Parabéns à sociedade civil cabo-verdiana

domingo, 12 de abril de 2015
Pois bem! Nós − Ondina e eu − estávamos a cumprir uma assertiva e interessante observação que um bom amigo meu um dia me fez citando, dizia ele, um outro amigo dele: “Os avós são o único electrodoméstico de uma família que não pode avariar-se”. E lá fomos nós… diga-se de passagem com muita satisfação, “ficar” com os nossos adoráveis e irrequietos netos. Por isso não estivemos presentes para assistir, para tomar parte numa das mais importantes manifestações (normalmente não sou de manifestações públicas meramente por agorafobia, embora ténue) assumidamente da sociedade civil contra uma das mais vergonhosas e escabrosas tomadas de decisão da classe política cabo-verdiana. 

A classe política dirigente no seu TODO. Ninguém nem nenhum dirigente partidário pode, como sói dizer-se, tentar passar por entre os pingos da chuva. A borrada está feita e são todos, sem qualquer excepção, responsabilizados. Principalmente os do topo. Nenhum dirigente político partidário poderá eximir-se de responsabilidades.

Já se escreveu muito sobre isto. Não penso trazer qualquer novidade mas apenas registar a minha vergonha pela nossa classe política dirigente – aqueles que recebem ou esperam receber do Estado recompensas chorudas (à escala do País) pelo seu dito “trabalho cívico” – e a minha profunda indignação por esse comportamento tão egoísta, cínico e insensato que esses nossos dirigentes políticos exibiram. Finalmente levantaram o véu. Bem interpretou o Mestre Baltazar Lopes o provérbio “a ocasião faz o ladrão” quando nos dizia que “a ocasião não faz o ladrão mas sim, revela o ladrão que já lá estava”. Atenção que este aforismo é aqui usado apenas como uma metáfora e nada tem a ver com a honradez dos políticos da qual não posso nem devo duvidar e nem se enquadra no objectivo deste exercício. Após esta breve chamada de atenção, continuo:

O mais grave, e que causa espanto, é que não se trata de uma atitude irreflectida, espontânea, ou feita sobre os joelhos em que se possa – dirigente político − alegar ignorância ou desconhecimento prévio. Foi um assunto acertado não só nas jornadas parlamentares entre os deputados de cada partido com os respectivos líderes partidários mas também, aceite na conferência ou reunião de líderes da Assembleia Nacional

A lei já vinha sendo cozinhada há muito tempo, nas costas do povo, com o acordo tácito de todos os partidos com representação parlamentar, sem olhar minimamente aos condicionalismos políticos e económicos que enformam a conjuntura universal e à situação económico-financeira do País que tanta crítica vem merecendo da oposição. Uma oposição que nem sequer tinha necessidade de se associar ao evento... O PAICV tem uma maioria que lhe permite sozinho fazer passar todas as leis. Ou seriam necessários dois terços? E nenhuma oposição atenta e alternativa de governação se associa à situação, ao partido no poder, para votar uma lei impopular ou potencialmente polémica, mesmo que este facto configure demagogia. É de La Palice!

É verdade que o comportamento do Governo e do PAICV com o autêntico “bodo aos pobres” que é essa coisa de pensão e regalias aos “combatentes da liberdade da pátria” muitos maquiavelicamente descobertos quarenta anos após a independência, estatuto este, humilhante e oportunisticamente aceito e celebrado por alguns deles, é nítida e profundamente encorajador para derivas fantasiosas e deu o “mote” para uma incursão do tipo a que acabamos de verificar.  

Mas são esses mesmos políticos que há escassos meses recusaram um aumento de 3% à polícia que hoje conseguem − imagine-se! − ter moral para legislar em proveito próprio aumentos e regalias substanciais para o seu bem-estar actual e futuro. Que conclusões a tirar da classe política? Uma, que se consideram cidadãos especiais que estão imunes e indiferentes à situação do País? Outra, que estão muito mais preocupados com o seu bem-estar pessoal do que com o dos outros cidadãos que representam e juraram defender os interesses? Há, eventualmente, outras hipóteses que não caberão, em linguagem e conteúdo, num texto deste género. 

Não está em causa se a classe política merece ou não, mas se é sensato, se é oportuno e se é moralmente aceitável. Uma questão de valores e de equidade!...

