Isto
da covid-19 ou, do vírus da corona, ou ainda,
do “Gongon” como o chamou um
amigo meu, tem muita que se lhe diga em termos de mudanças rápidas e por vezes bem
estranhas a acontecer na forma como cada cristão percepciona a realidade
envolvente. Para além da doença e do cortejo de mortos que vem deixando à sua
passagem. Uma destruição de vidas inaudita! Esta pandemia mudou drasticamente
as rotinas, os hábitos, a vida familiar e social. Enfim, o que era normal no
nosso dia-a-dia deixou de o ser e de um momento para o outro.
Mas
voltando ao silêncio - que encima o título deste escrito - que
também veio com o vírus, e que no meu
bairro é apenas cortado pela passagem de algum carro solitário ou, do carro do
anúncio do “ficar em casa.” Aconteceu que numa destas manhãs de silêncio nas ruas, andava eu às
voltas dentro do meu quintal e pátio - tentando
com isso compensar (no faz de conta..) a falta que me faz a caminhada a que
estava habituada diariamente a fazer ao fim do dia - quando ouço um carro desses de anúncio, em
alta berraria com uma batucada a todos os decibéis...adivinhem que carro era? Exactamente, o dos anúncios sobre o vírus - logo,
ao serviço da Saúde ou, da Câmara
Municipal - e da necessidade de se permanecer em casa, para se salvarem vidas.
Até
aqui estaria tudo bem se não fosse o tipo de música dissonante com o conteúdo
da notícia. Até parecia que estávamos a ser convidados para uma paródia ou para
algum festival... Não. A música não devia ser nessa toada de batucada. É minha
opinião. Porque não uma morna? Ao menos teríamos mais respeito, mais atenção em
escutar e em perceber o que o alvissareiro nos quer transmitir. Uma morna ou,
uma canção em tom normal.
O
nosso ouvido já se habituou infelizmente a viver, (os meus, não há meio de se
habituarem...) aos berros dos decibéis de música, por vezes sem melodia, que
nos dão quando passam de carros na minha rua ou em qualquer rua desta cidade.. De tal maneira que não
admira que hoje em dia a surdez seja uma situação bem precoce, que atinja os
mais jovens, pois que os tímpanos têm também o seu limite. Mas o limite para o
barulho aqui é chegar ao céu, furar as nuvens e alcançar... sabe Deus o
quê!?...
Para
onde virámos é a danada da batucada em alto som. Entra-se num táxi nesta cidade
da Praia e a primeira coisa que qualquer pessoa decente faz é solicitar ao
condutor (não a todos, felizmente) a fineza de não agredir a nossa audição.
Música aos berros é o tom!
Ora
bem, devia-se aproveitar este tempo de recolhimento obrigado, para se fazer
alguma educação cívica junto dos residentes, eu falo da ilha onde vivo, (há
mais de quatro décadas) Santiago, onde infelizmente, só se age e só se fala aos gritos. A mesma coisa
diria no que toca à minha ilha de origem, o Fogo.
Pois
bem, são gritos em convívio de colegas, gritos ao telemóvel ( e eu sou obrigada
a ouvir a vida de cada um, coisa que detesto solenemente!) gritos e ou berros
em conversa normal de rua. Enfim, terras de timbre muito alto. Sem regulação do som e, sobretudo sem o mínimo
cuidado em fazer baixar os decibéis, para não incomodar o próximo por perto...
Fica-se
com a impressão que esses gritos como forma de falar, expressam alguma
agressividade latente...será?
Eu
fujo dos mercados por causa do barulho ensurdecedor, mas afinal esse barulho
não é mais, e nem é menos, do que os gritos da fala da gente nas escolas, antes
da missa, dentro da igreja. Tudo igual. Sem diferença alguma.
Experimente
assistir nos dias de hoje, a uma sessão solene de finalistas, não importa o
nível de ensino, para se aperceber onde
coexiste o berreiro, a gritaria. Está na Escola. Tente assistir a uma missa ao
fim de tarde de Sábado (crianças e adultos) para se aquilitar da falta de
respeito até em lugar de silêncio, de recolhimento por excelência, que deve ser
a igreja. As crianças não foram ensinadas (porque também os seus adultos
próximos falam aos gritos) para observarem o silêncio, ou um tom de fala mais
baixo que se deve ter no templo, local sagrado.
Veio-me
à memória e a propósito, que ainda na vida activa como professora aqui na
Praia, eu costumava fazer uma espécie de jogo com os meus alunos que começava
com a frase: “gente fina não... gente fina não diz palavrões, gente fina não
faz ...e acrescentava uma norma do saber estar educado, com respeito pelo
próximo. Aliás, os alunos já sabiam que quando eu proferia o intróito: “gente
fina...” (entenda-se também pessoa bem educada) que a seguir vinha de certeza
uma norma do saber viver em sociedade. E uma delas (das frases) era “gente fina
não fala aos gritos”. Foi a fórmula por mim achada para fazer passar algumas
mensagens cívicas na turma, a par das lições didácticas do dia.
Eles
e elas estão aí - antigos e queridos alunos - para o confirmar.
Mas
voltando aos “gritos” usuais na comunicação normal da nossa gente, isto é, na
nossa fala comunitária; gostaria de relatar que assisti há dia na tv, num dos
canais portugueses, um programa feito no Japão, entre investigadores que
trabalham no estudo, no conhecimento e nas formas de tratamento do covid-19. De
entre as projecções, e as hipóteses avançadas, mostraram que uma das vias mais
velozes e ferozes de transmissão do vírus é exactamente na fala oral entre
pessoas, muito próximas uma das outras. Numa câmara escura, vimos as gotículas
expelidas pela boca dos interlocutores e que caem em cascata uns nos outros. Aí
vai o vírus a alta velocidade... e quanto mais alto for a fala, mais longe caem
as gotículas, infectando assim, maior número de pessoas em interacção.
Na sequência,
recomendaram que em espaços fechados e com pessoas a falarem umas com as outras
deve-se ter sempre uma janela ou similar aberta, para a saída rápida das
gotículas.
Um
documentário extremamente interessante e oportuno.
Finalmente,
o que fica também recomendado nesta experiência japonesa é que neste tempo de
pandemia, deve-se baixar o tom de voz na conversação diária. Assim feito, ajuda
a evitar a propagação do “corona vírus”.
E
neste tempo de algum silêncio que convinha ser igualmente um tempo de reflexão
sobre a nossa vida em comunidade, agora temporariamente abrandada ou adiada, devido
ao vírus horrendo, não ficaria mal se tentássemos ensinar algumas regras, aos
nossos compatriotas (sem gritar, sem violência) para melhorarem a sua
civilidade. O seu saber estar social para melhor conviver com o próximo.
Caro
leitor, leia este escrito apenas como um desabafo. Nada mais.
1 comentários:
Caríssima,
Foi com interesse que li o artigo e concordo que a questão da poluição sonora está a tornar-se cada dia mais preocupante, no nosso país.
Aproveito e deixo um link para o diploma que estabelece o regime de prevenção e controlo da poluição sonora:
http://extwprlegs1.fao.org/docs/pdf/cvi126230.pdf
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