O Silêncio em tempo de pandemia

terça-feira, 14 de abril de 2020


Isto da covid-19 ou, do vírus da corona, ou ainda,  do “Gongon”  como o chamou um amigo meu, tem muita que se lhe diga em termos de mudanças rápidas e por vezes bem estranhas a acontecer na forma como cada cristão percepciona a realidade envolvente. Para além da doença e do cortejo de mortos que vem deixando à sua passagem. Uma destruição de vidas inaudita! Esta pandemia mudou drasticamente as rotinas, os hábitos, a vida familiar e social. Enfim, o que era normal no nosso dia-a-dia deixou de o ser e de um momento para o outro.
Mas voltando ao silêncio  -  que encima o título deste escrito - que também  veio com o vírus, e que no meu bairro é apenas cortado pela passagem de algum carro solitário ou, do carro do anúncio do “ficar em casa.” Aconteceu que numa destas  manhãs de silêncio nas ruas, andava eu às voltas dentro do meu quintal e pátio -  tentando com isso compensar (no faz de conta..) a falta que me faz a caminhada a que estava habituada diariamente a fazer ao fim do dia -  quando ouço um carro desses de anúncio, em alta berraria com uma batucada a todos os decibéis...adivinhem que carro era?  Exactamente, o dos anúncios sobre o vírus - logo,  ao serviço da Saúde ou, da Câmara Municipal - e da necessidade de se permanecer em casa, para se salvarem vidas.
Até aqui estaria tudo bem se não fosse o tipo de música dissonante com o conteúdo da notícia. Até parecia que estávamos a ser convidados para uma paródia ou para algum festival... Não. A música não devia ser nessa toada de batucada. É minha opinião. Porque não uma morna? Ao menos teríamos mais respeito, mais atenção em escutar e em perceber o que o alvissareiro nos quer transmitir. Uma morna ou, uma canção em tom normal.
O nosso ouvido já se habituou infelizmente a viver, (os meus, não há meio de se habituarem...) aos berros dos decibéis de música, por vezes sem melodia, que nos dão quando passam de carros na minha rua ou em qualquer  rua desta cidade.. De tal maneira que não admira que hoje em dia a surdez seja uma situação bem precoce, que atinja os mais jovens, pois que os tímpanos têm também o seu limite. Mas o limite para o barulho aqui é chegar ao céu, furar as nuvens e alcançar... sabe Deus o quê!?...
Para onde virámos é a danada da batucada em alto som. Entra-se num táxi nesta cidade da Praia e a primeira coisa que qualquer pessoa decente faz é solicitar ao condutor (não a todos, felizmente) a fineza de não agredir a nossa audição. Música aos berros é o tom!
Ora bem, devia-se aproveitar este tempo de recolhimento obrigado, para se fazer alguma educação cívica junto dos residentes, eu falo da ilha onde vivo, (há mais de quatro décadas) Santiago, onde infelizmente, só se  age e só se fala aos gritos. A mesma coisa diria no que toca à minha ilha de origem, o Fogo.
Pois bem, são gritos em convívio de colegas, gritos ao telemóvel ( e eu sou obrigada a ouvir a vida de cada um, coisa que detesto solenemente!) gritos e ou berros em conversa normal de rua. Enfim, terras de timbre muito alto. Sem  regulação do som e, sobretudo sem o mínimo cuidado em fazer baixar os decibéis, para não incomodar o próximo por perto...
Fica-se com a impressão que esses gritos como forma de falar, expressam alguma agressividade latente...será?
Eu fujo dos mercados por causa do barulho ensurdecedor, mas afinal esse barulho não é mais, e nem é menos, do que os gritos da fala da gente nas escolas, antes da missa, dentro da igreja. Tudo igual. Sem diferença alguma.
Experimente assistir nos dias de hoje, a uma sessão solene de finalistas, não importa o nível de ensino, para se aperceber  onde coexiste o berreiro, a gritaria. Está na Escola. Tente assistir a uma missa ao fim de tarde de Sábado (crianças e adultos) para se aquilitar da falta de respeito até em lugar de silêncio, de recolhimento por excelência, que deve ser a igreja. As crianças não foram ensinadas (porque também os seus adultos próximos falam aos gritos) para observarem o silêncio, ou um tom de fala mais baixo que se deve ter no templo, local sagrado.
Veio-me à memória e a propósito, que ainda na vida activa como professora aqui na Praia, eu costumava fazer uma espécie de jogo com os meus alunos que começava com a frase: “gente fina não... gente fina não diz palavrões, gente fina não faz ...e acrescentava uma norma do saber estar educado, com respeito pelo próximo. Aliás, os alunos já sabiam que quando eu proferia o intróito: “gente fina...” (entenda-se também pessoa bem educada) que a seguir vinha de certeza uma norma do saber viver em sociedade. E uma delas (das frases) era “gente fina não fala aos gritos”. Foi a fórmula por mim achada para fazer passar algumas mensagens cívicas na turma, a par das lições didácticas do dia.
Eles e elas estão aí - antigos e queridos alunos - para o confirmar.
Mas voltando aos “gritos” usuais na comunicação normal da nossa gente, isto é, na nossa fala comunitária; gostaria de relatar que assisti há dia na tv, num dos canais portugueses, um programa feito no Japão, entre investigadores que trabalham no estudo, no conhecimento e nas formas de tratamento do covid-19. De entre as projecções, e as hipóteses avançadas, mostraram que uma das vias mais velozes e ferozes de transmissão do vírus é exactamente na fala oral entre pessoas, muito próximas uma das outras. Numa câmara escura, vimos as gotículas expelidas pela boca dos interlocutores e que caem em cascata uns nos outros. Aí vai o vírus a alta velocidade... e quanto mais alto for a fala, mais longe caem as gotículas, infectando assim, maior número de pessoas em interacção.
Na sequência, recomendaram que em espaços fechados e com pessoas a falarem umas com as outras deve-se ter sempre uma janela ou similar aberta, para a saída rápida das gotículas.
Um documentário extremamente interessante e oportuno.
Finalmente, o que fica também recomendado nesta experiência japonesa é que neste tempo de pandemia, deve-se baixar o tom de voz na conversação diária. Assim feito, ajuda a evitar a propagação do “corona vírus”.
E neste tempo de algum silêncio que convinha ser igualmente um tempo de reflexão sobre a nossa vida em comunidade, agora temporariamente abrandada ou adiada, devido ao vírus horrendo, não ficaria mal se tentássemos ensinar algumas regras, aos nossos compatriotas (sem gritar, sem violência) para melhorarem a sua civilidade. O seu saber estar social para melhor conviver com o próximo.

Caro leitor, leia este escrito apenas como um desabafo. Nada mais.

1 comentários:

Mario_Dantas disse...

Caríssima,

Foi com interesse que li o artigo e concordo que a questão da poluição sonora está a tornar-se cada dia mais preocupante, no nosso país.

Aproveito e deixo um link para o diploma que estabelece o regime de prevenção e controlo da poluição sonora:

http://extwprlegs1.fao.org/docs/pdf/cvi126230.pdf

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