Decididamente,
não vou falar do autor cuja biografia, na parte que interessa, consta deste
livro.
António Manuel
Mascarenhas Gomes Monteiro era, profissionalmente, ou de formação, jurista; um
homem público sobejamente conhecido, primeiro pelas funções que desempenhou como
o mais alto magistrado da Nação durante dez anos consecutivos graças a uma
muito abrangente maioria de cabo-verdianos – cerca de 75% – o ter escolhido
pessoalmente para ser o seu Presidente da República. E depois, por ter
merecido, no seu passamento, quiçá, a mais alargada – todos os escalões sociais
– onda de homenagem do País a um seu dilecto filho.
Iriamos falar,
outra vez, do homem de fino trato, afável e simpático, discreto, amigo do seu
amigo, honrado e honesto, leal, vertical, íntegro, culto e erudito, humanista, estadista
de corpo inteiro, diplomata de mão cheia, impoluto e dedicado servidor público.
Politicamente, acima de tudo um fervoroso amante da liberdade e um democrata
convicto – uma convicção assente em princípios e valores de dignificação e
elevação da pessoa humana e não em formatadas ideologias partidárias. Portanto,
absolutamente nada iria acrescentar ao que os senhores já não soubessem.
Vamos, portanto,
ao assunto que me traz aqui – o livro.
O livro
“Mascarenhas Monteiro – Discursos e Mensagens (1991 – 1996) é composto de 105
temas, ou melhor, títulos, classificados como Discursos, 85, Mensagens 16,
Intervenções 3 e Conferência 1, distribuídos ao longo dos cinco anos que
constituíram o 1º mandato de Mascarenhas Monteiro.
É um livro de
cariz manifestamente político. E também histórico, porque cada assunto é
devidamente datado e contextualizado. Todos os temas são densos, porque
escritos para uma ocasião específica sintetizando sempre, deste modo, uma série
de pertinentes mensagens; e calendarizados, por se referirem a ocorrências ou
eventos fixados num tempo e num espaço bem determinados. Cobre, [o livro] por isso, um largo espectro
de assuntos que constituem matéria de interesse da população, da sociedade no
seu todo, abrangendo assim, obviamente, a da governação e administração do
País.
É de leitura
fácil porque escrito numa linguagem simples, normalmente acessível ao seu
destinatário directo e aos que têm interesse na matéria; esta facilidade de
leitura também se verifica pela descontinuidade no tratamento dos diferentes
temas – não há conexão entre eles – servido por um índice cronológico. Isto é,
os assuntos estão ordenados de acordo com a data de ocorrência.
É uma escrita
para oralidade, para se dizer em voz alta, daí as marcas da oralidade que
surgem na decorrência dos textos e, por vezes, na repetição de diversos termos
e expressões e na presença, quiçá, profusa, dos chamados articuladores de
discurso.
Para fazer a
apresentação propriamente do conteúdo do livro, seria bom contextualizá-lo no decurso
de um mandato marcado por vários acontecimentos, alguns bem relevantes da vida
social e política do País.
Podemos citar de
caminho, e quase de cor, a nova Constituição oriunda de uma Revisão
constitucional e os problemas decorrentes da sua promulgação, a cizânia no seio
do Partido do Governo (MpD); a crise com Angola que obrigou ao envio de uma
missão para normalizar a situação, a demissão de ministros dissidentes, a
formação de um novo partido (PCD); o surto da cólera, as erupções do vulcão do
Fogo, entre outros acontecimentos.
É bom ter
presente que no nosso sistema jurídico-constitucional o PR não governa, não é
executivo, e pela própria índole do Presidente Mascarenhas Monteiro, não se
intromete publicamente nos assuntos que não são da sua esfera legal de acção,
designadamente, os estritos de governação ou de natureza político-partidária.
Contudo, isto não
o inibe nem o estorva de aproveitar as suas obrigações públicas e protocolares para
apresentar as suas ideias e fazer passar as suas mensagens em matérias que lhes
são caras e que constituem preocupações da sociedade, sobretudo quando são das
camadas mais carenciadas que lhe merecem sempre cuidados acrescidos.
