As
Universidades e a Investigação Científica
O
Dilema de Cabo Verde
José Pedro de Barros Duarte
Fonseca*
Durante os 49 anos de
independência de Cabo Verde (1975-2024) foi desenvolvida com sucesso uma
campanha para erradicar a iliteracia, mediante grandes investimentos na
educação básica e secundária, à custa de um sub-investimento no ensino superior
(ES). As primeiras duas décadas do Século 21 viu emergir o ES em Cabo Verde, actualmente
com 11 universidades, das quais duas públicas.
Devido à sua tenra idade, o ES encontra-se
numa fase crítica, em que proporciona ensino e aprendizagem, mas não consegue
garantir um ecossistema adequado para a ciência, tecnologia e inovação. Cabo
Verde carece de uma Fundação de Ciência e Tecnologia, e essa fragilidade
dificulta a capacidade dos investigadores cabo-verdianos em atrair
financiamento competitivo internacionalmente com excepção da biologia marítima,
fruto do grande interesse de certos países no nosso recurso nas pescas. Por sua
vez, a ausência de investigação significativa dificulta a conexão da academia
com o sector produtivo, nomeadamente a indústria.
A inovação e a competitividade
regional/internacional são ainda mais prejudicadas pela falta de um competente
serviço de propriedade intelectual ou sistemas de certificação.
Considera-se importante fomentar
a investigação científica e tecnológica no domínio da energia eólica, solar,
geotérmica e da conversão de energia térmica oceânica (OTEC), e a criação de
soluções institucionais para centralizar os esforços de investigação
energética, capazes de integrar importantes centros e redes globais de
conhecimento e I&D na área da energia, aprofundando o âmbito da Tarifa
Social de Energia Eléctrica para um mercado energético mais inclusivo (Fonseca,
2012).
É de vital importância a criação
de um projecto Piloto de Hidrogénio Verde com base na integração da produção de
energia solar e/ou eólica em grande escala em Cabo Verde
Cabo Verde apresenta elevados
níveis de vulnerabilidade e fragilidade, particularmente no que diz respeito às
alterações climáticas, e elevados custos energéticos e dependência de
combustíveis fósseis importados. Só uma investigação científica pró-activa numa
estratégia de transição energética do país, com impacto na transformação
económica e no desenvolvimento sustentável, poderá promover o acesso universal
à energia e ajudar as indústrias, serviços e outras empresas a serem mais
competitivas.
O presente artigo propõe uma
análise sobre os factores que dificultam ou facilitam o acesso ao ES. A falta
de acessibilidade ao ES de jovens e adultos das famílias consideradas com poder
aquisitivo baixo tem causado uma grande preocupação. A maioria da população é
composta por famílias consideradas de baixa renda, que enfrentam várias dificuldades
no acesso ao ES. Embora a população sinta essa necessidade ou tenha vontade de
acessar o ES, vários problemas acometem o ES. O ES em Cabo Verde tem baixa
qualidade por conta da qualidade do ensino médio.
Essa fraca qualidade resulta de
algum facilitismo que resultou da massificação do ensino básico e que tem
efeito em cadeia no secundário e no superior. Eu tenho muitos casos de alunos
na universidade que escrevem mal e são muito fracos nas ciências da matemática
e da física.
Na investigação científica há a ausência,
ignorância e falta de preocupação com a investigação científica, falta de editoras,
carências de bibliotecas e laboratórios, má formação e falta de méritos dos docentes,
costumes facilitadores, metodologia não adequada pelos docentes.
Um caso que me toca
particularmente foi ter trabalhado 10 anos no Instituto Nacional de
Investigação Científica na Praia, entre 1986 e 1996 e, quando fui admitido como
quadro e único doutorado da UNICV em 2008, esses 10 anos não foram
contabilizados para efeito de carreira e promoções, desmotivando os
investigadores a seguir a carreira universitária. Uma universidade não se pode
dar ao luxo de prejudicar um investigador com experiência, mestrado e
doutoramento em energias renováveis, área vital para o desenvolvimento
nacional.
Esses entraves fazem com que o ES
viva uma precariedade, causando dificuldade no acesso e má qualidade do ensino.
Esses entraves no ES não são específicos de cabo Verde, mas também são
evidenciados em outros países do continente africano. O ES em África ainda
vivencia outros problemas, como: ensino com fraca qualidade, limitação da produção
do conhecimento local, precariedade no funcionamento, baixas remunerações, factores
de desmotivação que agravam a fuga de cérebros e o poder político interessado em
beneficiar um pequeno grupo (VARELA, 2015). O ES em África ainda é doentio e
sem qualidade.
Igualmente, os problemas do ES em
África geram consequências, como: superlotação de salas, fugas de cérebros,
excesso de carga horária dos docentes, condições de trabalhos deficientes,
rendimento insuficiente de programas de pós-graduação e de recrutamento de
bacharéis em ciências sociais (VARELA, 2015). Essas consequências têm gerado
precariedade no ensino e prejuízo à vida dos estudantes. A inexistência de
internet e correspondente de acesso ao estado da arte, caso do Bon e de
editoras como a Elsevier, resultam na estagnação da investigação no país.
