Por vezes surpreendo-me a pensar com os meus botões na “institucionalização” que já foi feita abusiva e falsamente entre nós, da expressão: “morabeza” oriunda do português amorável ou amabilidade que significa jeito educado, terno e amável em dirigir-se e em atender o outro. Semanticamente ganhou maior abrangência e “morabeza” passou a representar a arte e a forma de bem receber, de bem atender, a finura, a elegância e os modos educados de uma pessoa quando em interacção com outrem.
Ora bem, “gente morabi” era regra geral, atributo dos habitantes da ilha Brava de outrora. E isso tem uma explicação, entre outras. Tratava-se de uma população pequena que vivia de alguma forma isolada e a chegada de um forasteiro era uma alegria e um acontecimento para os bravenses que o integravam com “morabeza.” Com a tal gentileza e arte de bem receber que os caracterizava. Mas isso era uma particularidade específica (desculpem a redundância) da ilha Brava antiga.
Criança ainda ouvia dizer isso dos adultos e comprovei mais tarde essa fineza natural das bravenses.
A jornalista e escritora Maria Helena Spencer, (1911-2006) descreveu isso de uma forma belíssima num artigo sobre a ilha de Eugénio Tavares, onde ela viveu o tempo que ali fora colocada como professora na localidade, creio eu, de Nossa Senhora do Monte. Pois bem diz-nos a jornalista do antigo Boletim «Cabo Verde»: «…Ali cada mulher do povo é uma senhora pelos seus hábitos, pela elegância do seu porte, pela delicadeza instintiva que põe em cada palavra, em cada gesto…»
Aconteceu que a determinada altura se resolveu “nacionalizar e institucionalizar” o vocábulo “morabeza” estendendo-o, ampliando-o e aplicando-o a todo Cabo Verde, ou melhor a todo empregado, funcionário público e privado nacional. Nada mais falso, meus senhores. Embora o lamente, pois gostaria que tal fosse verdade e se possível absoluta.
Mas infelizmente a realidade e o dia-a-dia desmentem-no com uma constância indesejável! Contam-se pelos dedos da mão (passe o exagero da expressão) o patrício “morabi” e profissional que nos atende quer aos balcões públicos, quer até nos restaurantes, hotéis e cafés, entre outros serviços. De tal modo assim é que eu me apanho sempre agradavelmente surpreendida quando acontece ser bem e profissionalmente atendida, que acabei por criar para mim própria uma espécie de “estatística” pois que interrogo o bom profissional no seu mister. «Desculpe a indiscrição, o senhor (ou a senhora) viveu ou trabalhou fora de Cabo Verde?» e a resposta é invariavelmente, positiva. O que significa que terá ganhado isso, ou terá despertado para isso, trabalhando e interagindo socialmente fora das ilhas. Claro que há excepções! E felizmente que as há.
Logo, algo está a mais nesse emprego entre nós, generalizado e abusivo do termo: “morabeza crioula”.
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