O
texto que se segue é da autoria de Francisco Fragoso - médico de profissão e
escritor, - e que versa sobre a Língua
portuguesa, ou melhor, sobre o ser cabo-verdiano bilingue, “enformado vivamente”
nas duas Línguas, a cabo-verdiana e a portuguesa, como afirma o autor.
Por se
coadunar com a linha dos textos aqui publicados; com a devida vénia ao autor, deixo ao leitor do “Blog” o registo,
para uma leitura prazerosa e muito apelativa.
NASCI
BILINGUE!
“Ser
culto és el único modo de ser libre” José MARTÍ
Nasci bilingue.
Bilingue
Hei de
morrer!
Duas
Línguas
A
Cabo-verdiana E A Portuguesa
Enformaram
(e enformam, enformando), vivamente (e para sempre), a nossa Matriz Linguística
desde o berço, numa harmonia perfeita! Ainda bem! Um primoroso CONÚBIO,
arvorando-se, numa assunção, quão nobre, singular e assaz Bela! Nascemos, no
seio de uma família (genuinamente), bilingue, que nos orientou (avisada e
inteligentemente), nos meandros desta matriz linguística (naturalmente inata).
Eis porque, desde a tenra idade tivemos o privilégio de ser educado (com acerto
e determinação), de modo (dialeticamente), correcta e consequente, na
performance em que esteiam estes dois belos idiomas. Concretamente, no atinente
à Língua Portuguesa, a nossa saudosa avó materna (Maria do Rosário Cardoso),
com esclarecido apoio dos meus pais, preparou-nos (com um rigor certeiro), pois
que nos ensinou esta maravilha, que é, efectivamente a Língua Portuguesa (na
sua vera complexidade), como, aliás, deve ser ensinada uma Língua, ou seja,
como língua primeira, utilizando para o efeito, como instrumento de iniciação
adequada, (sempre), actual e apropriada, neste caso em concreto (da Língua
Portuguesa), que é, realmente a Cartilha Maternal da lavra e autoria do Egrégio
Poeta e Pedagogo Luso: João de Deus (1830-1896) Daí, evidentemente, a nossa
robusta e sólida competência, numa Língua, que é a Criação mais esplendorosa e
irradiante de Portugal! De feito, o nosso Ensino da Língua Portuguesa foi
conduzido com recursos ponderados e pertinentes oriundos de conhecimentos
sazonados, visando a formação da nossa inteligência e intelecto, da nossa
sensibilidade, do nosso imaginário, do nosso pensamento, da nossa capacidade de
julgar, argumentar, deliberar e assumir responsabilidades profissionais,
culturais e cívicas, para que o nosso, futuro não fosse o de um homem (pós-humano) . . .
Sim, efectivamente recebemos saberes básicos que nos proporcionaram adquirir
competências e instrumentos necessários para que pudéssemos participar
(responsavelmente), na vida cívica da nossa Comunidade de pertença (e não só),
como cidadãos conscientes da dignidade e das limitações da nossa Humanidade!
Lisboa, 27 Maio 2023
Francisco
Fragoso
Médico,
Pensador, Dramaturgo e Intelectual Cabo-verdiano.
In:
Jornal «A Nação» de 1/06/2023
2 comentários:
Começo por dizer que o Francisco Fragoso é viúvo de uma prima minha (prima direita do meu pai, mas que era da minha idade e foi colega no liceu). Nunca tive oportunidade
de o conhecer senão através de um ou outro escrito da sua lavra.
Todos nós nascemos bilingues como ele, presos na mesma confusa malha linguística porque não se trata de duas identidades linguísticas distintas mas de duas línguas com fortes laços de parentesco, em que uma só pode ser mãe da outra.
Não posso dizer que eu tenha tido uma forte influência familiar a impor-me uma vinculação mais estreita à língua portuguesa, a não ser quando o meu pai me admoestava ou orientava (sempre em português) ou os meus avós paternos me chamavam a atenção para a necessidade de falar sempre em português quando os visitava. Mas que não servia de nada porque mal saía à rua regressava ao universo crioulo dos meus companheiros de futebol de rua ou de "coboiadas".
Mas será que a influência familiar era muito determinante na nossa aprendizagem linguística? Não tenho bem a certeza. E a dúvida surge-me sempre quando recordo que o melhor aluno na minha 4ª classe era de origens bem humildes, não sendo nada provável que os seus pais tivessem tido qualquer influência na sua aprendizagem da língua portuguesa. Ele não dava erros gramaticais nas redacções e falava desenvoltamente quando respondia sobre qualquer questão. O apelido dele era Leite, bem me lembro, e morava nos subúrbios da cidade, creio que na zona de Monte Sossego. E como era filho de gente humilde, deve ter-se ficado pela instrução primária porque nunca o vi no liceu e não creio que tenha ido para a Escola Técnica. Talvez para a Oficina do Estado, na Pontinha. Ele era um miúdo muito inteligente, o melhor da classe, e, no entanto, não prosseguiu os estudos! Nunca me esqueci dele, apesar de nunca mais o ter voltado a ver. E, além do mais, era de muito boas maneiras, muito educadinho. Ainda trago na memória a sua fisionomia infantil.
Reafirmo que não considero bem esclarecidas as razões que justificam a maior dificuldade que desde há alguns anos passou a verificar-se no ensino e na aprendizagem do português. Se citei o caso do meu antigo colega da primária é porque o considero paradigmático. Se nos quisermos ater simplesmente às condições materiais de aprendizagem e à influência do ambiente familiar, é indiscutível que a situação passou desde há alguns anos a ser bem mais favorável aos alunos das gerações actuais: pais e familiares mais escolarizados; maior acesso a livros ou capacidade de os adquirir; e sobretudo uma influência de meios audiovisuais sem precedentes, que ao longo do dia tende a familiarizar as pessoas com notícias, telenovelas e entretenimentos transmitidos em português.
Pode parecer excessivo ou abusivo que o diga, até porque difícil de comprovar a real extensão dos seus efeitos, mas creio que depois da independência nacional o uso da língua portuguesa passou a ser como que ostracizada ou olhada preconceituosamente por certos sectores de um nacionalismo enviesado. Não de uma forma clara ou ostensiva, mas há muitas formas de matar pulga, como se diz na gíria popular. O efeito psicológico pode ser mais
pernicioso e difícil de reverter do que se pode pensar.
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Corrijo um erro de concordância gramatical no texto do meu comentário: "o uso da língua portuguesa passou a ser como que ostracizada ou olhada preconceituosamente por certos sectores de um nacionalismo enviesado". Deve ficar: o uso da língua portuguesa passou a ser como que ostracizado ou olhado preconceituosamente por certos sectores de um nacionalismo enviesado.
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