sábado, 20 de abril de 2024

 

As Universidades e a Investigação Científica

O Dilema de Cabo Verde

José Pedro de Barros Duarte Fonseca*

Durante os 49 anos de independência de Cabo Verde (1975-2024) foi desenvolvida com sucesso uma campanha para erradicar a iliteracia, mediante grandes investimentos na educação básica e secundária, à custa de um sub-investimento no ensino superior (ES). As primeiras duas décadas do Século 21 viu emergir o ES em Cabo Verde, actualmente com 11 universidades, das quais duas públicas.

Devido à sua tenra idade, o ES encontra-se numa fase crítica, em que proporciona ensino e aprendizagem, mas não consegue garantir um ecossistema adequado para a ciência, tecnologia e inovação. Cabo Verde carece de uma Fundação de Ciência e Tecnologia, e essa fragilidade dificulta a capacidade dos investigadores cabo-verdianos em atrair financiamento competitivo internacionalmente com excepção da biologia marítima, fruto do grande interesse de certos países no nosso recurso nas pescas. Por sua vez, a ausência de investigação significativa dificulta a conexão da academia com o sector produtivo, nomeadamente a indústria.

A inovação e a competitividade regional/internacional são ainda mais prejudicadas pela falta de um competente serviço de propriedade intelectual ou sistemas de certificação.

Considera-se importante fomentar a investigação científica e tecnológica no domínio da energia eólica, solar, geotérmica e da conversão de energia térmica oceânica (OTEC), e a criação de soluções institucionais para centralizar os esforços de investigação energética, capazes de integrar importantes centros e redes globais de conhecimento e I&D na área da energia, aprofundando o âmbito da Tarifa Social de Energia Eléctrica para um mercado energético mais inclusivo (Fonseca, 2012).

É de vital importância a criação de um projecto Piloto de Hidrogénio Verde com base na integração da produção de energia solar e/ou eólica em grande escala em Cabo Verde

Cabo Verde apresenta elevados níveis de vulnerabilidade e fragilidade, particularmente no que diz respeito às alterações climáticas, e elevados custos energéticos e dependência de combustíveis fósseis importados. Só uma investigação científica pró-activa numa estratégia de transição energética do país, com impacto na transformação económica e no desenvolvimento sustentável, poderá promover o acesso universal à energia e ajudar as indústrias, serviços e outras empresas a serem mais competitivas.

O presente artigo propõe uma análise sobre os factores que dificultam ou facilitam o acesso ao ES. A falta de acessibilidade ao ES de jovens e adultos das famílias consideradas com poder aquisitivo baixo tem causado uma grande preocupação. A maioria da população é composta por famílias consideradas de baixa renda, que enfrentam várias dificuldades no acesso ao ES. Embora a população sinta essa necessidade ou tenha vontade de acessar o ES, vários problemas acometem o ES. O ES em Cabo Verde tem baixa qualidade por conta da qualidade do ensino médio.

Essa fraca qualidade resulta de algum facilitismo que resultou da massificação do ensino básico e que tem efeito em cadeia no secundário e no superior. Eu tenho muitos casos de alunos na universidade que escrevem mal e são muito fracos nas ciências da matemática e da física.

 Na investigação científica há a ausência, ignorância e falta de preocupação com a investigação científica, falta de editoras, carências de bibliotecas e laboratórios, má formação e falta de méritos dos docentes, costumes facilitadores, metodologia não adequada pelos docentes.

Um caso que me toca particularmente foi ter trabalhado 10 anos no Instituto Nacional de Investigação Científica na Praia, entre 1986 e 1996 e, quando fui admitido como quadro e único doutorado da UNICV em 2008, esses 10 anos não foram contabilizados para efeito de carreira e promoções, desmotivando os investigadores a seguir a carreira universitária. Uma universidade não se pode dar ao luxo de prejudicar um investigador com experiência, mestrado e doutoramento em energias renováveis, área vital para o desenvolvimento nacional.

Esses entraves fazem com que o ES viva uma precariedade, causando dificuldade no acesso e má qualidade do ensino. Esses entraves no ES não são específicos de cabo Verde, mas também são evidenciados em outros países do continente africano. O ES em África ainda vivencia outros problemas, como: ensino com fraca qualidade, limitação da produção do conhecimento local, precariedade no funcionamento, baixas remunerações, factores de desmotivação que agravam a fuga de cérebros e o poder político interessado em beneficiar um pequeno grupo (VARELA, 2015). O ES em África ainda é doentio e sem qualidade.

Igualmente, os problemas do ES em África geram consequências, como: superlotação de salas, fugas de cérebros, excesso de carga horária dos docentes, condições de trabalhos deficientes, rendimento insuficiente de programas de pós-graduação e de recrutamento de bacharéis em ciências sociais (VARELA, 2015). Essas consequências têm gerado precariedade no ensino e prejuízo à vida dos estudantes. A inexistência de internet e correspondente de acesso ao estado da arte, caso do Bon e de editoras como a Elsevier, resultam na estagnação da investigação no país.

