Afinal é má-língua

sexta-feira, 2 de junho de 2023

 

 

   Enviado por um amigo e conterrâneo com quem partilho ideias sobre várias questões, nomeadamente, as que dizem respeito à língua portuguesa, segue um texto de autoria de Appio Sotomayor do Jornal «O Templário» de Tomar.  Um texto com humor e com muita ironia e  é assim que deve ser lido e percebido.                                                                 

Imaginava eu, na minha ingénua ignorância, que tinha umas noções correctas sobre a minha língua natal. Na verdade, noutros tempos o ensino do Português era encarado como fundamental. Durante o secundário, por exemplo, era tido como a disciplina número um. Afinal, como tudo munda no destino e na vida, cheguei, em tempos mais recentes, à conclusão de que ou a língua mudou ou eu me deixei ultrapassar pelas novas descobertas.

Vamos a exemplos: numa reportagem da TV, foi explicado que uma jovem se salvou de afogamento num mar um tanto revolto porque sempre se “manteu” agarrada à prancha da natação. Pensei eu tinha sido gralha, mas o locutor repetiu mais vezes a expressão.

Passados dias, uma figura com algum nome nas letras, ao evocar uma escritora cujo centenário se comemora este ano, revelou que esta tinha dotes de quase-profetisa e “anteveu” casos que só ocorreram anos depois. E insistiu que a senhora “anteveu” uma data de coisas.

Desta forma, quando ouvi um cavalheiro ligado ao Governo opinar que uma determinada comissão “comporia-se” de uns tantos membros, concluí que de facto alguma coisa mudara!

Outra fantasia que me foi ensinada dizia que a língua portuguesa tinha como primeira base o latim. Ora, pelo que tenho sabido recentemente, afinal é ao inglês que temos de ir buscar as raízes. Por exemplo: noutros tempos, dizia-se “sine die”, como sinónimo de ausência de uma data fixa. E jurávamos que a expressão era latina. Mas há locutores a pronunciar “saine dai”, mostrando que tudo vinha da Grã-Bretanha. E até vi num jornal, a propósito de um óbito, que se aplicava ao caso a “fórmula britânica RIP”. Deve ser, portanto, “in peice”!

Também a referência aos meios de comunicação fez história.

Usou-se a palavra “media”, que alguns ingénuos supunham ser o plural do latim “medium”, sinónimo de “meio”. Mas a verdade é que hoje toda a minha gente pronuncia “mídia”. Inglês, claro!

Aliás, o inglês, transformado em língua universal, vai substituindo gradualmente o nosso velho português. Desde o Museu da Imprensa se chamar “News Museum” até uma barbearia das minhas imediações se intitular “Barber shop”, vamos adquirindo estes novos conhecimentos.

Por tudo isto, penso no Sr. Peres, na D. Alice Lopes, no Dr. António Sousa, no Prof. Faustino Costa, na Dra. Maria Helena Machado – que tentaram ensinar português à gente do meu tempo em Tomar. Se pudesse dar-lhes um conselho, pediria para não pensarem em ressuscitar. Morreriam outra vez logo a seguir. Desta vez, seria de susto! A língua em que eram peritos transformou-se má-língua.

Appio Sottomayor

 

In: Jornal «O Templário» de 1 de Junho de 2023

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