1922-2022.
A cidade de São Filipe encontra-se em plena comemoração do seu primeiro
centenário como cidade.
Salvé! São Filipe!
Mas
antes de entrar propriamente nas considerações sobre a cidade centenária,
gostaria de destacar uma figura religiosa que a cantou e a elogiou com
verdadeiro afecto e singularidade. Trata-se de padre Simões com a sua
inesquecível, “Balada de São Filipe” extensiva à ilha toda.
Com efeito, Padre Cláudio Simões terá chegado
a Cabo Verde, em 1946. Natural do Alentejo e pertencendo, creio eu, à Ordem do
Espírito Santo.
Aproveito a ocasião para anotar aqui uma
pequena curiosidade, na ilha do Fogo à semelhança da ilha Brava, os padres eram
e são ainda creio eu, em maioria, da Ordem Franciscana, os Capuchinhos, e regra
geral, provenientes da Itália, quer nacionais daquele país, quer cabo-verdianos
aí formados.
Ora
bem, retomando, padre Simões exerceu o seu ministério na ilha do Fogo, a partir
do ano de chegada de Portugal. Ele distinguia-se na sua forma de estar e de
actuar, com a comunidade foguense. Apresentava filmes, cantava «Santa Luzia»
Avé Maria», «Solo Mio» e outras canções famosas com a sua portentosa voz de tenor. Tanto nas missas, como fora delas. Organizava espectáculos musicais
com jovens. Aliás, ele foi mais tarde, quando transferido para a ilha de São
Vicente, professor de Canto Coral na antiga escola Técnica e Comercial de
Mindelo.
Eis
um testemunho muito elucidativo e um comentário eloquente do Professor José
Fortes Lopes - no “Blog” «Praia de Bote» 2013 - recordando a passagem do Pe. Simões
por Mindelo:
“O saudoso Padre Simões (talvez 50-74) foi para mim uma referência e para
milhares de jovens mindelenses da geração dos anos 70. Desde pequenito
conheci-o nos Salesianos do padre Filipe (onde frequentei a escola primária, uma
escola que me formou humanamente, espiritualmente etc.), (…) nas missas, nos
cânticos corais e actividades culturais que esta escola organizava. Padre
Simões tinha uma voz que podia quebrar um copo de cristal. Meu professor de
música no Liceu, homem bom, jovial, dado ao convívio com os jovens, convivia
basicamente com toda a mocidade mindelense. Muito participativo na vida
cultural mindelense animava festas (tocava piano num conjunto), grupos musicais
e culturais diversos naquele clima são, despreocupado e ‘bon enfant’ que se
vivia no Mindelo do início dos anos setenta.
Padre Simões desapareceu de S. Vicente em 1974 e parece
que nunca mais voltou nem ouvi falar dele, nem se falou mais dele. Terá sido
escorraçado pela arruaça e a canalhice?
É das pessoas que merecem ser homenageadas pela cidade do Mindelo (…).”Fim de transcrição.
O padre cantor esteve durante os primeiros
anos 50 ao serviço da comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, onde fez um
trabalho notável de animação religiosa e cultural com documentários ilustrando
as tradições cabo-verdianas e alentejanas, e as demonstrações de fé a Nª
Senhora de Fátima. (vidé Artigo de Joaquim Saial «Crónica de Dezembro de 2013”.
“ O Padre Cláudio Simões Um Missionário Alentejano Entre os Cabo-verdianos da
América”. Publicado no «Praia de Bote».
Em meados de 50, ei-lo de regresso ao Fogo que
só deixaria nos finais da década de 60, rumando para Mindelo. Aí se fixou até
à independência das ilhas.
Na
mesma linha das memórias que Pe. Simões deixou em nós meninos, adolescentes,
registo aqui a lembrança que guardo do Pe. Simões do Fogo, mais concretamente,
dos Mosteiros da minha infância - dos meados, finais, dos anos 50 do século
passado - onde ele ia muitas vezes oficiar e apresentar filmes e que foi
objecto de uma passagem no livro «Contos Com Lavas» 2010. Transcrevo: “ (…) Ah! Os filmes que o Padre Simões por
alturas especiais exibia!... Como eram por nós esperados com ansiedade! Ora pelo
Natal, ora pela Páscoa, ou então por ocasião de algum santo padroeiro, lá
aparecia o Padre Simões pela estrada do Espigão. Vinha a cavalo ou de moto, da
cidade de S. Filipe, trazendo na mochila pesada aquilo que supúnhamos ser a
suprema magia – a máquina de projecção. O ronco já familiar da mota
atravessando a povoação em direcção à Fajãzinha, local de hospedagem do padre,
provocava um alvoroço geral. Uma intensa excitação tomava conta de nós. Saíamos
de casa a correr para anunciar a boa nova aos que porventura não se tivessem
apercebido da chegada. Para nós, o padre Simões era um padre especial que a
nossa imaginação situava a meio caminho entre o artista que compunha e que
cantava com voz de tenor (…) e o homem da sétima arte. (…).” In «A
Incendiária» pág. 118.