Um estudo saído do inquérito (INE, 2015) em relação à colocação dos doutores, mestres, licenciados e bacharéis envolvidos na investigação e desenvolvimento, permite também observar que os doutores estão maioritariamente no ES. Os mestres e licenciados nos institutos de pesquisas. Esses factos, somados a um não investimento na área, retardou até hoje a investigação pois ainda não existem em Cabo Verde critérios que determinam quem é investigador e nem um Estatuto de Investigador actualizado. De acordo com o mesmo estudo, em 2014, havia 69 investigadores nas áreas de Ciências Sociais e Humanas (45% do total nacional), 53 nas áreas das Ciências Naturais, Engenharias e Tecnologias (34,6%), Ciências Agrícolas 24 (15,7%) e Saúde (4,7%).

Existiram três institutos públicos de investigação em Cabo Verde, o INIDA, o INIT e o INDP, o INIT foi extinto pelo governo em 1992, o INDP foi recentemente integrado no Campus do Mar no Mindelo e designado por IMAR e restou o INIDA em São Jorge dos Órgãos.

Ficámos mais pobres do que estávamos em 1992,

Finalmente deixo aqui algumas anotações sobre Ética na Pesquisa Científica:

 

Consentimento Informado: Certificar-se de que todos os participantes da pesquisa tenham dado seu consentimento livre e informado para participar, com total compreensão dos objectivos da pesquisa e dos possíveis riscos envolvidos.

Confidencialidade: Garantir a privacidade dos participantes, protegendo suas informações pessoais e mantendo a confidencialidade dos dados colectados.

Integridade dos Dados: Colectar, analisar e relatar os dados de maneira honesta e precisa, evitando qualquer manipulação ou falsificação de resultados.

Plágio: Evitar o plágio, citando correctamente as fontes e dando crédito apropriado ao trabalho de outros pesquisadores.

Conflito de Interesses: Identificar e divulgar quaisquer conflitos de interesses que possam afectar a objectividade da pesquisa ou a interpretação dos resultados.

Experimentação em Animais e Ética em Pesquisa com Seres Humanos: Seguir directrizes éticas estritas ao realizar pesquisa envolvendo animais ou seres humanos, obtendo aprovação ética adequada quando necessário.

Publicação Ética: Garantir que os resultados da pesquisa sejam publicados de maneira ética, evitando a publicação duplicada ou redundante e seguindo as directrizes e políticas editoriais das revistas científicas.

Divulgação de Conflitos de Interesses Financeiros: Divulgar qualquer financiamento ou apoio financeiro recebido para a pesquisa, bem como qualquer relação financeira relevante com empresas ou organizações que possam ter interesse nos resultados.

Responsabilidade do Pesquisador Principal: O pesquisador principal é responsável pela conduta ética de toda a equipe de pesquisa e deve garantir que todos os membros sigam padrões éticos rigorosos.

Ética na Co-autoria: Certificar-se de que a autoria de um trabalho seja atribuída de forma justa e que todos os co-autores tenham contribuído significativamente para a pesquisa.

Divulgação Transparente de Resultados Negativos: Não esconder ou omitir resultados negativos, pois a falta de divulgação desses resultados pode distorcer a compreensão geral de um tópico de pesquisa.

Responsabilidade Social: Considerar o impacto potencial da pesquisa na sociedade e no meio ambiente, tomando medidas para minimizar quaisquer efeitos negativos e maximizar os benefícios.

Educação em Ética: Promover a educação em ética na pesquisa, tanto entre estudantes de graduação e pós-graduação quanto entre pesquisadores experientes, para garantir uma cultura de pesquisa ética.

A ética na pesquisa científica não apenas protege os direitos e a dignidade dos participantes da pesquisa, mas também mantém a integridade e a credibilidade da comunidade científica como um todo. Portanto, é fundamental que todos os pesquisadores adiram a esses princípios éticos em todas as etapas de seu trabalho.

Mãos à obra

* Engenheiro, Investigador. Professor da UTA,

 

 

Fonseca, 2010; Integração das Fontes de Energia Renovável em Ilhas e Regiões Remotas, Edições UNICV

Ph.D. em Eng. Mecânica IST- Lisboa 2004,

Pós-graduação (Patent attorney) em patentes, modelos industriais, marcas, concorrência desleal, contractos de licença de fabricação e transferência de tecnologia.  Universidade de Direito de Concord, EUA 1992.

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Foi-me muito proveitosa a leitura deste artigo do Prof. Eng. Duarte Fonseca. Fiquei inteirado de uma realidade de que não tinha uma informação completa. É bem evidente que a aposta na investigação científica na área das energias eólica, solar, geotérmica e da conversão de energia térmica oceânica, é de uma importância primordial para o desenvolvimento de Cabo Verde, desde logo reduzindo consideravelmente a sua dependência dos combustíveis fósseis.

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