Pois
bem! Nós − Ondina e eu − estávamos a cumprir uma assertiva e interessante
observação que um bom amigo meu um dia me fez citando, dizia ele, um outro
amigo dele: “Os avós são o único electrodoméstico de uma família que não pode
avariar-se”. E lá fomos nós… diga-se de passagem com muita satisfação, “ficar”
com os nossos adoráveis e irrequietos netos. Por isso não estivemos presentes para assistir, para tomar
parte numa das mais importantes manifestações (normalmente não sou de
manifestações públicas meramente por agorafobia, embora ténue) assumidamente da
sociedade civil contra uma das mais vergonhosas e escabrosas tomadas de decisão
da classe política cabo-verdiana.
A classe política dirigente no seu TODO. Ninguém
nem nenhum dirigente partidário pode, como sói dizer-se, tentar passar por
entre os pingos da chuva. A borrada está feita e são todos, sem qualquer
excepção, responsabilizados. Principalmente os do topo. Nenhum dirigente político
partidário poderá eximir-se de responsabilidades.
Já se
escreveu muito sobre isto. Não penso trazer qualquer novidade mas apenas
registar a minha vergonha pela nossa classe política dirigente – aqueles que
recebem ou esperam receber do Estado recompensas chorudas (à escala do País) pelo
seu dito “trabalho cívico” – e a minha profunda indignação por esse
comportamento tão egoísta, cínico e insensato que esses nossos dirigentes
políticos exibiram. Finalmente levantaram o véu. Bem interpretou o Mestre
Baltazar Lopes o provérbio “a ocasião faz o ladrão” quando nos dizia que “a
ocasião não faz o ladrão mas sim, revela
o ladrão que já lá estava”. Atenção que este aforismo é aqui usado apenas como uma
metáfora e nada tem a ver com a honradez dos políticos da qual não posso nem
devo duvidar e nem se enquadra no objectivo deste exercício. Após esta breve chamada
de atenção, continuo:
O mais
grave, e que causa espanto, é que não se trata de uma atitude irreflectida,
espontânea, ou feita sobre os joelhos em que se possa – dirigente político −
alegar ignorância ou desconhecimento prévio. Foi um assunto acertado não só nas
jornadas parlamentares entre os deputados
de cada partido com os respectivos líderes partidários mas também, aceite na
conferência ou reunião de líderes da
Assembleia Nacional.
A lei já vinha sendo cozinhada há muito tempo, nas
costas do povo, com o acordo tácito de todos os partidos com representação
parlamentar, sem olhar minimamente aos condicionalismos políticos e económicos
que enformam a conjuntura universal e à situação económico-financeira do País
que tanta crítica vem merecendo da oposição. Uma oposição que nem sequer tinha
necessidade de se associar ao evento... O PAICV tem uma maioria que lhe permite
sozinho fazer passar todas as leis. Ou seriam necessários dois terços? E
nenhuma oposição atenta e alternativa de governação se associa à situação, ao
partido no poder, para votar uma lei impopular ou potencialmente polémica,
mesmo que este facto configure demagogia. É de La Palice!
É
verdade que o comportamento do Governo e do PAICV com o autêntico “bodo aos
pobres” que é essa coisa de pensão e regalias aos “combatentes da liberdade da
pátria” muitos maquiavelicamente descobertos quarenta anos após a independência,
estatuto este, humilhante e oportunisticamente aceito e celebrado por alguns
deles, é nítida e profundamente encorajador para derivas fantasiosas e deu o “mote”
para uma incursão do tipo a que acabamos de verificar.
Mas são
esses mesmos políticos que há escassos meses recusaram um aumento de 3% à
polícia que hoje conseguem − imagine-se! − ter moral para legislar em proveito
próprio aumentos e regalias substanciais para o seu bem-estar actual e futuro. Que
conclusões a tirar da classe política? Uma, que se consideram cidadãos
especiais que estão imunes e indiferentes à situação do País? Outra, que estão muito
mais preocupados com o seu bem-estar pessoal do que com o dos outros cidadãos
que representam e juraram defender os interesses? Há, eventualmente, outras hipóteses
que não caberão, em linguagem e conteúdo, num texto deste género.
Não está em
causa se a classe política merece ou não, mas se é sensato, se é oportuno e se
é moralmente aceitável. Uma questão de valores e de equidade!...