Eis
agora aqui transcrita a célebre “Balada de São Filipe,” um hino de afecto à
cidade que ele amou e de exaltação da ilha do vulcão.
I
Ilha
do Fogo, terra ditosa
Recorda
agora o teu passado
Ao
som da morna, quero cantar
Tua
beleza ao sol doirado
II
Teu
nome santo de São Filipe
No
céu reluz a rebrilhar…
Casas
velhinhas que eu amo tanto
Ondas
de espuma a murmurar…
III
Águias
serenas rasgando os céus
Ponta
bem alto lá bem cimeiro,
O
campanário da tua igreja
Azul
e branco anjo fagueiro…
IV
Nas
tuas ruas cheias de paz
Deixa
passar quem a ti vem,
Neste
silêncio tão recolhido
Vive-se
alegre, mora-se bem.
V
Nas
noites calmas, luarizadas…
Ergue-se
ao longe o teu vulcão
Raiando
luz, fogo sagrado
Que
purifica o coração…
Posto isto, retorno à acidade centenária.
Salvé!
São Filipe ou, San Filipe! -Como diziam os seus naturais mais antigos - pela
bonita idade de 100 anos!
Nunca
é de mais recordar que a actual cidade, teve origem remota no antigo aglomerado
populacional que foi fundada nos primórdios do povoamento das ilhas, São
Filipe, é povoado logo a seguir à Ribeira Grande, primeira capital na ilha de
Santiago.
“São Filipe, capital da ilha constituía o aglomerado populacional mais
antigo de Cabo Verde depois da Ribeira Grande, Cidade Velha na ilha de
Santiago. A sua fundação e povoamento ocorreram um quarto de século após o
descobrimento de Cabo Verde pelos Portugueses em 1460, e ter-se-ia verificado ainda
antes de 1493, pois a relação de entrega de alguns objectos de culto divino a
essa ilha deixa pressupor. Os historiadores costumam situá-lo entre 1470 e 1491
Na data da sua elevação à categoria de Cidade, a vila contava com 4 mil
habitantes e uma área de apenas 25 quilómetros quadrados, sendo que a Vila na
altura era apenas um vestígio de um passado que se cria prospero. A dinâmica do
crescimento urbano de São Filipe extravasou, há muito os limites do seu centro
histórico.”
Os dados ora transcritos e acrescentados,
são originários de diversos apontamentos históricos consultados, de autores
vários, alguns não identificados, e pertencentes a instituições governamentais
ligadas à ilha do Fogo.
Com
efeito, a 15 de Julho de 1922, sendo governador de Cabo Verde, Filipe Carlos
Dias de Carvalho, foi publicado no Boletim Oficial nº 28 de 15/07/1922, o
diploma legal, (Decreto nº7:008 de Outubro de 1920) que elevava a então Vila de
São Filipe - Bila, como local e popularmente era denominada – à categoria de
cidade.
Assim
rezava o articulado decisivo da mudança de estatuto urbano de São Filipe:
Artigo 1º É elevada à categoria de
cidade a Vila de São Filipe que conservará o mesmo nome.
Artigo 2º Fica revogada a legislação em
contrário.
Cumpra-se.
Residência do Governo, na cidade da
Praia, 12 de Julho de 1922. – Filipe Carlos Dias de Carvalho, Governador.
Na realidade, a Vila de São Filipe, já possuía
na altura, algumas infra-estruturas que lhe permitiram alcandorar a cidade, tais como, água
canalizada da Praia Ladrão, arruamentos calcetados, a Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Conceição, casas bem construídas, jardins, ou praças, entre outras
infra-estruturas citadinas. A electrificação chegaria mais tarde, em 1939.
