Enviado por um amigo e conterrâneo com quem partilho ideias sobre várias questões, nomeadamente, as que dizem respeito à língua portuguesa, segue um texto de autoria de Appio Sotomayor do Jornal «O Templário» de Tomar. Um texto com humor e com muita ironia e é assim que deve ser lido e percebido.
Imaginava
eu, na minha ingénua ignorância, que tinha umas noções correctas sobre a minha
língua natal. Na verdade, noutros tempos o ensino do Português era encarado
como fundamental. Durante o secundário, por exemplo, era tido como a disciplina
número um. Afinal, como tudo munda no destino e na vida, cheguei, em tempos
mais recentes, à conclusão de que ou a língua mudou ou eu me deixei ultrapassar
pelas novas descobertas.
Vamos
a exemplos: numa reportagem da TV, foi explicado que uma jovem se salvou de afogamento
num mar um tanto revolto porque sempre se “manteu” agarrada à prancha da
natação. Pensei eu tinha sido gralha, mas o locutor repetiu mais vezes a
expressão.
Passados
dias, uma figura com algum nome nas letras, ao evocar uma escritora cujo
centenário se comemora este ano, revelou que esta tinha dotes de
quase-profetisa e “anteveu” casos que só ocorreram anos depois. E insistiu que
a senhora “anteveu” uma data de coisas.
Desta
forma, quando ouvi um cavalheiro ligado ao Governo opinar que uma determinada
comissão “comporia-se” de uns tantos membros, concluí que de facto alguma coisa
mudara!
Outra
fantasia que me foi ensinada dizia que a língua portuguesa tinha como primeira
base o latim. Ora, pelo que tenho sabido recentemente, afinal é ao inglês que
temos de ir buscar as raízes. Por exemplo: noutros tempos, dizia-se “sine die”,
como sinónimo de ausência de uma data fixa. E jurávamos que a expressão era
latina. Mas há locutores a pronunciar “saine dai”, mostrando que tudo vinha da
Grã-Bretanha. E até vi num jornal, a propósito de um óbito, que se aplicava ao
caso a “fórmula britânica RIP”. Deve ser, portanto, “in peice”!
Também
a referência aos meios de comunicação fez história.
Usou-se
a palavra “media”, que alguns ingénuos supunham ser o plural do latim “medium”,
sinónimo de “meio”. Mas a verdade é que hoje toda a minha gente pronuncia
“mídia”. Inglês, claro!
Aliás,
o inglês, transformado em língua universal, vai substituindo gradualmente o
nosso velho português. Desde o Museu da Imprensa se chamar “News Museum” até
uma barbearia das minhas imediações se intitular “Barber shop”, vamos
adquirindo estes novos conhecimentos.
Por
tudo isto, penso no Sr. Peres, na D. Alice Lopes, no Dr. António Sousa, no
Prof. Faustino Costa, na Dra. Maria Helena Machado – que tentaram ensinar português
à gente do meu tempo em Tomar. Se pudesse dar-lhes um conselho, pediria para
não pensarem em ressuscitar. Morreriam outra vez logo a seguir. Desta vez,
seria de susto! A língua em que eram peritos transformou-se má-língua.
Appio
Sottomayor
In:
Jornal «O Templário» de 1 de Junho de 2023
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