Embora sob epígrafes vários, mas próximos em termos
de conteúdo, o tema tem vindo a ser recorrentemente tratado nos meios
educativos.
Não obstante,
suscitou o meu interesse pela forma como a APC. pretendia agora abordá-lo, não
o queria como ponto assente em termos de pertença natural da escola, mas antes, interrogar-se: como cultivar a
cidadania na escola?
Entendi-o também como
um desejo implícito da Associação, de que valores e educação voltassem a ser
parte integrante da nossa escola.
Da minha parte, lá
fui à procura de alguns eventuais contributos que pudessem minimamente juntar-se aos dos outros participantes e
ajudar a mim própria, a entender algo
que à primeira vista podia parecer até
óbvio, uma vez que em perspectiva conjunta
estaria um trinómio indissociável Escola/Educação/Cidadania. Esta última há-de
funcionar como meta almejada pela escola
- na difusão do seu saber, do saber/ fazer. Ou seja, a cidadania, saber/ser, como ponto de chegada do
processo educativo e formativo da criança e do adolescente.
Ora bem, olhando, com
realismo, para a configuração actual da sociedade cabo-verdiana e fazendo uma
breve retrospectiva histórica, da independência a esta parte, algumas questões
se me colocaram e se me colocam, tais como: a educação é actualmente uma
obrigação, um dever da escola? A questão assim posta pode parecer paradoxal.
Mas se nos ativermos
no transcurso destas últimas quatro décadas e sobretudo nos primeiros anos de
vivência enquanto país, Cabo Verde, não
obstante todo o meritório e digno trabalho levado a cabo no sector da educação,
com vista à sua edificação, no entanto, à escola foi-lhe transmitida a
directriz primeira, de que só lhe cabia o
ensino das matérias curriculares. A educação, “lato senso” caberia e algo difusamente, ao Estado e possivelmente
também à família (embora esta estivesse ao tempo, ideologicamente secundarizada
pelo primeiro).
Mesmo que fossem
orientações dos primeiros conturbados e interrogativos momentos do país na
procura de caminhos o que é certo é que a ideia vingou.
Na esteira desse (des)acerto educativo, os professores como que se tolheram com receio, de que uma
advertência, de que uma chamada de atenção ao aluno com propósitos educativos
não fossem bem-vindos. A pouco e pouco, a boa educação, os valores por nós
julgados muito úteis no desenvolvimento cívico e social da criança e do
adolescente foram gradualmente desaparecendo da sala de aula, tanto da fala do professor como do comportamento e da
atitude do aluno.
Claro que o tal
Estado que havia de fornecer, não se sabia muito bem como, a educação, os
valores, nunca deu o “ar da sua graça”! e instalou-se uma espécie de grande
vazio, e gerou-se também, vale dizer, uma certa apatia, um certo comodismo, no
meio disso tudo.
Resumindo, foi um
tempo de demasiada descompressão e de muita permissividade; valia na aula o dito “professor-camarada” no
mau sentido. Portanto, quando voltou o equílibrio, pelo caminho, perderam-se os
já referidos valores.
A escola deixou de
chamar a si, pariticipativamente, esta transcendente reponsabilidade social.
A marca ficou,
entranhou-se no comportamento escolar, o hábito gerou o resto e resultado: nunca
mais a educação e os valores voltaram a ser partes estruturantes, equitativas e
fundamentais, da escola cabo-verdiana. O que é uma pena!
Pois bem, a educação
e o ensino que deviam ser, dado o caso particular da configuração familiar e
social cabo-verdiana, como frente e
verso de uma mesma folha de papel, estão hoje completamente divorciados uma do
outro.
Do mesmo modo, a escola que devia ser um
modelo ideal de transmissão de valores, principal expoente da educação dita
formal, foi ficando cada vez mais vazia
e encontra-se actualmente, desprovida de valores.
A família com destaque para a oriunda da base bem larga
da nossa pirâmide social, isto é, do extracto social menos qualificado em
termos de rendimentos, de literacia e de cidadania, com complexos e graves problemas
de desestruturação, de disfuncionalidade, de monoparentalidade, não possui
capacidade endógena de, no lar, possibilitar essas “ferramentas” básicas e
fundamentais à criança no seu processo de socialização e de crescimento.
Resultado, o aluno
chega à escola, sobretudo aquele que se dirige à escola pública, com etapas
queimadas; ignorante de noções básicas de boa socialização, pois em casa, na
chamada educação não-formal, quase que não teve contacto com adultos capazes
de influenciar positivamente o
desenvolvimento do seu carácter e do seu sistema de valores ( nomeadamente, a
ausência da figura paterna que é gritante na família cabo-verdiana da camada
social menos favorecida).
Ora estes dois males,
por um lado, a desmunição de valores que a própria escola apresenta e, por
outro lado, o desconhecimento assaz penoso de noções básicas de sociabilização
com que aluno entra na sala de aula, penalizam, reduzem fortemente, o
aproveitamento e comportamento académicos e no seguimento, inibem o seu
desenvolvimento e a sua formação como cidadão.
Infelizmente, e não é por acaso, que Cabo Verde vive actualmente nos seus centros urbanos, sobretudo na cidade capital, a maior crise de sempre, de delinquência e do
crime juvenil.
Qual é, qual deve ser
o papel da escola? Como cultivar a cidadania na escola?
É o desafio que nos
lança agora e em boa hora, a Associação dos Professores Católicos de Cabo
Verde, APC.
Só através de um
trabalho sistemático, estruturador e consciente, realizado no interior da
comunidade escolar, isto é, da escola - enquanto instituição que realiza a
instrução e a educação - dos
professores, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, e coadjuvados por
associações e fundações da sociedade civil, enfim, por agentes próximos e
activos e mais contributivos para a causa da Educação.
Só assim conseguiremos que, por um lado, na
sala de aula, no corredor e no pátio da escola se construa e se viva a
cidadania, nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos prof/aluno, aluno/prof,
prof/prof, aluno/aluno. Isto é, a escola ser geradora de cidadania. Por outro
lado, a escola virar-se, abrir-se em atenção à comunidade onde se encontra
implantada; à sociedade e ao mundo que a rodeia e deles colher exemplos de boa
prática de cidadania para sobre isso reflectir
e difundir na própria escola.
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