamparo difícil de suportar de que o meu pai sofria e creio
que eu também.
Regressava do
trabalho, dava umas voltas no passeio em
frente à nossa casa assoprando aquele maldito “falcão” que o mataria anos mais
tarde. Eu ficava por detrás das
persianas vendo-o e divertindo-me um pouco com aquele desespero
até que plantaram aquela acácia que passou a ser a razão dos seus passeios.
Nas noites ventosas e de ruas desertas, lá estava ele
resmungando, compondo o bidon, derrubado e amparando os ramos da árvore, por
vezes furioso com o vandalismo dos meninos e dos cães. Depois dos bidons,
puseram umas ripas de madeira e lá ia ele arranjar e endireitar após cada curta
volta no passeio. Por vezes, entrava em
casa e levava um jarro com água para regar a árvore.
Partimos todos e esquecemo-nos da arvorezinha.
Qual não foi a minha surpresa naquela véspera de Natal
ao deparar com a acácia que agora já é uma árvore!
Se por detrás de todas as acácias houvesse uma vontade
de vencer e resistir?
Peço a todos os que leiam este relato que ao passarem
naquela esquina prestem uma homenagem
por mim àquela acácia e ao seu amigo.
Mesmo que se riem de vós como eu me ria do amigo.
Aliás, prestem homenagem à luta e à resistência de
todas as acácias! Quando mais retorcidas melhor.
M.M.M
(Maria Margarida Salomão Mascarenhas)
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