Os titulares dos cargos políticos que são directa ou indirectamente eleitos pelo povo são normalmente “voluntários em comissão cívica de serviço” e têm ou deviam ter um carácter transitório que a lei lhes confere. É esta perspectiva – transitoriedade – que deve ser encarada e não a de profissionais bem remunerados desses cargos o que não lhes impede de os exercer indefinidamente, por renovação através do voto, se o povo assim entender. Infelizmente no nosso país votamos em partidos e não em pessoas ou personalidades, misturando deste modo, alguns bons com muitos medíocres, o que faz com que os clientes partidários, aqueles que não encontram respaldo nas suas profissões de origem prefiram o “exercício cívico” tornando-o, eles próprios, cada vez mais apetecível para se eternizarem nessas funções. É simplesmente imoral!

O aumento do salário e regalias dos titulares dos cargos políticos deveria constar dos programas eleitorais dos partidos políticos para que seja previamente sufragado pelo voto. Nenhum deputado ou programa de governo foi explicitamente mandatado para esse efeito – juiz em causa própria. Legalidade não é legitimidade.

Os líderes dos dois grandes partidos portaram-se ambos muito mal. Não falarei do chefe do Governo que é militante de base e, aberrantemente, é também chefe da líder do seu partido numa questão fundamentalmente “partidária” – governação. Cabo-verduras!... 

Assim, dos dois, nenhum pode apontar o dedo ao outro. Ambos estiveram muito mal na fotografia.

O líder da oposição porque não soube tirar partido de uma medida que era nitidamente antipopular pelo estado crítico do País que ele mesmo não se cansa de frisar mostrando-se deste modo incoerente e inconsequente. Não foi competente, não foi politicamente inteligente, não teve a lucidez, a argúcia e o arrojo intelectual dos verdadeiros líderes, sobretudo de um líder de oposição e deixou-se levar pela ganância dos seus pares. Ou então foi muito mal aconselhado e deve daí tirar as suas conclusões e agir em conformidade. A Oposição infelizmente perdeu uma oportunidade de ouro para marcar pontos, fazer a diferença e exercer efectivamente oposição para o qual foi mandatada.

A líder da situação também não ficou bem na fotografia porque sabe tão bem como qualquer cidadão minimamente informado que nenhuma lei pode passar na Assembleia Nacional sem a concordância e o aval do partido que ela dirige – o PAICV. É responsável político de tudo o que se passa no PAICV. Dizer-se contra a lei ou alegar desconhecê-la previamente não a abona nem a beneficia absolutamente nada. Antes, demonstra que ela não tem força para dirigir o seu partido onde, pelos vistos, a sua opinião não é tida nem havida em conta. Também significa que desconhece, o que é muito grave, o que se passa no interior do seu Partido e não tem pulso no seu Grupo Parlamentar. Não o tem também na sua Comissão Política que coordena muito mal pois esta devia emanar orientações ao seu Grupo Parlamentar que parece ignorá-la de todo. Não poderá, consequentemente, tê-lo, o pulso, para governar o País, a menos que faça uma demonstração convincente em como foi desautorizada e que tal procedimento não terá mais lugar porque foram totalmente erradicadas as suas causas. 

O líder máximo de um partido não pode ter “opinião pessoal pública” sobre o que se passa ou se passou no interior do partido que dirige. Jamais poderá demarcar-se displicentemente dos seus dirigentes e dos seus militantes, isto é, sem apresentar medidas enérgicas contra eles. Só pode publicamente expor uma posição que é, com toda a segurança, a do partido. Ou então não é líder. É apenas chefe de uma facção! 

Assim. nesse particular é de realçar a hombridade e a dignidade com que o líder da oposição não descartou quaisquer responsabilidades mesmo sabendo que provocariam desgaste da sua imagem pessoal e do partido, avocando a si todas as decisões que foram tomadas em nome do partido e do seu grupo parlamentar como suas e comportando-se deste modo como o verdadeiro líder de todo o partido e não de uma parte.


Mas tudo vai acabar em bem porque fora dos partidos felizmente temos um Presidente da República muito atento, que tem demonstrado muita sensatez, muita competência política e que é um verdadeiro oásis no meio deste deserto político. Um verdadeiro provedor do Povo. Parabéns aos cabo-verdianos pela sua escolha!
A.   Ferreira

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