Dia de
África
Hoje
celebra-se mais uma efeméride. As celebrações
devem sempre levar-nos a evocar os aspectos e as realizações positivas. Mas, infelizmente, de positivos ficaram apenas a gesta das independências e as
eventuais boas intenções dos chamados libertadores de África. A realidade posterior
tem sido o desastre que ainda hoje se assiste.
“Que
contas de negregrura”? disse um dos pastores/personagens do «Auto de Mofina
Mendes» do grande dramaturgo português Gil Vicente, séc. XVI, quando a
protagonista, Mofina Mendes, apresentava ao amo, o resultado da não venda dos
ovos na feira, pois que ela os havia deixado cair e quebrarem-se todos, durante
a dança que fez na feira.
Observação: na Língua portuguesa do século
XVI, “contas de negregura” significavam: “más contas”. Esclarecido o aparente
trocadilho e, teatro aparte, vamos à realidade africana actual, não sem antes
questionar:
"Mutatis
mutandi", serão estas as contas que os governos africanos apresentam
hoje aos seus compatriotas, passados que são 58 anos sobre a criação da OUA e
do Dia de África?
De
acordo com as palavras do Filósofo moçambicano Severino Ngoenha sobre o Continente
africano no século XXI; afirma ele que as independências não significaram
desenvolvimento para os países independentes há mais de cinco décadas. E muito
menos desenvolvimento e bem-estar para os seus povos. Acrescenta este pensador,
que África regrediu em quase tudo. A economia não é redistributiva apenas
contempla os seus governantes - logo, a corrupção grassa no meio dos
governantes e de uns poucos que à volta deles gravitam – E eles constituem-se
como autênticas “tribos económicas”.
Segundo,
Ngoenha, “o único índice de desenvolvimento que África apresenta é na
demografia”. Nesta parte, bate os recordes. Mas falta saúde e educação para
este significativo “boom” demográfico africano.
A chamada “africanidade ficou na idade
infantil. Não somos respeitados, não nos fazemos respeitar. Vivemos do que nos
dão os outros… até para sustentar o Orçamento do Estado! Esperamos pelas ajudas internacionais" pelas “sobras” dos outros…continua Severino Ngoenha.
Esta é
a realidade da generalidade dos países de África de hoje. E a pandemia,
infelizmente, pôs mais a nú as fragilidades (veja-se a espera das vacinas) deste
Continente…
Eis um
retrato honesto, rigoroso e severo do Continente africano, dos nossos dias, feito
por uma das cabeças mais lúcidas e estudiosas do verdadeiro drama do Continente
africano.
Espreitando
agora um problema actualíssimo que mais não é do que uma verdadeira tragédia,
interrogamo-nos:
Que
dizer das centenas de jovens e de crianças que arriscam a própria vida em fuga,
em barcaças ou, a nado, criando problemas complexos aos países forçados a acolher
milhares de jovens africanos em busca do “eldorado” europeu? Que respostas para
a maioria destes jovens que dizem sem titubear, que preferem “mendigar na
Europa do que regressar e viver no país de origem”? Como explicar-lhes o
sentimento de amor e de apego à terra de origem se se expressam desta
maneira?...e quem lhes retira razão? Qual o futuro de África?
Infelizmente,
há muito que me declarei afro-céptica. Pois, o que me é dado observar no tempo
em que vivo, não me facultou oportunidade de ser outra coisa, pois que me sinto desiludida e lograda quanto ao progresso de África.
Afinal,
foram estes, os pensamentos que me ocorreram hoje, Dia de África, e que aqui
deixo registados.
1 comentários:
Eu nunca tive ilusões sobre um futuro minimamente promissor para a África. Aplaudo a lucidez e a honestidade intelectual do filósofo Moçambicano Severino Ngoenha aqui citado. Outros mais houvesse como ele, talvez se erigisse uma frente comunitária capaz de atacar os problemas pela raiz.
Também não tenho qualquer esperança em tempos melhores porque a origem dos problemas está cristalizado em nódulos aoarentemente irremovíveis. Nem os africanos, nem os europeus, responsáveis por grande parte dos problemas, tanto no passado colonial, em que se limitaram a sugar recursos, como na actualidade, em que tentam lavar a consciência com uma política de esmoler que não vai ao cerne dos problemas.
O mundo inteiro, congregando os países ricos, tem o dever moral de dar a mão à África e promover nela políticas assistenciais sem precedentes, investindo financeiramente, disponibilizando recursos e meios técnicos e ajudando mesmo a enquadrar a acção administrativa. Caso contrário, a África irá invadindo paulatinamente a Europa e depois nem haverá uma Europa em condições de promover a devida assistência, nem a África sairá da estagnação e do atraso.
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