Entusiasta da
nova ordem em Cabo Verde e convicto das virtualidades da democracia afirma
peremptoriamente (cito): Tenciono apoiar todas as iniciativas que visam a
edificação em Cabo Verde de uma sociedade de tolerância, de liberdade e de
solidariedade. Importa desenvolver no povo, nas camadas juvenis em particular,
a crença nos valores fundamentais da democracia, do humanismo e da justiça,
numa sociedade que coloque o homem no centro das suas preocupações, com igual
dignidade para todos e onde prevaleça a liberdade e o respeito pelos direitos
fundamentais do homem. (pág. 31).
Este sentimento,
aliás como outros dos quais abordarei adiante, ainda que de forma muito breve, acompanha
de modo explícito ou com discreta subtileza, transversalmente
todos os seus discursos. E é nesta linha de repetição de diversas formas e em
várias situações que ele não se cansa de avisar (cito) ”continuamos, é
certo, a ser um país pobre, dependente da cooperação internacional e vítima das
agruras da natureza”. A esta constatação reveladora de um inquestionável realismo
acrescentou algumas vezes: (cito) “o que largamente compromete a capacidade
endógena de construir o desenvolvimento” o que, acrescentaria eu, contrasta
com o triunfalismo ingénuo ou, quiçá, narcisístico, daqueles
que falam de um país já viabilizado quando, ao longo destes quase 50 anos de
independência não conseguimos fazer passar um único orçamento sem a ajuda da
cooperação internacional.
Vem ao de cima,
outra vez, o bom senso de Mascarenhas Monteiro ao concluir que [cito]: É
minha convicção que, nesta tarefa de viabilização do país, um papel de
primeiro plano está reservado aos operadores privados… [fim de citação – o
negrito é meu] Deste jeito, volta a pôr nos carris, que não só a viabilização é
ainda um processo em construção como um certo liberalismo será o caminho.
Mas o aviso de Mascarenhas
Monteiro e as suas sensatas e pragmáticas observações são de sinal pedagógico e
constituem um alerta aos nossos gestores públicos de contenção e rigor na
gestão da coisa pública ao recomendar [cito]: saibamos aplicar de forma
rigorosa os recursos que vamos conseguindo mobilizar, a bem de toda a população.
Um outro assunto
constante da agenda mundial e muito caro a Mascarenhas Monteiro e que ele tratou
de forma, por vezes, redundante mas sempre com a ideia de complementaridade, ao
longo de muitas intervenções neste seu livro, são as alterações climáticas e o
ambiente que ele considera que [cito] “Infelizmente, em Cabo Verde a
problemática do meio ambiente não ocupa ainda o merecido e urgente lugar no
conjunto dos empenhamentos da generalidade dos cidadãos, pelo que se torna cada
vez mais necessária uma acção pedagógica de fundo em ordem ao desenvolvimento
de uma consciência colectiva sobre tão grave problemática. Direi mesmo [repetiu]
uma consciência colectiva sobre tão grave problemática. [fim de citação]
Mas, logo de
seguida o seu pragmatismo e, sobretudo, a sua busca de equilíbrio, vem ao de cima
e conclui: [cito] “É certo, há que reconhecê-lo, que existe uma certa
interdependência entre esses comportamentos e o nível de vida da população,
especialmente a pobreza existente, a qual obriga a soluções que relegam para um
plano secundário quaisquer considerações de ordem ambiental”. E vai mais
longe: “Os países que têm maiores recursos e cujas economias se desenvolveram
com prejuízo das condições ambientais devem poder contribuir com meios
humanos, financeiros e tecnológicos, no sentido de ajudarem os países não
industrializados a prosseguir políticas e programas de desenvolvimento
consentâneos com as medidas requeridas para uma boa gestão ecológica e
ambiental. (Fim de citação, o negrito é meu)
E ainda nesta
linha, tem várias e diversificadas intervenções incluindo a desertificação e a
seca no Sahel e noutras regiões do Globo bem como o papel que considera
importante do CILSS na nossa sub-região. A este propósito lembra as nossas
mulheres e o seu sacrifício e diz: (cito) “Há que ter presente que, de forma
mais vincada no Sahel do que em outras paragens, o papel da mulher é essencial,
designadamente em virtude dos fenómenos da desertificação e da emigração que
fazem aumentar as suas responsabilidades. E num outro passo, conclui: [cito]:
Certo é que a mulher está na base de todas as actividades geradoras da vida;
certo é que ela está na primeira linha da procura do bem-estar familiar. E
avança:
“Eis assim um
leque de responsabilidades que, objectivamente, obrigam a um interesse
acrescido pelo estatuto da mulher no Sahel e militam a favor da sua formação,
do seu acesso à terra, aos meios de produção e ao crédito. (fim de citação)
Uma outra matéria
que o empolgava e merecia a sua particular atenção e de que trata profusamente
neste seu livro é a cabo-verdianidade que ele considera o mais poderoso
instrumento do povo cabo-verdiano na sua luta para a afirmação da sua
identidade. E é nesta linha que nos diz: [cito] “É esta ideia de
cabo-verdianidade, esta consciência comum sedimentada através de usos,
costumes, hábitos, linguagens e outras formas de cultura, que constitui o
elemento aglutinador de toda a Nação cabo-verdiana e que nos define como povo.”
