Não votei nele. Felicitei-o pela sua eleição,
primeiro, directamente num encontro casual no “Nhô Eugénio” e, mais tarde,
através de um artigo de opinião desejando-lhe um bom mandato, uma vez que era
do interesse do País que assim fosse.
Lembro-me
que, a este respeito, fui chamado a atenção por um leitor muito atento e com
sólida formação política que, embora tendo apreciado o meu artigo, não
concordava comigo neste aspecto, porque – dizia ele – se tratava de alguém
pouco cortês e pouco elegante, acentuadamente partidário para o cargo de
Presidente, que havia tratado, numas legislativas, de “burros na ladera”
e “macacos na rotcha” os apoiantes do MpD, aliás, os mesmos que, fazendo
jus a estes epítetos, lhe tinham dado massivamente os seus votos para a
presidência.
Contudo,
dada a experiência que levava dos 15 anos de governação, não obstante algumas
deselegâncias e indelicadezas de permeio, sempre pensei que poderia ter tirado
ilações desta sua experiência e podia proporcionar-nos uma boa presidência.
Nada
disto tem acontecido. Mostrou-se, primeiro deslumbrado com a sua eleição, de
todo inesperada, tomando atitudes triunfalistas, ignorando e tornando
descartáveis a quase totalidade dos elementos da sua estrutura de campanha não
encontrando nela ninguém que pudesse ter alguma relevância na organização da
administração da presidência, e na assessoria do Presidente.
Confesso
que não sei, e pouco me interessam, os critérios que o Presidente tem para o
recrutamento dos seus colaboradores. Nem me preocupo com a sua legalidade,
embora não desprezível de todo, que pertence ao domínio exclusivo da Justiça e
constitui apenas um dos itens – importante, é certo – de avaliação política que
normalmente chega com relativo atraso. Interessa-me sim, a sua pertinência, a
sua oportunidade, a sua legitimidade, o seu enquadramento moral e ético que no
seu todo correspondem aos parâmetros necessários a uma apreciação e julgamento
políticos pelos eleitores, contribuintes e população.
O que
se espera de um presidente não é apenas o estrito cumprimento da Constituição e
das leis da República, mas um comportamento cívico de excelência e uma postura
assente na legitimidade (para além da já referida legalidade) dos seus actos,
na moral e na ética que deverão constituir referência aos restantes cidadãos. E
na sua firmeza de carácter que se deverá traduzir numa coerência de actuação
consentânea com a defesa dos seus valores. Isto é, não pode o Presidente
defender hoje o que condenou ontem ou vice-versa.
O que
verifico, ao contrário do que esperava, é uma agressividade desmedida e, por
vezes, despropositada contra o Governo, configurando a busca de um certo
protagonismo que, na verdade não se justifica nem se ajusta à função de um
presidente da república que não governa, não dirige o País. Apenas, e não é
pouco, representa a Nação.
O
presidente deve ter sempre presente que não é oposição e muito menos o seu
chefe. E que a natureza do regime – parlamentarismo mitigado e não
semipresidencialismo, como ele diz, que parece ter sido o projecto da
Constituição do PAICV – é o Governo quem tem a incumbência constitucional de
dirigir o País, e não responde perante ele nem lhe deve obediência.
A actuação
pública do Presidente não pode ser a de gerar conflitos ou de os acirrar, o que
não obsta que no recato do seu Gabinete não os possa debater com o PM, adverti-lo
ou mesmo, quiçá, admoestá-lo. Ter sempre presente que ele não é o dono da
verdade e poderão existir dados que escapam ao seu conhecimento, à sua
observação. Usando uma bem conhecida
metáfora, ele tem que ser o bombeiro e não o incendiário, extinguindo o fogo e
não atiçá-lo.
Acontece
que o que temos assistido e de forma reiterada, conduz-nos inexoravelmente à
conclusão de que o nosso Presidente faz hoje quase tudo o que condenou ou
ignorou enquanto primeiro-ministro. A lista das contradições não é desprezível.
Contudo, as que apresentarei a seguir parecem-me suficientemente elucidativas.
Assim,
o Presidente, para mostrar que está atento ou, se calhar, para ajudar o seu
partido – a oposição – faz reiteradas intervenções públicas advertindo o
Governo, por exemplo, da dívida pública que ele próprio fora precisamente o
campeoníssimo ao receber no início do seu mandato como PM, uma dívida pública
correspondente a “58 milhões de contos (83% do PIB), e quando saiu, 15 anos depois, a Dívida
Pública era de 201 milhões de contos, ou 127% do PIB (fonte: FMI, World Economic Outlook, outubro
2021)” – José Tomaz Whanon Veiga in “Expresso das Ilhas” nº 1049 de 5 de Janeiro de 2021 tendo merecido do mesmo
articulista o seguinte comentário: “actual
Presidente da República agravou a Dívida Pública de forma desmedida e
irresponsável não só em valores absolutos como, sobretudo, em percentagem do PIB (o
indicador mais utilizado para avaliar o grau de endividamento público). (O
negrito é meu).