Um estudo saído do inquérito
(INE, 2015) em relação à colocação dos doutores, mestres, licenciados e bacharéis
envolvidos na investigação e desenvolvimento, permite também observar que os doutores
estão maioritariamente no ES. Os mestres e licenciados nos institutos de
pesquisas. Esses factos, somados a um não investimento na área, retardou até
hoje a investigação pois ainda não existem em Cabo Verde critérios que
determinam quem é investigador e nem um Estatuto de Investigador actualizado. De
acordo com o mesmo estudo, em 2014, havia 69 investigadores nas áreas de
Ciências Sociais e Humanas (45% do total nacional), 53 nas áreas das Ciências
Naturais, Engenharias e Tecnologias (34,6%), Ciências Agrícolas 24 (15,7%) e
Saúde (4,7%).
Existiram três institutos
públicos de investigação em Cabo Verde, o INIDA, o INIT e o INDP, o INIT foi
extinto pelo governo em 1992, o INDP foi recentemente integrado no Campus do
Mar no Mindelo e designado por IMAR e restou o INIDA em São Jorge dos Órgãos.
Ficámos mais pobres do que
estávamos em 1992,
Finalmente deixo aqui algumas
anotações sobre Ética na Pesquisa Científica:
Consentimento Informado:
Certificar-se de que todos os participantes da pesquisa tenham dado seu
consentimento livre e informado para participar, com total compreensão dos objectivos
da pesquisa e dos possíveis riscos envolvidos.
Confidencialidade: Garantir a
privacidade dos participantes, protegendo suas informações pessoais e mantendo
a confidencialidade dos dados colectados.
Integridade dos Dados: Colectar,
analisar e relatar os dados de maneira honesta e precisa, evitando qualquer
manipulação ou falsificação de resultados.
Plágio: Evitar o plágio, citando correctamente
as fontes e dando crédito apropriado ao trabalho de outros pesquisadores.
Conflito de Interesses:
Identificar e divulgar quaisquer conflitos de interesses que possam afectar a objectividade
da pesquisa ou a interpretação dos resultados.
Experimentação em Animais e Ética
em Pesquisa com Seres Humanos: Seguir directrizes éticas estritas ao realizar
pesquisa envolvendo animais ou seres humanos, obtendo aprovação ética adequada
quando necessário.
Publicação Ética: Garantir que os
resultados da pesquisa sejam publicados de maneira ética, evitando a publicação
duplicada ou redundante e seguindo as directrizes e políticas editoriais das
revistas científicas.
Divulgação de Conflitos de
Interesses Financeiros: Divulgar qualquer financiamento ou apoio financeiro
recebido para a pesquisa, bem como qualquer relação financeira relevante com
empresas ou organizações que possam ter interesse nos resultados.
Responsabilidade do Pesquisador
Principal: O pesquisador principal é responsável pela conduta ética de toda a
equipe de pesquisa e deve garantir que todos os membros sigam padrões éticos
rigorosos.
Ética na Co-autoria:
Certificar-se de que a autoria de um trabalho seja atribuída de forma justa e
que todos os co-autores tenham contribuído significativamente para a pesquisa.
Divulgação Transparente de
Resultados Negativos: Não esconder ou omitir resultados negativos, pois a falta
de divulgação desses resultados pode distorcer a compreensão geral de um tópico
de pesquisa.
Responsabilidade Social:
Considerar o impacto potencial da pesquisa na sociedade e no meio ambiente,
tomando medidas para minimizar quaisquer efeitos negativos e maximizar os
benefícios.
Educação em Ética: Promover a
educação em ética na pesquisa, tanto entre estudantes de graduação e
pós-graduação quanto entre pesquisadores experientes, para garantir uma cultura
de pesquisa ética.
A ética na pesquisa científica
não apenas protege os direitos e a dignidade dos participantes da pesquisa, mas
também mantém a integridade e a credibilidade da comunidade científica como um
todo. Portanto, é fundamental que todos os pesquisadores adiram a esses
princípios éticos em todas as etapas de seu trabalho.
Mãos à obra
* Engenheiro, Investigador. Professor
da UTA,
Fonseca, 2010; Integração das
Fontes de Energia Renovável em Ilhas e Regiões Remotas, Edições UNICV
Ph.D. em Eng. Mecânica
IST- Lisboa 2004,
Pós-graduação (Patent
attorney) em patentes, modelos industriais, marcas, concorrência desleal, contractos
de licença de fabricação e transferência de tecnologia. Universidade de Direito de Concord, EUA 1992.
1 comentários:
Foi-me muito proveitosa a leitura deste artigo do Prof. Eng. Duarte Fonseca. Fiquei inteirado de uma realidade de que não tinha uma informação completa. É bem evidente que a aposta na investigação científica na área das energias eólica, solar, geotérmica e da conversão de energia térmica oceânica, é de uma importância primordial para o desenvolvimento de Cabo Verde, desde logo reduzindo consideravelmente a sua dependência dos combustíveis fósseis.
Enviar um comentário