Os
titulares dos cargos políticos que são directa ou indirectamente eleitos pelo
povo são normalmente “voluntários em comissão cívica de serviço” e têm ou deviam ter um
carácter transitório que a lei lhes confere. É esta perspectiva – transitoriedade – que deve ser encarada
e não a de profissionais bem remunerados desses cargos o que não lhes impede de
os exercer indefinidamente, por renovação através do voto, se o povo assim
entender. Infelizmente no nosso país votamos em partidos e não em pessoas ou
personalidades, misturando deste modo, alguns
bons com muitos medíocres, o que faz com que os clientes partidários,
aqueles que não encontram respaldo nas suas profissões de origem prefiram o
“exercício cívico” tornando-o, eles próprios, cada vez mais apetecível para se
eternizarem nessas funções. É simplesmente imoral!
O
aumento do salário e regalias dos titulares dos cargos políticos deveria
constar dos programas eleitorais dos partidos políticos para que seja
previamente sufragado pelo voto. Nenhum deputado ou programa de governo foi explicitamente mandatado
para esse efeito – juiz em causa própria. Legalidade não é legitimidade.
Os
líderes dos dois grandes partidos portaram-se ambos muito mal. Não falarei do
chefe do Governo que é militante de base e, aberrantemente, é também chefe da
líder do seu partido numa questão fundamentalmente “partidária” – governação.
Cabo-verduras!...
Assim,
dos dois, nenhum pode apontar o dedo ao outro. Ambos estiveram muito mal na
fotografia.
O
líder da oposição porque não soube tirar partido de uma medida que era
nitidamente antipopular pelo estado crítico do País que ele mesmo não se cansa
de frisar mostrando-se deste modo incoerente e inconsequente. Não foi
competente, não foi politicamente inteligente, não teve a lucidez, a argúcia e
o arrojo intelectual dos verdadeiros líderes, sobretudo de um líder de oposição
e deixou-se levar pela ganância dos seus pares. Ou então foi muito mal aconselhado
e deve daí tirar as suas conclusões e agir em conformidade. A Oposição
infelizmente perdeu uma oportunidade de ouro para marcar pontos, fazer a
diferença e exercer efectivamente oposição para o qual foi mandatada.
A
líder da situação também não ficou bem na fotografia porque sabe tão bem como
qualquer cidadão minimamente informado que nenhuma lei pode passar na
Assembleia Nacional sem a concordância e o aval do partido que ela dirige – o
PAICV. É responsável político de tudo o que se passa no PAICV. Dizer-se contra
a lei ou alegar desconhecê-la previamente não a abona nem a beneficia
absolutamente nada. Antes, demonstra que ela não tem força para dirigir o seu
partido onde, pelos vistos, a sua opinião não é tida nem havida em conta. Também
significa que desconhece, o que é muito grave, o que se passa no interior do
seu Partido e não tem pulso no seu Grupo Parlamentar. Não o tem também na sua
Comissão Política que coordena muito mal pois esta devia emanar orientações ao
seu Grupo Parlamentar que parece ignorá-la de todo. Não poderá,
consequentemente, tê-lo, o pulso, para governar o País, a menos que faça uma
demonstração convincente em como foi desautorizada e que tal procedimento não
terá mais lugar porque foram totalmente erradicadas as suas causas.
O líder
máximo de um partido não pode ter “opinião pessoal pública” sobre o que se
passa ou se passou no interior do partido que dirige. Jamais poderá demarcar-se
displicentemente dos seus dirigentes e dos seus militantes, isto é, sem
apresentar medidas enérgicas contra eles. Só pode publicamente expor uma posição
que é, com toda a segurança, a do partido. Ou então não é líder. É apenas chefe
de uma facção!
Assim. nesse particular é de realçar a hombridade e a dignidade com que
o líder da oposição não descartou quaisquer responsabilidades mesmo sabendo que provocariam desgaste da sua imagem pessoal e do partido, avocando a si todas
as decisões que foram tomadas em nome do partido e do seu grupo parlamentar como suas e comportando-se deste
modo como o verdadeiro líder de todo o partido e não de uma parte.
Mas
tudo vai acabar em bem porque fora dos partidos felizmente temos um Presidente
da República muito atento, que tem demonstrado muita sensatez, muita
competência política e que é um verdadeiro oásis no meio deste deserto
político. Um verdadeiro provedor do Povo. Parabéns aos cabo-verdianos pela sua
escolha!
A.
Ferreira
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