UM OLHAR SOBRE AS PRESIDENCIAIS

domingo, 10 de julho de 2011
1. Os candidatos presidenciais perfilam-se na «grelha de partida» para a sua arrancada final. O chamado “debate” que constituiu na realidade o tiro de partida esteve muito longe de satisfazer as expectativas apesar das diversas tentativas de Jorge Carlos Fonseca para o aquecer e o tornar mais interactivo. Foi morno, depressivo e pouco ou nada clarificador. Aliás, esclareceu porque é que os dois candidatos do PAICV evitam um frente-a-frente que até podia ocupar-lhes menos tempo do que o actual figurino. Para tal bastaria que cada frente-a-frente tivesse a duração de uma hora, o que daria para cada um dos candidatos um tempo global de três horas, menos uma hora do que o modelo estabelecido. Não se tratou pois de um problema de agenda como nos tentaram impingir fazendo pouco da nossa inteligência, mas de medo dos efeitos directos e colaterais – exposição da impreparação e revelação de verdades inconvenientes.

2. Aristides Lima engoliu a treta de “candidato da cidadania” e nem sequer esboçou uma defesa quando acossado principalmente por Jorge Carlos Fonseca mas também por Inocêncio de Sousa dizendo tratar-se de um assunto menor. Mas mostrou que domina bem a Constituição, o que era absolutamente expectável dada a sua formação académica e as últimas funções que desempenhou. Não domina tão bem os outros “dossier” e revelou que tem alguma reticência na coabitação pacífica com o Governo ao endossar a estabilidade política para outras instâncias sem afirmar com clareza o seu posicionamento. No geral não convenceu.

3. Inocêncio de Sousa, por sua vez, esteve igual a si próprio mostrando que é o candidato oficial do PAICV – partido no poder – ao qual declara lealdade em contraposição ao seu adversário de partido. Está virado para a facilitação do cumprimento do programa do Governo e colaboração na persecução das metas desenvolvimentistas estabelecidas pelo Governo e seu partido a este respeito. E dentro deste quadro não esteve mal – discreto, talvez de mais, e pragmático e directo na sua exposição. Domina menos bem a Constituição, o que não admira pois é engenheiro de profissão embora político de ocupação. Se for eleito precisará de bons conselheiros e tomada séria de conselhos nesta área para não cometer os erros graves do actual PR. Cá fica o aviso para eventuais indesculpáveis e inadmissíveis inconstitucionalidades.

4. Jorge Carlos Fonseca é aquele cuja preparação se mostrou a mais equilibrada dominando de igual modo os “dossier” das várias áreas de intervenção política – a do direito e cidadania, a social, a económica, a da segurança dos cidadãos e a da política externa. Isto sem se falar da Constituição da qual se diz co-autor. Disse também ser um candidato sintonizado com os valores defendidos pelo MpD, partido do qual tem apoio, acrescentou, que o orgulha, tendo lembrado, num nítido apelo ao voto da diáspora, que a múltipla nacionalidade e a potenciação da dignificação da nossa comunidade emigrada, descendentes incluídos, são frutos exclusivos da governação MpD. Relativamente à política externa, tem ideias claras e algo críticas mas exacerba o papel do PR. Ele não é MNE e deve conter-se ao papel do Presidente da República. Globalmente está bem preparado para o desempenho da função presidencial.

5. Quanto ao candidato Joaquim Jaime Monteiro revelou-se um acérrimo defensor do regime presidencialista. E as suas posições quanto à concepção dos poderes do Presidente são, no actual regime, de governante e não de Presidente da República. Por isso não se sintoniza com as competências da função presidencial definidas na Constituição. A menos que ele queira aproveitar a ocasião para fazer passar a mensagem da defesa do presidencialismo uma vez que não seria muito coerente da sua parte jurar uma Constituição com a qual, no essencial, não concorda. E não terá poderes nenhuns para a mudar.

6. A política externa é uma área muito sensível e importante para um país com as nossas fragilidades, natureza diaspórica e dimensão. A alusão à nossa participação no Conselho de Segurança, não me pareceu muito feliz. Foi uma questão na altura polémica; não justificou os investimentos feitos e arriscou a criar-nos pequenas fricções com a “superpower” da nossa sub-região, Nigéria, para além de termos perdido o financiamento de um projecto. Não nos esqueçamos também da nossa abstenção nas Nações Unidas, ainda na 1ª República, no caso da Líbia, apenas uma abstenção que nos valeu um “puxão de orelhas” e alguns importantes sacos de milho que os americanos deixaram de nos dar. E alguma suspeita muito remota das razões da saída do USAID de Cabo Verde. Recentemente temos vindo a observar a intervenção desastrosa, ao que se diz nos meios diplomáticos vexatória, do PR e seu principal ponta de lança na Côte d’Ivoire, no tratamento do diferendo Ouatara - Gbagbo confundindo uma eventual amizade e/ou tratamento pessoal privilegiado – Gbagbo foi o único PR a estar presente na investidura do nosso PR – com os interesses reais de Cabo Verde, quiçá por ter estado envolvido numa questão interna semelhante que, por razões muito mais fortes, só não teve um desfecho tão trágico como o de Côte d’Ivoire por alguma lucidez e sensatez de Carlos Veiga e por sermos um povo de brandos costumes. E esperemos que as recentes, inúteis e desnecessárias, declarações do PR sobre o TPI na emissão do mandado de captura de Khadafi não venham a beliscar a nossa imagem. Intervir e dinamizar sim, mas com profundo realismo, discrição, sentido de estado e muita sensatez.