[fim de citação]
E neste
particular considera “Baltasar Lopes da Silva um verdadeiro paladino
e paradigma da cabo-verdianidade” pela “postura humanista e
universalista do seu pensamento, o seu entranhado apego à mamãe-terra, o
reconhecimento generalizado da sua grande capacidade tanto interna como
externamente.”(fim de citação) E fazendo jus ao seu conceito de
cabo-verdianidade acaba por identificar, para além de Baltasar Lopes da Silva
outras figuras brilhantes e, [cito] “ilustres que souberam lançar as
bases da cabo-verdianidade, abrindo caminhos que contribuíram para a nossa
afirmação como povo dotado de identidade própria, nomeadamente nos domínios da
criação artístico-literária, da investigação, da cultura e do magistério. São elas [as figuras]: Eugénio Tavares, José
Lopes, Pedro Cardoso, Manuel Monteiro Duarte e Januário Leite”. E conclui:
“os concidadãos que hoje distinguimos, a título póstumo, têm em comum um grande
amor a esta pátria nossa e merecem ser apontados à juventude de hoje para uma
vida de dignidade e de dedicação ao país.” ( fim de citação)
E para que não
haja más interpretações na distinção concedida a essas figuras que fora
devidamente justificada através de uma breve memória descritiva das respectivas
razões, Mascarenhas Monteiro alerta que “De todo o modo, o que importa não é
sobressaltar o passado com um olhar julgador, mas outrossim, adoptar uma
perspectiva serena e solidária que, permitindo-nos tirar dele as mais
judiciosas lições, nos ajude a enfrentar o futuro com o optimismo e segurança.”
O que para mim, é o mesmo que dizer que a História não se julga, analisa-se e
tiram-se as devidas ilações. Aliás, é o que se infere num outro trecho desta
sua obra, ao afirmar que: [cito] “Assiste-nos o direito de interpretar e
compreender, [a História] e não de julgar, o que impõe uma análise dos
circunstancialismos de cada etapa e das formas humanamente possíveis a cada um
colocar a sua pedra no edifício da cabo-verdianidade.” (Fim de citação)
Ao falar de
História, somos automaticamente transportados para o 5 de Julho – a data
histórica da Independência Nacional. Esta data, ao longo do livro foi evocada e
celebrada pelo menos cinco vezes, as correspondentes aos 5 anos do
mandato. Sobre a efeméride diz-nos Mascarenhas
Monteiro que: [cito] “A independência nacional é resultado de uma gesta
colectiva e, como tal, património de todos e de cada um dos cabo-verdianos, sem
distinções. E acrescenta:
“Tal luta não se
fez numa única frente nem se desenvolveu de um só lance, antes concitou
contribuições as mais diversas em etapas diferentes, porquanto se tratava de um
processo progressivo de afirmação e assumpção, primeiro do que tudo, da
identidade cabo-verdiana, seguindo-se mais modernamente, o cerrar de fileiras
em prol do direito à autodeterminação e à independência. [E continua:]
“Trata-se, na
verdade, de um processo complexo que importa, aliás, ser melhor conhecido e
estudado, já porque persiste neste domínio um acentuado défice de conhecimento
do passado, e designadamente um conhecimento feito com verdade histórica e não
com voluntarismo ou intenções maniqueístas.” Isto
tudo, “tendo em vista uma história que não se reduza à soma, e muito menos à
subtracção, de histórias individuais, por exemplares ou desabonatórias que elas
tenham sido, segundo os pontos de vista ou as conveniências”.