Não ficam por aqui as
incoerências, as irrequietudes da pessoa do nosso Presidente no
desempenho de funções públicas. Contudo, não posso deixar de me referir a uma
que tem estado na crista da onda e que constitui obsessão de algumas importantes
personagens: A Lingua cabo-verdiana.
Depois
de ter estado 15 anos – 15 anos!!! – como primeiro-ministro apresentando apenas
um, e só um, gesto sobre a Língua cabo-verdiana, por sinal pouco delicado e
pouco elegante para além de pouco digno e algo embaraçoso por, por um lado,
provocar a saída da sala de, pelo menos, uma delegação da CPLP, por outro,
obrigar as restantes delegações, as que ficaram na sala, a escutar em francês
ou inglês essa sua intervenção em crioulo, – feita à boa maneira de alguns
poucos (felizmente muito poucos) líderes
africanos de triste memória, – nas Nações Unidas.
Aconteceu
na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2011 no momento em que os “holofotes”
da ONU se viraram para Dilma Rousself, a Presidente do Brasil que fez o
globalizante discurso de abertura em português, o que fez que acontecesse, de
alguma forma, o “momentum” da língua
portuguesa. Procurava-se então a afirmação da CPLP – uma comunidade de países
assente na língua comum – e a promoção da Língua portuguesa para oficialização
como mais uma Língua das Nações Unidas.
Contudo, ao ser eleito presidente, numa das
suas primeiras intervenções, arvorou-se logo, em activista – presidente
activista!!! – afirmando triunfantemente que “estará na linha da frente na
defesa do crioulo”. É caso para se perguntar, com o devido respeito, onde
esteve o presidente do PAICV, hoje presidente da República, desde 1999, altura
em que o MpD de Carlos Veiga reconheceu e plasmou na Constituição, o crioulo
como “Língua cabo-verdiana” e concedeu-lhe algumas prerrogativas à sua
utilização? Que eu saiba, absolutamente NADA MAIS foi feito em prol da Língua
cabo-verdiana até o presente. Nenhuma iniciativa legislativa ou negociações –
do PAICV – com a oposição de então – 15 anos – foi feita para a fazer passar. O
seu activismo, como outras atitudes e comportamentos, poderia configurar algum folclorismo
e gerar alguma incompreensão se, por trás não estivesse o seu projecto político
e as consequentes manobras manipulatórias.
Continuando,
vamos tendo, um presidente publicamente intervencionista em matérias que lhe
não dizem respeito, ignorando a Constituição, que jurou defender, e a natureza
do regime – parlamentar – que disfarça com uma retórica táctica designando-a
dolosamente “semi-presidencialismo”.
São
várias as intervenções do PR, a “assumir-se” nitidamente como chefe da
oposição, numa manobra muito pouco inteligente, como se tivesse sido eleito só
com os votos da oposição ou se ela, a oposição, sozinha, pudesse reelegê-lo. O
desgaste do governo, quando provocado de forma pouco inteligente, é
indissociável de algum efeito boomerang para quem o provoca.
Ultimamente
veio à ribalta a polémica da “primeira-dama”, um processo que corre os seus
trâmites e que podia ter sido evitado ou que em parte não ocorreria se, quando
PM, tivesse tido a humildade de olhar um pouco para além do imediato e sem uma
pedra na mão escutar uma voz abalizada que apenas reivindicou, não para ela,
mas para a instituição, um estatuto regulador adequado. Através de uma espécie
de “oração de sapiência” concluiu que ela estava a imiscuir nos problemas de
governação (há registo) sem que para tal tivesse sido eleita. E quando o MpD
recupera o assunto e o leva a Assembleia, dá, como presidente do PAICV,
instruções – só assim se compreende – para “chutar para o lado” o assunto,
alegando a sua ‘não prioridade’. Mais uma vez, foi publicamente “acareado” pela
RTC que transmitiu as suas sábias e cordatas palavras quando repudiava o que
agora reivindica. Ao alegar, à laia de justificação, que enviou para o Governo
uma proposta da Presidência, sabia perfeitamente que o Governo não tem poderes
para julgar as suas propostas e não disse em público em quanto onerava o
orçamento da presidência. Outrossim, tem um exército de assessores ao seu
serviço que lhe podiam dar pareceres, e um partido à disposição ao qual podia
pedir iniciativa legislativa a esse propósito.
Não
entrarei em pormenores, muito menos nos de carácter jurídico-legal, porque não
só não tenho competência para o fazer, mas sobretudo porque – já atrás o referi
– penso que é do domínio exclusivo dos Tribunais. Mas, como cidadão, compete-me
exigir responsabilidades políticas. O processo político ainda “não transitou em
julgado”. Mantém-se vivo e não deve morrer solteiro. Tem que haver assumpção de
responsabilidades bem como as devidas consequências.
Em
democracia, sobre os mais altos magistrados da Nação não pode pairar nenhuma
nódoa nem nenhuma sombra de suspeição de ilegalidade, sobretudo quando se trata
de utilização de dinheiros públicos sem que ele, o magistrado, dali não tire as
devidas consequências políticas. E sobre isto nada, absolutamente nada sabemos,
se não um espúrio e absurdo pedido de desculpa por uma demissão que se impunha,
transformando a demitida numa espécie de bode expiatório de todo o processo.
