Recusa de Debates em Democracia?

terça-feira, 5 de julho de 2011

A democracia é uma forma superior de governo, porque
se baseia no respeito do homem como ser racional."

John F. Kennedy



Fiquei estupefacto ao ter conhecimento que os candidatos à presidência da República do meu país, com excepção de Jorge Carlos Fonseca, se escusaram a fazer um debate público entre eles, alegando razões de agenda.

Seja-me permitido achar ridícula e caricata tal atitude depois de mais vinte anos da queda do muro de Berlim e da instalação da democracia num País que também é classificado como de desenvolvimento médio.

Pelos vistos os nossos hábitos e a nossa cultura democráticos, não só não acompanharam o nosso desenvolvimento económico como também, em relação à democracia, não acompanharam a sua evolução no mundo. Ou melhor, a questão da democracia só é invocada para determinadas situações. Como estamos em ambiente das presidenciais, é o caso, p.e., do presidente eleito com votos dos mortos e ausentes para o qual a simples referência de Carlos Veiga ao facto, nos passados debates televisivos para as legislativas, foi classificada demagogicamente por José Maria Neves de gesto antidemocrático por, no seu entender, querer pôr em causa a decisão dos tribunais esquecendo ele, José Maria Neves, que Carlos Veiga também se baseava numa decisão dos tribunais e não em conjecturas. Mas o mais estranho dessa “eleição” jurídico-administrativa de um presidente é que o grande beneficiado, na sua função de mais alto magistrado da Nação nenhuma palavra disse de condenação desses actos comprovadamente fraudulentos, acomodando-se e escondendo-se atrás de um, usando um eufemismo, insensato, “não vale a pena chorar sobre o leite derramado”.

Mas voltando a recusa – e não escusa, como antes disse – a um debate nacional público entre os candidatos, quando nenhum deles se encontra instalado e quando todo o eleitorado precisa de esclarecimento para decidir, ela é um atestado de menoridade e de desprezo à inteligência de todos os cidadãos-eleitores. É achar que o nosso eleitorado decide para funções tão importantes como as de Presidente da República por “simpatia”, por arrastamento dos “partidos apoiantes” ou por “slogans” quase sempre ocos e vazios dos comícios onde proliferam os lugares-comuns e as diversas fantasias.
Não é inédito, mas a envolvente e as circunstâncias políticas hoje, são bem diferentes.

Posso até compreender, sem a justificar, a recusa do candidato Manuel Inocêncio Sousa, uma vez que se trata de uma candidatura assumidamente partidária, orientada exclusivamente para os militantes do seu partido e, portanto, com os parâmetros e objectivos programáticos bem definidos e um público-alvo já suficientemente “esclarecido”.

Todas as outras dizem-se da “cidadania” (leia-se “sociedade civil”), ao mesmo tempo que, volto a referir, excepção feita a Jorge Carlos Fonseca, viram costas aos anseios e expectativas dessa sociedade civil da qual reclamam o seu voto sem nada dar em troca, nem sequer submeter ao contraditório directo dos contendores o seu programa mínimo. De quê é que têm medo? Das suas próprias palavras e posições? Das suas ambiguidades e carência de ideias? Do confronto das ideias com a realidade dos factos? De os eleitores passarem a conhecer toda a intriga e a imensa malha tortuosa em que o PAICV está metido e a consequência óbvia de uma punição nas urnas aos seus dois candidatos?

O que se espera dos candidatos presidenciais, porque todos constitucionalmente da “cidadania”, é que tenham na sua agenda lugares vários para debates a dois e, pelo menos um, para todos em conjunto (neste caso específico a quatro) e não o inverso – secundarizar o debate e remetê-lo a um lugarzinho na agenda, se “houver tempo”.

Com a evolução das novas tecnologias de informação e comunicação, designadamente dos meios audiovisuais, os debates tornaram-se a essência, a pedra de toque das democracias modernas.

É ponto assente e já lugar-comum que o debate de ideias, constitui sempre o grau alto em ambiente democrático; é um ponto de chegada, de apuramento, de classificação do estado da democracia em qualquer país que se preze! E quem ainda não compreendeu isto não pode aspirar, em democracia, a um lugar politicamente elegível. Não está preparado para a democracia real e esconde-se, evitando submeter as suas ideias ao contraditório directo e em simultâneo no universo dos eleitores para que estes reflictam, comparem e decidam.

Confesso estar chocado e triste com essa recusa dos nossos candidatos à presidência da República em fazer um debate público. Isto é reduzir a democracia e empobrecer o processo de candidaturas presidenciais. Desta forma não me permitem ter opções claras sobre qual dos candidatos merece o meu voto e atiram-me inexoravelmente para as bandas de Jorge Carlos Fonseca ou do voto branco punitivo. Este, reconheço, poderia não ser justo para com aquele que mostrou uma atitude democrática e de respeito e consideração para os cidadãos eleitores. Não gostaria de decidir desta forma… E mantenho ainda alguma esperança embora remota e ténue que esta manifesta caboverdura será evitada. Ainda há tempo!...

A grande conclusão a que chego é que os nossos candidatos a cargos políticos, salvo honrosas excepções, têm a mentalidade e os procedimentos de funcionários e não de titulares de órgãos de soberania mesmo se já os tiverem exercido, como resquícios de uma doutrina e de uma prática interiorizadas.

E esta de não ter espaço na agenda, para a primazia da democracia – o debate – há mais de um mês da data das eleições “não lembra ao diabo”. Por favor, tenham um pouco de respeito pela nossa ignorância para que vos possamos igualmente respeitar.
A. Ferreira

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