Ora chegado a
este ponto não nos custa muito assumir que a História contada na primeira
pessoa não merece integral credibilidade histórica. Tem sempre algo de história,
é certo, mas muito de ficção. Aliás, quem nos deixa assim entender é, primeiro,
o ilustríssimo escritor, poeta,
ensaísta, pensador Jorge Luís Borges que afirma que “História não é o que
sucedeu, mas o que pensamos que tenha sucedido” que de certa forma é
corroborado pelo igualmente distinto escritor, poeta e ensaísta moçambicano Mia
Couto que nos diz no seu livro de crónicas “O Universo num Grão de Areia” que “memória
não é exactamente o que se lembra mas o que se inventa”; e, finalmente, o saber
popular que nos alerta para o facto de “quem conta um conto acrescenta-lhe
um ponto”. Concluindo, a História
tem de estar bem fundamentada em provas e factos, e não em narrativas avulsas.
A independência é
um marco muito importante, mas um valor estritamente político, como o é, a
autonomia, o protectorado, o federalismo, e por aí adiante, enquanto a
liberdade é um valor ético consignado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos e inerente à condição humana. Um valor, é bom registá-lo, que
formalmente [autodeterminação] permitiu a nossa independência como bem frisou Mascarenhas
Monteiro e nos foi de seguida negado no próprio dia 5 de Julho de 1975 fazendo
jus a um determinado legado da generalidade dos chamados pais fundadores da
independência – partido único, ditadura, centralismo democrático (leninismo),
pensamento único, autoritarismo, violência, censura, repressão, negação de
liberdade, etc. etc – do qual só
nos livramos a 13 de Janeiro de 1991 e
que permitiu, de acordo com o próprio Mascarenhas Monteiro, o aparecimento pela
1ª vez na História de Cabo Verde de dirigentes livre e democraticamente
escolhidos. Não estou a julgar, apenas a constatar os factos.
É este regime
instalado a 13 de Janeiro de 1991 que fez de Mascarenhas Monteiro o 1º
Presidente da República de Cabo Verde democraticamente eleito, de que, segundo
o próprio, muito se orgulha e mais o honra, e que ele no seu livro não se inibe
de exaltar.
É bom salientar
que em todo o livro não detectámos uma só menção explícita de desabono à I
República. As críticas, se existem, são muito
veladas e surgem pelo contraponto ao superlativar a liberdade, a democracia e o
pluralismo como alavanca para o desenvolvimento e bem-estar, como poderemos
verificar pelas suas seguintes afirmações:
·
“a democracia
pluralista é o sistema que melhor serve os interesses dos povos e que está
melhor vocacionado para a realização da justiça social e do progresso.
·
“Vamos lutar
para que se institua em Cabo Verde uma sociedade cada vez mais livre, dotada de
um regime que coloque o homem no centro das suas preocupações e que faça da
dignidade da pessoa humana o fim último do exercício do poder.”
·
É através
dos esforços de progressiva democratização do país que serão reassumidos os
valores tradicionais da sociedade cabo-verdiana.
·
A minha
mensagem é ainda uma mensagem de esperança nos valores e nas virtualidades da
democracia, cuja consolidação e florescimento poderão abrir perspectivas
excepcionais para o desenvolvimento económico e social e consequentemente para
a promoção do bem-estar material e espiritual das populações.
·
Estão assim
criadas condições para uma revigorada caminhada em prol do desenvolvimento e do
bem-estar das populações, num quadro alargado de participação e dinamismo da
sociedade civil, realizando plenamente as virtualidades do sistema democrático.
·
A liberdade
de imprensa é um dos critérios para definir se um regime é democrático ou não.
Ela é, antes de mais uma liberdade dos cidadãos…
·
Na verdade,
a instalação do regime democrático significou o reacender da esperança e, na
fase em que nos encontramos, é necessário que o povo tenha razões para
acreditar na democracia e assim participe na tarefa quotidiana da sua
consolidação.
