segunda-feira, 6 de abril de 2015

O NOSSO EGOCENTRISMO E O MUNDO SENSÍVEL

 

 

Sem nenhum propósito a comandar-me, a minha atenção fixou-se, mais do que habitualmente, numa senhora idosa que passava na rua com um grande ramo de flores. Mais adiante, num jovem casal que conversava animadamente numa esplanada, e, mesmo ao lado, numa petiza sentada num cavalinho eléctrico estacionário instalado frente ao mesmo estabelecimento. Perguntei-me então por que motivo o meu olhar interior se focalizou com inusitada atenção naquelas cenas do trivial quotidiano, réplicas tão naturais do simples acto de viver  que nem sequer nos damos por elas, de tantas vezes repetidas.

 

Mas não, neste dia o binómio senhora idosa-ramo de flores revelou-se-me, como se  pela primeira vez, uma ligação biunívoca entre o homem e a natureza que cada vez mais escapa à nossa moderna e frívola sensibilidade. O jovem casal representou-se-me a continuidade da vida, a promessa de futuro, nos tempos em que este se cobre de tons sombrios sem, no entanto, o banirmos dos nossos sonhos assimétricos. A petiza ao cavalinho eléctrico pareceu-me a revelação de que a fantasia infantil talvez seja o último resguardo da nossa autenticidade.

 

Mas se todo este repertório do nosso mundo sensível afinal existe, por que é que só hoje o “vi”? Pertencem a um universo paralelo só apreensível aos que são dotados de percepções extra-sensoriais? Por aí não vou. Integram um universo real que só nos passa “despercebido” porque anestesiamos a nossa percepção do mundo que nos rodeia à custa de se repetirem exaustivamente os mesmos estímulos exteriores? Quero perfilhar esta última hipótese. De facto, as nossas reacções são regidas por um certo automatismo que, operando no inconsciente, tende a bloquear a nossa capacidade dialéctica com o mundo sensível. Deve ser este o caso. Assim se explica que  até as coisas mais extravagantes que desfilam aos nossos olhos tendem a banalizar-se e a serem ignoradas ao fim de um certo tempo, se constantemente repetidas. É o resultado de um processo de contínuo amortecimento da nossa sensibilidade. Um exemplo disso é o cortejo de desgraças que a televisão nos despeja a toda a hora sem que a nossa consciência sofra hoje em dia um verdadeiro sobressalto.

 

E então cabe perguntar que relação tenho eu com cada um dos pequenos universos que observamos, ou não observamos, todos os dias. O mesmo é querer saber se a senhora idosa deslumbrada com as suas flores, o jovem casal prazeroso com a vida e a menina embevecida à sela do seu cavalinho imaginário, assim como as desgraças do mundo, querer saber, dizia eu, se são partículas de universos autónomos ou se são parte do meu universo individual. Mesmo que peque por presunção intelectual,  quero acreditar que integram o meu universo egocêntrico, ou antropocêntrico, se preferirmos. A nossa existência devia ser auspiciosamente concêntrica,  presidida por uma lógica de  centralidade para a qual nos convergiríamos. Só que tendemos, com o hábito e a rotina, a desligar a tomada de ligação com o exterior, e só com a injunção de uma voltagem de retorno é que conseguimos ocasionalmente fortalecer os circuitos internos que iluminam o nosso espaço interior e nos permitem divisar todos os universos que integramos.

 

Contudo, no fundo eu sou o centro do meu universo e por muita afinidade que tenha – e tenho – com o que me rodeia, nada tenho a ver intrinsecamente com o meu semelhante e o mesmo pode intuir cada pessoa. Resta é saber em que medida os diversos egocentrismos são capazes de formar um conjunto integrado e coerente que dê sentido à nossa existência planetária. Porque seria razoável que os nossos universos individuais fossem parcelas minúsculas dum universo maior e aglutinador. Só assim seria possível uma dialéctica inteligente com o mundo sensível e encontrar respostas para superar as nossas fragilidades e limitações naturais. Dir-se-á então que isso seria um imperativo da nossa racionalidade, sem o que nos limitamos à infrene gestão do trivial e a não passarmos de simples escravos das nossas inclinações primárias.

 

Hoje, parecemos rodeados de universos paralelos que nos são antagónicos, como o chamado Estado Islâmico e o Capitalismo selvagem, sem que aparentemente lhes consigamos opor o trunfo da nossa racionalidade. E é quando nos voltamos a interrogar sobre a casualidade associada à teoria evolucionista, pelo menos na leitura que dela faz Edgar Morin, no pressuposto de que para o evolucionismo a inteligência é um mero produto que evoluiu num organismo vivo, sendo imprevisível a metamorfose da morfologia cerebral e do entrelaçamento dos seus neurónios conducentes a uma inteligência e a uma espiritualidade superiores. Em campo oposto, estão os que se perguntam se a inteligência não será também produto de faculdades psíquicas, exteriores ao homem, e  que por isso transcendem a nossa percepção racional e nada têm a ver com o organismo físico. Mas, se assim é, de onde virão  essas capacidades? Este entendimento nos levará ao encontro da tese da predestinação do homem, logo a recuperar a teoria do universo geocêntrico, doravante numa perspectiva estritamente espiritual, o que por enquanto escapa à nossa razão.

 

 

Tomar, 5 de Abril de 2015

 

Adriano Miranda Lima




 

 

 

 

 

 

0 comentários:

Enviar um comentário