Isto é cenário de um meio urbano com saneamento e com defesa da saúde pública?*
Aludindo ao que vem escrito como legenda da fotografia, volto a questionar:
será isto um meio urbano? E o que se entende por um espaço urbano?
Não meus senhores, um espaço urbano é um espaço com saneamento, com defesa
da higiene pública, com segurança efectiva dos seus moradores,
com as ruas e os passeios seguros e limpos, para a circulação dos
transeuntes, com mercados municipais adequados para venda de produtos, com
estética, com alinhamento, com espaços verdes e embelezamento, enfim, será
tudo isso, e será também o oposto do que mostra a imagem acima na página.
A capital do País, a cidade da Praia nunca mais ganha um semblante urbano,
um ar de verdadeira cidade, não só por culpa dos seus edis, mas também por
culpa dos seus munícipes.
Se não, vejamos: encontramos na parte central da cidade, também chamada,
parte nobre da cidade, onde se situam as principais artérias da urbe, e
nos bairros residenciais, vendedores de rua, ambulantes ou fixos, sentados em
bancos ou pedras, ou a deambular, a vender artigos vários incluindo géneros
alimentícios. Sobre estes últimos, o que vemos diariamente, no meu entender, é
simplesmente preocupante. É que a fruta, as verduras, o peixe, de
entre outros produtos, são manuseados sem qualquer cuidado higiénico, sem qualquer
controlo, sem se saber do seu estado de conservação, expostos, muitas vezes, às
moscas ou, a outros insectos, voadores ou rastejantes, enfim, um autêntico e
despudorado atentado à saúde pública. E tudo isto em completa impunidade.
Mas minha gente, para quê se construíram os mercados da Praia?
Porque se encontram tantas vendedeiras e vendedores na rua? Por
vezes são tão, ou mais numerosos do que aqueles que estão dentro do mercado
Municipal. Estes últimos, com os seus produtos seguramente mais cuidados, e se
calhar ainda isentos das taxas de ocupação.
Aliás, não será difícil a Câmara Municipal encontrar uma solução para essa
constrangedora e confrangedora situação de venda nas ruas da capital. Uma
hipótese entre outras, para exemplificar, é identificar um espaço onde instalar
as vendedeiras de rua, sem lhes cobrar qualquer taxa tirando-lhes o argumento
de que não podem pagar. Seria um excelente serviço que a autarquia nos
prestava.
Na minha opinião, o que vem acontecendo é um autêntico atentado à
saúde pública. Interessante é que este fenómeno de vendas em pleno passeio
público na cidade da Praia, já conheceu algum progresso na sua interdição, mas
infelizmente, voltou em força, com todos os perigos que isso acarreta para a
nossa alimentação e para a nossa saúde.
Não me digam que são “coitados” (o termo usado sempre como justificação
de situações de incumprimento de normas instituídas) para justificar
a actividade, sem se pensar no perigo que se corre na aquisição de produtos
alimentares na rua.
“Coitados” serão também aqueles e aquelas que vendem no interior do Mercado
Municipal, “mães de filhos” como elas gostam de se apresentar. E no entanto,
elas e eles, quando estão no interior do Mercado, estão a cumprir
e bem, uma das mais importantes posturas municipais, isto é, a de
proibição de venda na rua.
Infelizmente a ajuntar à pouca higiene dos produtos, temos os cães
vadios que infestam as ruas de toda a grande Praia, em número quase
aproximado dos seus habitantes, – até poderá ser uma caricatura da
situação, mas são tantos que faz pensar isso – à volta dos cestos e
caixas das vendedeiras, à procura de desperdícios para se alimentarem.
Porquê esse recuo civilizacional na nossa Capital? O cenário é
verdadeiramente degradante e indigno de uma cidade, mormente da cidade
que é a capital do país.
Nessa inexplicável tolerância de permitir a venda na rua de géneros
alimentícios, faz-nos pensar também que se está a retirar importância à cidade
da Praia, enquanto espaço urbano, e a fazer pouco da saúde do seu munícipe.
Não me vou alongar muito neste assunto, o qual, há muito que vem sendo
questionado, a bem da higiene da cidade da Praia e a bem da saúde dos seus
residentes, mas apenas pedir:
Pela nossa rica saúde! Tirem as vendedeiras de géneros alimentícios da rua!
É deprimente a situação! Cuidemos da saúde dos munícipes e da higiene da
cidade-capital.
* Nota Final - Ao autor da fotografia, o meu agradecimento
pela bem ilustrativa imagem do assunto aqui aludido…
1 comentários:
Acompanho a Ondina Ferreira na denúncia que faz a esta "constrangedora e confrangedora situação", subscrevendo a totalidade da análise que faz e as considerações que tece. Mas, infelizmente, esta situação não é exclusiva da cidade da Praia, pois nas visitas que fiz ao Mindelo deparei com o mesmo estado de coisas.
Eu até comentei, talvez provocando desagrado a quem me ouviu, que a independência trouxe, sim, mais progresso social, mas ao mesmo tempo recuperou lá dos confins da memória ancestral um não sei quê de ar terceiro-mundista.
O antigo administrador de S. Vicente, o capitão Miguel Mota Carmo, que exercia (anos quarenta/cinquenta) o sem mando com mão de ferro, autêntico ferrabrás, acabou terminantemente com essa prática nas zonas mais urbanas da cidade. E durante o tempo em que vivi em S. Vicente, creio que a proibição se manteve. Nas zonas mais afastadas do centro da morada, apareciam, sim, vendas isoladas de sucrinha, rebuçado e mancarra; isto para não falar das vendedeiras de mancarra torrada à porta dos cinemas, e de na Praça Nova e na Pracinha da Igreja pulularem vendedores ambulantes de cigarro americano ou inglês, drops, chocolates e pastilha elástica. Mas tudo devidamente ordenado, com os produtos bem acomodados e protegidos em tabuleiros ou cestos, conforme o seu género. Um dos vendedores mais conhecidos que conheci foi o "Mitchel", que, segundo fui informado, morreu relativamente novo. Era aquilo que se designa por castiço.
Nas minhas visitas a S. Vicente, um tio meu, falecido há cerca de 1 ano, costumava dizer: "isto o que está a precisar é de um Mota Carmo!" Sobre o Mota Carmo escrevi um texto biográfico, ainda não publicado, e certamente nunca o será. Era uma figura controversa, tendo ficado conhecido pela proibição que instituiu às saias curtas, o que até deu origem a uma cantiguinha satírica, cujo conhecimento até chegou a Lisboa. Mas é evidente que o tempo do Mota Carmo foi o do Estado Novo, regime autoritário e repressivo, quando hoje temos a nossa democracia, embora ela muitas vezes incapaz de exercer a autoridade "democrática".
Enviar um comentário