·
Tratou-se
[opção pela liberdade e democracia] de um período que marcou todos os
cabo-verdianos, tendo acordado neles a esperança num futuro de mais liberdade e
justiça, mas igualmente de mais e melhores condições de vida.
·
Tenho já
repetidas vezes afirmado que o advento da democracia acordou nos cabo-verdianos
a esperança de um futuro melhor.
E por aí fora não
faltam loas ao regime pluralista e democrático.
Contudo, para que
o regime seja mesmo pluralista e democrático – é Mascarenhas Monteiro quem o
diz – tem de haver partidos políticos e uma oposição legal e institucionalizada.
Sobre esta matéria não há quaisquer derivas e é categórico abordando primeiro
os partidos para logo a seguir se referir à oposição. E tece, desta forma as
suas considerações:
·
Na verdade,
não se afigura razoável perspectivar uma democracia sem partidos políticos.
·
Neste novo
ambiente em que vivemos não pode perder-se de vista a importância dos partidos
políticos. Eles são factores essenciais de qualquer sociedade verdadeiramente
democrática e moderna, o que deriva, desde logo, do seu papel na formação da
vontade popular e na organização do poder político.
·
… … …,
impõe-se como necessidade ao jovem regime democrático, valorizar e dignificar
os partidos políticos, tarefa essa da qual o próprio Estado não pode alhear-se.
Pelo contrário, deve contribuir para a criação de condições necessárias à
normal e plena intervenção daqueles.
E relativamente à oposição e o seu
papel avança:
·
Neste
contexto, é de realçar o papel que a oposição, agora legal e
institucionalizada, pode desempenhar enquanto factor importante e indispensável
para o funcionamento de qualquer democracia.
·
Igualmente,
no âmbito da consolidação da democracia deve ser perspectivado o papel da
oposição, de quem se espera seja leal e construtiva, o que não significa
abdicar do seu direito à crítica e à luta pelo poder.
·
Todos
desejamos que a oposição desempenhe o seu papel com firmeza e determinação, no
quadro aliás, do seu estatuto legalmente aprovado. E assim é, justamente porque
todos reconhecemos que o funcionamento normal de uma democracia é
tributário de uma oposição forte e participativa.
Os trabalhadores
organizados não foram esquecidos:
“Necessário se
torna afirmar que os trabalhadores e as suas organizações representativas,
enquanto actores e parceiros privilegiados do processo de desenvolvimento,
devem estar na primeira linha do esforço nacional em vista de uma sociedade de
progresso e justiça social, de concórdia e tolerância, mas também de exercício
pleno do direito de participação num quadro de integração e jamais de exclusão,
na certeza de que a unidade nacional deve ser sempre preocupação de todos os
cidadãos deste país pequeno e frágil.”
Através do livro percebe-se,
sem grande esforço, a intenção de Mascarenhas Monteiro em ajudar e apoiar o
Governo ao divulgar as suas realizações. Manifestações a este respeito em que
se assiste o empenhamento do Presidente em mostrar trabalho do Governo são bem
patentes à medida que se entra no espírito das mensagens, de onde extraio duas
ou três intervenções alusivas: [a seguir transcritas]: [Diz Mascarenhas
Monteiro]:
· … … … transformações vêm sendo, entretanto,
introduzidas nos mais diversos campos da vida sócio-política do país. No campo
económico, igualmente, o Governo da II República tem um programa novo, que
deverá estimular, em novos e mais adequados moldes, a economia do país e a sua
inserção na economia internacional. [E acrescenta a seguir]:
·
… devo
exprimir o meu apreço por algumas medidas já tomadas, como sejam as relativas
ao crédito habitação, ao fomento de iniciativas empresariais e ao chamado
cartão jovem. [para continuar]:
·Temos já
identificados projectos e programas que conduzirão à completa transformação do
país no sentido do progresso e da modernidade, tanto no plano da
infra-estruturação, como no que se refere à eficácia do aparelho de Estado … … …
Verifica-se, pois
o esforço do Presidente em criar um ambiente de concórdia e estabilidade para o
bom funcionamento das instituições mostrando o seu elevado apreço a estabilidade.