Parece-me,
posso estar enganado, que se torna evidente que só fez o que fez porque pensava
estar ainda no Partido único, acima da Lei e, portanto, resolver-se-ia a posteriori
se viesse a ser necessário.
E
enquanto a sua imagem se degrada em contínuo, eis que inventa uma fuga para a
frente, uma ideia aparentemente despropositada, utilizando, o nome e a imagem
do mais acarinhado e eleito (74% dos votos) presidente que Cabo Verde já teve –
Mascarenhas Monteiro – com uma homenagem alusiva ao seu 80º aniversário
natalício, que levanta sérias dúvidas se o próprio Mascarenhas Monteiro se
estivesse vivo a aceitaria, tal era a sua dimensão de Homem de Estado, o seu
escrúpulo na utilização da coisa pública e o seu melindre, o seu excessivo
cuidado na imbricação entre o público e o privado.
Uma
homenagem em que uma grande parte dos convidados eram precisamente aqueles – dos
quais não pode o próprio anfitrião excluir-se – que tentaram impedir por todos
os meios que Mascarenhas Monteiro fosse Presidente, e que nas campanhas para as
eleições presidenciais o maltrataram e o enxovalharam com actos e palavras
muito pouco dignos e, por vezes, vergonhosos e soezes, cujos termos não irei
aqui explicitar. Mascarenhas Monteiro merecia muito mais e melhor – não está em
causa… Aliás, não homenagens restritas de Palácio, mas do povo que sempre o
estimou e acarinhou.
Com
efeito, a República tem as suas próprias datas – fixas umas, (13 de Janeiro, 20
de Janeiro, 5 de Julho, e, eventualmente, mais uma ou outra que a minha memória
não retém); tradicionais (os centenários); e imprevistas, fora de qualquer
calendário) – para homenagear publicamente os seus heróis e os seus filhos
dilectos. Nunca uma data pessoal – Aniversário dos 80 anos! – fora do quadro
que acabei de referir! Esta é pertença da família, dos amigos ou de
instituições não estatais que lhe estão afectas.
Aliás,
Aristides Pereira e Amílcar Cabral completaram os seus 80 anos em 2003 e 2004,
respectivamente; eram então Presidente da República Cmdt. Pedro Pires,
Presidente da Assembleia Nacional Dr. Aristides Lima e Primeiro-Ministro o
actual Presidente da República – as três mais altas figuras do Estado e do
PAIGC/CV – e não me lembro da mais pequena celebração a essas ocorrências, não
obstante o culto de personalidade ser uma instituição do PAIGC/CV, o que
clarifica a natureza e a inoportunidade da homenagem ora feita.
Ou
será que, de repente, Mascarenhas Monteiro passou a ser, para o actual
Presidente da República, mais importante, sublinho, mais importante, do que
essas duas altíssimas personalidades da “Luta Armada” na Guiné – suporte da
alegada e sempre brandida “legitimidade histórica” do PAIGC/CV em Cabo Verde?
Não,
nada disto. Trata-se de um projecto político de contornos pouco ortodoxos que
passa por chamar a “si” a figura e a imagem de Mascarenhas Monteiro e que
começara metódica e meticulosamente a ser preparado logo a seguir ao seu
falecimento. Uma homenagem em que o principal objectivo foi querer passar a
imagem de cumplicidade e de afinidades políticas com o Presidente mais votado
da democracia cabo-verdiana confundindo a sua delicadeza, a sua generosidade e
a sua permanente disponibilidade por Cabo Verde e para os cabo-verdianos, com a
intimidade política.
Mascarenhas
Monteiro foi eleito na sequência de duas maiorias qualificadas do MpD –
seu suporte eleitoral – enquanto os dirigentes do PAICV – todos – engendravam
esquemas e faziam circular orientações (palavras de ordem) para o impedir.
São já
vários os actos deste Presidente que demonstram à saciedade que a sua eleição,
em última instância, poderá representar a ausência de uma verdadeira elite no
País, isto é, a inexistência de um viveiro, de uma reserva, de recrutamento de
homens/mulheres com estatura política e, sobretudo, com dimensão intelectual,
cívica e ética para as mais altas funções do Estado.
O mandato está ao meio. Ainda vai a tempo de
arrepiar caminho e mostrar que a crise com que o País se debate de ausência
efectiva de uma verdadeira elite político/cultural com elevada dimensão moral e
ética não passa por ele. Ou então, admitir-se que o povo que é soberano e
decide, também se engana, e escolhe mal.
A.
Ferreira
1 comentários:
Li com a devida atenção. Fiquei a par de factos relacionados com a actual Presidência da República que eu desconhecia. Essa coisa de intervir nos actos da acção governativa só pode ser influência do homólogo português. Infelizmente! Louvo a coragem cívica do Armindo Ferreira em expor com esta frontalidade, mas com correcção cívica, a sua opinião crítica sobre o que lhe é dado observar. É um notável exercício de cidadania.
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