Presidente e não Presidenta!... Assim é que é!

domingo, 3 de julho de 2011
Aqui há tempos assisti a um agradável e interessante documentário – “José e Pilar” sobre uma significativa parte da vida de José Saramago. E já algum tempo antes havia também escutado uma entrevista à Dilma Rousself – Presidente da República Federativa do Brasil – conduzida por Miguel Sousa Tavares, através de um dos canais televisivos portugueses.
Antes de continuar, devo explicar porque junto estes dois assuntos, aparentemente desconexos. Acontece que em ambos houve um ponto coincidente que acabou por ser de certa forma, um forte atropelo à nossa língua portuguesa com a utilização incorrecta e, por vezes, arrogante, do termo “presidenta”. E é sobre isto que vou tecer umas muito breves considerações.
Que Dilma Rousself, a Presidente da República Federativa do Brasil se auto-denomine ou queira ser chamada de “Presidenta” até posso relevar, aceitar e compreender pois que isso poderá revelar algum deslumbramento ou fulgor feminista da parte da senhora, o que até se justifica pelo facto de ter sido a primeira mulher (?) eleita Presidente da República no seu País.
Todavia, o que já não consigo relevar ou deixar passar, é que um escritor, jornalista e comentador do gabarito e da estirpe – aqui no sentido nobre do termo – de Miguel Sousa Tavares, (que em matéria de língua portuguesa até teve «berço de ouro», pois que filho da grande contista e sublime poeta ou poetisa, Sofia de Melo Breyner Andressen) se tenha deixado ir nessa “fita” (que me seja permitido este eventual à-vontade semântico) quando entrevistou a Presidente do Brasil, na sua passagem por Portugal e a tenha tratado durante a entrevista por «Presidenta». É que isso deve ter bulido e chocado com o conhecimento e a correcção que Miguel Sousa Tavares de certeza possui das regras da sua língua materna. E emprego aqui o verbo chocar, pois que o conhecido comentador, autor de «Equador» entre outros romances, e considerado entre os melhores que temos em matéria de ficção e de história contemporâneas – estaria certamente, deduzo, a “violentar-se” linguisticamente.
Mas mais, li também, na mesma altura, numa revista portuguesa, títulos de notícias sobre a visita da presidente do Brasil neste teor: «Mimos portugueses para a senhora “Presidenta”»
Na mesma linha, Pilar del Rio, jornalista espanhola – a amada companheira de José Saramago, o Prémio Nobel da Literatura portuguesa – actual Presidente da Fundação José Saramago sedeada em Portugal, mulher dinâmica e culta, não duvido, mas quem, numa atitude muito pouco civilizada e sem ligar o “desconfiométro” social, desatou a chamar “néscios” e “burros” a quem a tratasse por “Presidente” da Fundação José Saramago. E numa postura pouco recomendada, e que até reclamava alguma reserva intelectual, afirmava em tom agressivo e peremptório que era “Presidenta” e que se a palavra não existisse na língua portuguesa, por “machismo”, (pensou ela, se calhar…) passaria a partir daquele momento a existir. “Magister dixit!” E assim nascem Linguistas! Como se diz à moda do Porto: «Valha-nos Deus!»
Ora bem, vamos à língua portuguesa, a nossa língua que, como afirmaram e afirmam os seus mais famosos e ilustres utilizadores, (de entre eles José Saramago), artistas, poetas e homens de pensamento, “outra mais bela no mundo não há!” Assim ela deve ser para nós, os seus falantes.
Faço relembrar que para além de ser bela, ela tem regras, como qualquer outra língua viva, falada e escrita. Ela possui normas ditas gramaticais que lhe dão sustentabilidade e sobretudo lógica no seu tecido linguístico (passe alguma eventual redundância) para que a comunicação se faça sem os chamados “ruídos”, “ambiguidades” ou outras confusões.
Possivelmente, o que as duas senhoras desconhecem ou ignoram é que a maior parte dos substantivos e adjectivos, terminados em “e” na língua portuguesa, nem sequer é do género masculino. Ou é do género feminino, ou é comum de dois (que é um subgénero gramatical). Isto é, são termos que pertencem e podem ser usados, conforme o contexto, ora no género masculino, ora no género feminino. Logo, a nossa gramática não é tão monocromática como querem fazê-la parecer. Não, ela possui uma paleta de variantes e de cambiantes de géneros e de subgéneros nas famílias das palavras que permitem que o falante, mantendo-se dentro das normas, se expresse de uma forma rica e clara!
Fiz ao acaso, um brevíssimo apanhado de algumas das mais bonitas, e também das mais temíveis palavras terminadas em “e” da língua portuguesa, que julgo ser ilustrativo daquilo que venho afirmando.
Ei-las:
A Amizade, a Saúde, a Fonte, a Felicidade, a Honestidade, a Dignidade, a Hombridade, a Bondade, a Caridade, a Fidelidade, a Lealdade, a Majestade, a Efeméride, a Sensualidade e a Sexualidade. Assim também: a Falsidade, a Hostilidade, a Calamidade, a Malignidade, a Catástrofe, entre outras, e mais outras, de uma inesgotável listagem.
O interessante é que são mais raros, os registos gramaticais de palavras terminadas em “e” pertencentes ao género masculino. Uma mini listagem: Infante, Enxofre, Enxame e Cardume, são algumas delas.
Mas o mais significativo, em termos de quantidade e de regra gramatical da língua portuguesa, são os nomes (substantivos e adjectivos) terminados em “e” e que se usam tanto no feminino, como no masculino, o tal subgénero chamado, comum de dois.
Assim temos: o, a Presidente; o, a, Inteligente; o, a Ignorante; o, a Estudante; o, a Intérprete; o, a Emigrante; o, a Imigrante; o, a Cônjuge; o, a Herege, o, a Vidente, o, a Regente; o, a Paciente; o, a Pretendente, o, a Cliente, o, a Adolescente; o, a Elegante; o, a Prudente; o, a, Representante; o, a Ardente; o, a Chefe, entre vários outros exemplos que os limites deste texto não comportam.
Como vêm, ilustres Presidentes, a nossa gramática permite ao semantema que denomina a vossa actual função (Presidente) uma ambivalência em termos de género que o torna mais prestimoso e rico no seu uso e no seu significado.
Para além disso e antes de finalizar este breve escrito, gostaria de alertar às duas ilustres Presidentes que fiquem tranquilas porque não são as primeiras mulheres “presidentes” e nem serão as últimas. Antes delas existiram centenas se não milhares, nos países de Língua portuguesa. São as presidentes das câmaras, dos conselhos de administração, das fundações, das juntas de freguesia, dos institutos vários, das diversas comissões, das associações, entre presidentes mulheres de múltiplas outras instituições ou organizações privadas e públicas. Isto, assim dito, de forma genérica e sem qualquer esforço de memória. Não vejo pois razão alguma plausível para essas duas mulheres – já notáveis – rejeitarem ou se sentirem menos mulheres quando apelidadas de “presidente”.
E para terminar mesmo, daqui das ilhas de Cabo Verde vai uma Saúde! (sinónimo de saudação) à Língua Portuguesa!

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