É ele que a este respeito refere:
·
A defesa da
estabilidade não tem, pois, um mero valor retórico. Ela é condição de
funcionamento do país e da realização do bem-estar colectivo. [e depois]
·
Num país
como o nosso, a estabilidade e o correcto funcionamento das instituições devem
ser garantidos sempre, pois toda e qualquer perturbação, por pequena que seja,
reflecte-se nos mais diversos sectores de actividade, prejudicando a
produtividade e os nossos frágeis equilíbrios. [e fecha, afirmando que…]
·
Isto é
especialmente acertado num país como o nosso, cujas carências e fragilidades
estruturais obrigam a erigir como um valor cimeiro a defesa constante da
estabilidade, por forma a que energias nacionais e os parcos recursos que
dispomos sejam inteiramente investidos na ingente tarefa de construir o desenvolvimento
do País.
E é precisamente
a manutenção desta estabilidade que ele muito preza e considera fulcral para o
bom funcionamento do país, pelas razões acabadas de enunciar, que toma, quiçá,
a decisão mais difícil do seu mandato – promulgação do texto constitucional.
Na verdade, este
assunto mereceu do Presidente Mascarenhas Monteiro uma mensagem dirigida à
Nação que se encontra nas páginas 113 a 118 deste livro cuja leitura cuidada e
atenta recomendo, porque obrigatória para todos aqueles que se interessam por
este tipo de assunto.
Acontece que a
nova constituição surge, não de uma “constituinte” eleita para o efeito, mas de
uma revisão constitucional que, ao que parece, não estabelecia limites à sua
revisão, isto é, linhas vermelhas para esse efeito. Este facto acaba por conferir a nova
constituição, a meu ver, a mesma lógica da constituição anterior – reflectir o
ponto de vista de um só partido, desta feita, do MpD. É com este sentimento que
o Presidente Mascarenhas Monteiro nos diz (cito): “em devido tempo tive a
oportunidade de intervir publicamente, chamando a atenção para a necessidade de
debate e consenso, por forma a que a Constituição da República reflectisse a
sociedade cabo-verdiana por inteiro, assim acautelando-se um horizonte temporal
alargado.
Igualmente “lamenta
verificar que o texto aprovado não tenha acolhido o sentir da sociedade civil
quanto a uma questão tão sensível, qual é a do estatuto do Presidente da
República. (fim de citação)
Acontece que ele
foi eleito à luz de uma constituição que lhe conferia certos poderes; e, não
obstante ter sido o órgão que acolheu a mais ampla maioria – mais de 74% do
voto popular – não terá sido escutado e foi, como diz, “esbulhado do
essencial desses poderes”.
Explica bem as
razões por que acaba por promulgar o texto constitucional. E estas, fruto de uma ponderação que põe os
interesses de Cabo Verde em lugar cimeiro, visam – ou visavam – essencialmente
“evitar crises ou situações de instabilidade, na certeza que só em concórdia
e tranquilidade poderemos construir um futuro que signifique a materialização
dos desejos de progresso e bem-estar para todos.
Apesar das queixas
e das mágoas que Mascarenhas Monteiro legitimamente justificou e apresentou,
não deixa, contudo, de, com a elevação e a dignidade que se lhe reconhecem, de
enaltecer a nova Constituição quando observa que: (cito)
“Nesta
presente circunstância desejo antes de mais afirmar que, independentemente da
análise que se possa fazer sobre o conteúdo do texto aprovado, constitui, na
verdade, um evento histórico de particular importância o facto de a Assembleia
Nacional ter elaborado para o país um texto constitucional que não apenas
reflecte o novo regime vigente em Cabo Verde, como igualmente acolhe
ensinamentos positivos e modernos da teoria e prática constitucionais a nível
internacional, particularmente no que se refere aos direitos, liberdades e
garantias.
Por esse facto
devemos todos regozijar-nos.” (fim de
citação)
Toda a polémica residual
à volta da nova Constituição, a meu ver, ter-se-á dissipado, com a revisão
constitucional de 2010 (?) em que todos os partidos com assento parlamentar
participaram, o que não reduz a dimensão histórica da mensagem do Presidente Mascarenhas
Monteiro na aprovação da Constituição de 1992.
