Por Adriano Miranda Lima[i]
Entrevistado no programa “Tudo é
Economia” da RTP3, no passado dia 20 de Março, o Professor Jorge Braga de
Macedo afirmou que Portugal só consegue crescer e progredir com “boa governação”.
O senhor de La Palice não diria de modo diferente. Como se trata de um ilustre
académico e antigo ministro das Finanças, a minha expectativa foi ouvir-lhe
explicar e demonstrar com que linhas seguras se rege uma “boa governação”. Não
aconteceu nada disso. A expectativa era legítima porque os anos passam e não
descobrimos a bala de prata para a “boa governação”. Mas logo depreendi que o
Professor Braga de Macedo, estaria, subliminarmente, e tão-somente, a apontar
os governos de Cavaco Silva, de que ele fez parte, como o paradigma da boa
governação.
Ora, o Professor Braga de Macedo foi,
efectivamente, ministro das Finanças no XII Governo Constitucional, de Cavaco
Silva, no período de 1991 a 1993, tendo deixado o cargo ainda antes do meio da
legislatura depois de uma inspecção do Instituto de Financiamento da
Agricultura e Pescas (IFADAP) detectar infracções na obtenção de subsídios da
União Europeia a favor de familiares seus. Não por acaso, por alturas do ano de
1995, tive conhecimento, através do director do Centro de Emprego e Formação
Profissional de Tomar, de que uma das medidas imediatas do XIII Governo
Constitucional, de António Guterres, que tinha acabado de suceder a Cavaco
Silva, foi ordenar um rigoroso escrutínio à atribuição dos Fundos Estruturais,
dado o autêntico regabofe que rodeou o respectivo processo nos governos
precedentes.
Juntando as pontas para a
extrapolação que vai seguir-se, revisitei um youtube de 2009 em que a
procuradora Maria José Morgado, num programa televisivo, dava conta de um
número considerável de processos-crime sobre fraudes na atribuição dos Fundos
Estruturais ocorridas no passado e que, incompreensivelmente, acabaram
arquivados por prescrição em mais de 90% dos casos. Porém, já não escapou ao
crivo da justiça o caso do Banco Português de Negócios, instituição bancária
que nasceu graças às facilidades e vantagens permitidas a amigos e discípulos
de Cavaco Silva e que perpetrou a maior das fraudes do século XXI. Não é crível
que estes casos possam ser desvalorizados na avaliação objectiva de uma
governação.
Mas o conceito de boa governação
dificilmente reunirá consenso em contextos plurais. Diverge de Braga Macedo o
economista João Rodrigues, que, no seu livro “O neoliberalismo não é um
slogan”, desmonta o mito do bom governante reformista e explica que o projeto
político de Cavaco Silva, por aquilo que estruturalmente o definiu, marcaria o
início do ciclo de fraco crescimento da nossa economia e a sua divergência
futura com as do centro da Europa. Entre outras opções estratégicas
criticáveis, releva-se o exagerado investimento público em auto-estradas, em
detrimento das ferrovias, o que só por si abriria a porta ao agravamento dos
nossos desequilíbrios externos. De resto, basta comparar Portugal com a Irlanda
e a Finlândia, países que tinham condições semelhantes quando aderiram à União
Europeia. Enquanto Portugal investiu maciçamente no betão, os seus parceiros
apostaram na formação qualitativa da força de trabalho, na investigação
científica, nas mais modernas tecnologias e no incentivo ao investimento estrangeiro.
Podem ter hoje uma rede viária bem inferior à nossa, mas estão entre os 10
países mais competitivos do mundo. Alguém afirmou que, na melhor das hipóteses,
Cavaco Silva foi um keynesiano de conveniência, um título que pode ser
atribuído a Viktor Orbán, a Donald Tusk e a dezenas de outros líderes que
governaram em períodos de forte absorção de fundos comunitários.
Voltando à intervenção do Professor
Braga de Macedo no citado programa, surpreendeu-me que ele ao menos não tivesse
reconhecido os bons resultados macro-económicos da última governação. Além de
considerar mau o governo cessante, fez questão de observar que contas certas
nada significam porque “todas as contas têm de bater certas”. Tomei este reparo
como um subterfúgio retórico para evitar comungar com os analistas nacionais e
estrangeiros que são unânimes em atestar que o governo de António Costa deixou
o seguinte legado: condições económicas e financeiras favoráveis, com a
economia a crescer, o emprego e salários a subir, uma folga orçamental
substancial, receitas públicas a aumentar, peso da dívida pública a baixar,
inflação controlada. Mas nem todos pensam assim, sobretudo jornalistas e
políticos ideologicamente adversos. Mesmo os que sabem que o próximo executivo
vai herdar condições sem precedentes neste século para cumprir o seu mandato,
não hesitam em avaliar negativamente a governação que as propiciou. Só um
confronto dialéctico poderia ajudar a desmontar esta flagrante contradição,
embora se aceite que o governo em causa não tenha sido lesto no capítulo das
reformas públicas, mesmo que nem sequer tenha chegado ao meio do ciclo
legislativo. No fundo, é mais uma evidência de que o conceito de governação é,
pela sua natureza, eivado de um subjectivismo renitente. Um subjectivismo que
decorre essencialmente do enquadramento político-ideológico, pouco atreito a
dirimir antagonismos, mas que tem também a ver com o relativismo de valores
como ética, rigor, verdade, responsabilidade, coerência e compromisso, que
estão nos antípodas da demagogia, da manipulação, da mentira e da corrupção.
Assim se vê que não é fácil eleger
uma definição de boa governação que agrade a todos os sectores de opinião, uma
vez que lhe está subjacente uma opção claramente política e depende de
realidades endógenas como a cultura, a idiossincrasia e a história dos povos.
Contudo, é indiscutível que um bom governo muito beneficia com a capacidade de
liderança dos seus membros, com a sua experiência política e profissional e os
seus atributos técnicos. Não deixa de pesar igualmente o grau de consciência
cívica e de coesão social das populações, além de uma correcta articulação
institucional entre os órgãos de soberania. De não menor importância será uma
comunicação social que saiba interpretar convenientemente o seu papel no Estado
de direito democrático.
Em suma, a eficácia da acção
governativa dificilmente poderá consagrar-se como um fenómeno distinto das
diversas pulsões do colectivo nacional. A não ser nos estados autocráticos.
Nota:
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