7. Um assunto que vem sendo dito e repisado sobretudo pelos media dominados pela facção do PAICV afecta a Aristides Lima é que José Maria Neves (JMN) enganou-se ao escolher Manuel Inocêncio Sousa (MIS) como candidato a PR. Para já intriga ter-se “encomendado” uma “sondagem” desse teor. A quem interessa? Mas atente-se ao significado do enunciado. Para além de surrealista no contexto partidário, ele arrasta em si mesmo uma vergonha e um escândalo para a imagem e para o funcionamento das estruturas do PAICV. Então como é? Manuel Inocêncio Sousa foi escolhido por José Maria Neves tout court? Não houve umas eleições internas num universo de quase 100 pessoas, precisamente entre as politicamente mais autorizadas e qualificadas (Conselho Nacional) do PAICV, por sinal com regras elaboradas com a participação dos directamente interessados, das quais ele se saiu vencedor? Não estariam presentes membros das duas facções? Ou, já o disse anteriormente, o centralismo democrático inspirador e essência da doutrina marxista-leninista do PAIGC ainda prevalece mesmo depois de mais de duas décadas da queda do Muro de Berlim? Não há instâncias de recurso para as irregularidades? Deixemos de histórias e de tretas… Qualquer militante do PAICV que tenha um miligrama de vergonha e um neurónio que seja de consciência democrática não devia falar de escolha do JMN. Não foi uma nomeação do JMN mas deliberação do Conselho Nacional. E quando alguém não respeita a democracia interna do partido que garantias pode dar do respeito pela democracia instalada no País? Não há democracia sem democratas.

8. O que realmente existe é uma “guerra” de facções e não uma natural luta de tendências. Não discutem “nuances” de ideologia nem percursos alternativos mas sim assentos, influências, no poder. É o triunvirato liderado por JMN e o seu grupo vitorioso de “jovens turcos” contra todo o “parque jurássico” do PAICV que vendo na saída do actual PR, o seu líder e último sobrevivente no poder, uma retirada (reforma) política efectiva que, aproveitando a ambição pessoal de Aristides Lima, quer encontrar nele uma âncora, uma tábua de salvação depois do esforço fracassado do PR de colocar em instâncias de poder os seus homens de mão. Aristides Lima nunca avançaria se, presumivelmente, não tivesse o aval do actual PR e promessas de incentivos de vária ordem, designadamente financeiros, dele e de figuras gradas desse “parque jurássico” à sua volta e seus acólitos, todos alinhados e bem identificados. Talvez aqui sim, haja ou haverá uma relação de submissão ou de dívida de gratidão.

9. Não admira que o conhecido triunvirato liderado por JMN tenha uma estratégia de poder que exclua de forma selectiva os mais proeminentes membros da “velha guarda” do PAICV e seus acólitos. Poderá existir, ab initio ou mesmo a posteriori, entre os elementos deste triunvirato um compromisso que implique a conquista dos três lugares cimeiros da hierarquia do poder no quadro de uma relação de primus inter pares onde pontificam a lealdade e a confiança mútuas e não qualquer relação de subordinação ou de submissão como provam os seus percursos comuns solidários dentro do seu partido. Junte-se a irreverência perante a “velha guarda”. É isto que incomoda a outra facção – a perda de protagonismo e de influências na área do poder e a miragem de definitivamente não os conquistar pelo sentimento real de que a era do PAICV caminha inexoravelmente para o fim, o que poderá estar mais perto do que se pode imaginar.

10. Como se diz popularmente que “só não sente quem não se sente filho de boa gente” e, por isso pessoa alguma acredita que depois do 7 de Agosto – data das eleições presidenciais – não haverá no PAICV um Congresso Extraordinário clarificador qualquer que seja o desfecho das eleições. Internamente nada será como dantes independentemente daquilo que vier a ser publicamente declarado. JMN quererá pôr cobro à insubordinação no seio do seu partido corporizada pelo grupo que fez tábua rasa a uma deliberação do seu Conselho Nacional; clarificar o desafio à sua autoridade como presidente; conferir a sua legitimidade indirectamente posta em causa por algumas declarações de militantes; aferir as relações de confiança e de lealdade indispensáveis ao trabalho de equipa. Se passar a sua moção, nada poderá fazer contra os membros deputados porque estes pertencem a uma outra área do poder. E estes, por sua vez, manter-se-ão quedos e mudos com medo que o Governo caia e percam definitivamente os seus “tachos”. Mas para todos aqueles cujos lugares são escolha sua – do JMN – directa ou indirectamente, por uma questão de coerência e dignidade não devem esperar clemência ou condescendência e antecipar com o seu pedido de demissão ou de lugar à disposição. E tenho poucas dúvidas que JMN não será outra coisa senão Maquiavel travestido de Erasmo de Roterdão no seu esplendor. Noblesse oblige.
A. Ferreira

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