Umas palavrinhas
rápidas sobre a nossa diáspora que nunca tivera do regime anterior qualquer
reconhecimento como parte activa da Nação cabo-verdiana, uma vez que lhe era
negado o exercício dos direitos de cidadania fora do território nacional. Mascarenhas Monteiro sem nunca citar este
facto dirigiu-se-lhe, no Congresso dos Quadros Cabo-verdianos da Diáspora, em
Junho de 1994, dando-lhe indicações seguras de que o novo regime, o País, a
considerava um importante activo e contava com ela para o seu processo de
desenvolvimento nos seguintes termos (cito): “A ampla representatividade
deste Congresso, a nobreza dos seus propósitos e a importância dos temas que
estão em debate autorizam-me a acreditar no início de uma nova era no
relacionamento entre Cabo Verde e a sua diáspora.” (O negrito é meu)
E acrescenta,
deixando subtilmente, mais uma vez, uma certa crítica ao regime anterior:
“Se erros têm
existido, é necessário agora superá-los e extrair as lições devidas, na certeza
de que o tempo não joga a nosso favor nem tão pouco assiste a quem quer que
seja o direito de marginalizar ou desperdiçar recursos.
Todos e cada um
dos Quadros de Cabo Verde, residentes ou não no País, têm a sua quota-parte na
tarefa comum de realizar a nossa legítima aspiração a um desenvolvimento real e
durável.” (fim de citação)
O que, outra
coisa não é, do que dizer que a partir de agora, não há cabo-verdianos
dispensáveis!
O tempo já vai
longe e eu não gostaria de terminar esta apresentação sem falar da visita oficial
de Mascarenhas Monteiro aos Açores, em Novembro de 1991.
O texto é um
pequeno canto à cultura e à história. É o retrato de Mascarenhas Monteiro. É
que para além do incontornável texto político, – trata-se de uma visita oficial
– nele vamos encontrar com maior incidência, uma abordagem cultural/histórica.
E uma bem conseguida aproximação dos dois Arquipélagos – Açores e Cabo Verde –
num abarcar cultural que constituiu a linha de força da visita de Mascarenhas
Monteiro aos Açores.
Ao longo do seu
discurso Mascarenhas Monteiro aludiu à insularidade, à Condição de ilhéu, ao
cancioneiro poético da emigração, da partida e da saudade, temas que, como se
sabe, foram vertidos tanto na Literatura dos Açores como na Literatura cabo-verdiana.
Hiperboliza a insularidade quando, a determinada altura do seu discurso nos
diz: “Não constitui novidade para ninguém, se disser que o que mais aproxima
os dois povos, para além da língua e da história é a sua condição de ilhéu,
numa palavra, é a insularidade.”
E neste amplexo
cultural que une os dois arquipélagos, aproximou e citou Vitorino Nemésio,
Natália Correia, Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa como os expoentes mais
expressivos e mais emblemáticos dessa similitude literária que deram como
resultado a açorianidade e a cabo-verdianidade.
Faz uma pequena incursão
pela História ao estabelecer uma certa ligação entre Cabo Verde e os Açores no
processo das descobertas ao dizer: A própria cabo-verdianidade – fruto do
diálogo e da tolerância cultural e biológica entre a África e a Europa, já
desde os primórdios da 2ª metade do Séc. XV e num contexto islenho – existe com
algumas características que a identificam porque antes de Diogo Gomes e António
da Noli escalarem em 1460, a Ribeira Grande, já o piloto do Rei de Portugal
Diogo Silves, no ano de 1427, [uma das datas que se atribui à descoberta
dos Açores] tinha já escalado a Ribeira dos Flamengos. (fim de citação)
E a terminar faz
um apelo; um apelo que materializa e dá um sentido político e utilitário à sua
visita: “Espero que a minha visita possa abrir caminhos, descortinar
horizontes, traçar rotas para novas descobertas, não de terras mais além que já
não existem, mas de potencialidades de acções que possam aproximar os nossos
povos e desenvolver as nossas ilhas.” E diz mais: acredito na
fecundidade e sageza do nosso relacionamento e cooperação.