Nascia
assim, e por muitos anos, a terceira cidade de Cabo Verde, depois da cidade da
Praia e do Mindelo.
O
interessante é que a cidade de São Filipe mantém ainda – nos dias de hoje - a
traça de uma pequena urbe antiga, embelezada pelas suas casas assobradadas ou
sobrados como são designadas as moradias de aspecto senhorial que a distinguiam
e ainda a distinguem das outras urbes nacionais, e que ainda constituem o seu
principal património construído. Uma cidade em jeito de um anfiteatro, de um
declive acentuado, e sobranceira ao mar, do alto de um promontório.
Uma
característica curiosa que a cidade manteve até à independência de Cabo Verde,1975 e pouco mais, se não me engano, foi sem dúvida, a limpeza das suas
ruas que a fizeram ser considerada como a cidade mais limpa do Arquipélago.
De
facto, a cidade São Filipe era de uma limpeza irrepreensível! Era uma cidade
higienicamente tratada que dava gosto calcorrear as ruas bem varridas do seu
centro histórico. Até se contavam histórias e algumas anedotas sobre a
preocupação de limpeza - levado a extremos - quer pelas autoridades,
Administradores do Concelho, quer também, pelos moradores para com a sua cidade.
Na
mesma linha, aproveitando a passagem dos 100 anos da cidade de São Filipe,
gostaria de prestar, ainda que singela, uma homenagem aos seus famosos e
celebrados homens de Letras, da música e do pensamento; de gente de teatro,
como Aníbal Henriques com as peças satíricas; de compositores como B´Leza
(oriundo de São Vicente) mas que se encantou com São Filipe e a ilha, e na hora
de a deixar registou-a saudosamente na morna “Hora de Bai”; (Não confundir com
a “Hora de Bai” de Eugénio Tavares) de Pedro Rodrigues, outro famoso compositor
da geração mais nova do que a dos citados, e que canta a ilha com renovado
afecto em mornas e em coladeiras.
Relembrar
igualmente os seus poetas, prosadores e ficcionistas de mérito, de entre os
quais, se destacam: Henrique Vieira de Vasconcelos, Carolino Monteiro, Pedro
Cardoso, Mário Macedo Barbosa, António Carreira e Henrique Teixeira de Sousa.
Falar
da cidade hoje centenária, é também nomear os descritores/historiadores mais
directos da sua geografia, da sua história humana e social; das festas das suas bandeiras dos santos populares, e dos seus sobrados, como Teixeira de
Sousa, Félix Monteiro, Miguel Alves, Gilda Barbosa, Armindo José Barbosa, entre outros.
Saudar
igualmente, o seu mais vivo porta-voz, Fausto do Rosário que continua a testemunhar oralmente, com
saber e com gosto, a História da sua cidade para quem a deseje conhecer.
Celebrar
São Filipe, é também musicar a ilha do Fogo de toadas e de ritmos
característicos, em que sobressaem o “rabolo,” a “mazurca,” a “talaia-baxo,” a "manidja" e o "trabessado."
É igualmente recordar as suas cantadeiras e os seus cantadores populares, tais como, Ana Procópio e Príncipe de Ximento e os demais que ficaram por citar.
Enfim, a força da palavra escrita, dita e cantada, fixou e celebrizou a cidade
de nome santo, que festeja este ano a bonita idade de 100 anos.
E assim termino este escrito, não sem deixar
de exclamar: Viva! Viva! São Filipe!
1 comentários:
Associo-me a esta bela e justa homenagem à cidade de São Filipe. Nunca tive oportunidade de a visitar, mas é um desejo que gostaria de ver concretizado, porque é sem dúvida uma urbe com lugar de destaque na história do território.
Sobre o padre Simões, quando comecei a ler esta crónica pensei que foi quem me leccionou a disciplina de Religião e Moral nos dois primeiros anos do liceu. Mas concluí que não depois de ler que " em meados de 50, ei-lo de regresso ao Fogo que só deixaria nos finais da década de 60, rumando para Mindelo. Aí se fixou até à independência das ilhas." É que esse padre meu professor foi-o em meados dos anos 50 e pertencia aos Salesianos. O problema é que retenho na memória o nome Simões ou algo parecido. Oxalá ele não tenha sido "escorraçado pela arruaça e canalhice" depois de 1974, conforme receia o Professor José Fortes Lopes, o que infelizmente aconteceu a muito boa gente só por causa da cor da pele ou por ser da metrópole.
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