Finalizo, com uma
curiosidade: Durante o mandato de Mascarenhas Monteiro dezenas e dezenas de
projectos e iniciativas governamentais foram vetados no recato do seu Gabinete.
O relacionamento entre o Governo, designadamente, o seu chefe, Primeiro-Ministro,
e o Presidente era estreito, amistoso e convergente no que toca servir Cabo
Verde. E estas características facilitaram o entendimento político entre os
dois órgãos de soberania projectando a governação a um patamar de satisfação
plena que culminou com uma nova maioria qualificada, desta feita, não de
punição/rejeição do adversário, mas de consagração e de celebração de obra
feita.
Sobre este tema, ainda
na decorrência do 1º mandato, existe uma entrevista concedida ao “Correio
Quinze” de 30 de Novembro de 1994, conduzida pelo então jornalista Júlio Lopes
bastante esclarecedora, que, para finalizar mesmo, transcrevo um pequeníssimo
extracto alusivo:
– Correio
Quinze: Mas o Senhor Presidente tem feito isso de forma discreta e esta
acção não tem sido do domínio público…
– MM: Evidentemente.
O Presidente da República deve agir discretamente. O Presidente da República
não pode revelar à comunicação social as conversas que tem com membros do
Governo. Com o senhor primeiro-ministro, por exemplo, que vem cá regularmente,
ou com o senhor ministro tal ou com a senhora ministra tal. Seria, até, penso
eu, revelar coisas que não devem ser reveladas e isso seria, por vezes, até,
contraproducente.
– Correio
Quinze: Quer dizer que o senhor Presidente da República faz advertências ao
Governo?
– MM: Sempre que necessário, faço advertências
ao Governo, faço sugestões, faço os meus reparos sempre que necessário. Tomo a liberdade de fazer sempre que julgo
necessário. Só que estes reparos não podem ser feitos na via pública. Não posso
ir ao Cachito dizer “bom já disse ao senhor Primeiro Ministro isto, aquilo, ou
aqueloutro”…
– Correio Quinze:
Concretamente, em que domínios, em que
aspectos, o senhor Presidente já interveio?
– MM: Em vários domínios, em todos os domínios
da vida pública, o Presidente da República intervém. A minha acção é
quotidiana. Por não ser pública não [quer dizer que] deixa de existir. Existe.
A intervenção é quotidiana. É só ver a minha agenda. E discuto com as pessoas…
(Fim do extracto da entrevista)
A mim, – e seguramente
a mais outros amigos – Mascarenhas Monteiro disse-me muitas vezes: as pessoas,
por vezes, pensam que sou ou querem que eu seja oposição ao Governo. Eu não
posso ser oposição ao Governo. É meu dever ajudá-lo e apoiá-lo… Não estou
minimamente interessado que o Governo faça asneiras… Quem perde é Cabo Verde,
somos nós todos. E o que eu quero, é o bem-estar de Cabo Verde e dos
cabo-verdianos.
E então,
compreendi melhor e absorvi bem porque é que o sagaz Onésimo da Silveira o
considerava um aristocrata, [na política]. Não se referia à pertença a
nenhuma casta, mas à elevação, à nobreza e à grandeza do seu espírito.
Este livro é um
precioso documento histórico que interessa a qualquer investigador no domínio
da política, da história ou da sociologia. Reflecte de certa forma, os
excelentes resultados que derivam da simbiose – não cumplicidade –
institucional entre os órgãos de poder de Estado.
Muito Obrigado.
Praia, 20 de
Outubro de 2023
A. Ferreira
1 comentários:
EXCELENTE, EXCELENTE, EXCELENTE! É o que muito
sinteticamente me apetece dizer desta esmerada apresentação feita por Armindo Ferreira ao livro sobre o antigo presidente Dr. Mascarenhas Monteiro. A apresentação, enriquecida por pertinentes observações e explicitações, está ao nível do "aristocrata da política", como muito justamente caracterizou Onésimo Silveira o antigo presidente. Subscrevo-as integralmente, ou não exprimissem o pensamento e o sentimento de quem considera a democracia pluralista a única via para que Cabo Verde atinja os níveis de desenvolvimento e progresso com que o seu povo sonha.
povo merece.
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