segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

 

Do valor da(s) língua(s) materna(s) e da diversidade linguística

Opinião de Margarita Correia[i]

Celebra-se hoje o Dia Internacional da Língua Materna, proclamado pela Conferência Geral da UNESCO em 1999. A proclamação visou o reconhecimento de que as línguas e o multilinguismo podem promover a inclusão. A UNESCO acredita que a educação, baseada na primeira língua ou língua materna, deve ter início logo nos primeiros anos de vida das crianças, uma vez que os cuidados infantis e a educação básica são fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem. Enquanto linguista e cidadã, não posso estar mais de acordo.

Apesar de benéfico para as crianças, promover o ensino em língua materna pode esbarrar com obstáculos dificilmente transponíveis por comunidades que falam línguas minoritárias, menorizadas e até em risco de extinção, distintas das oficiais ou oficializadas dos Estados a que pertencem, e geralmente pobres.

Para promover a educação em uma dessas línguas são necessárias três conquistas, cujos efeitos são basilares. Por um lado, a comunidade que a fala tem que resistir ao entorno adverso e valorizar a sua língua, cultura e identidade, reconhecendo a importância da educação dos seus filhos na sua própria língua, reforçando o seu amor-próprio e acesso à cidadania plena. Por outro, a língua deverá ter alguma forma de representação escrita estável, descrições do seu funcionamento e (meios para criar) material didáctico. Por fim, a cultura dominante, expressa na língua oficial, deve cultivar valores democráticos e respeito pela diversidade.

Forçoso é, neste contexto, lembrar alguns países de língua oficial portuguesa, por serem países de enorme diversidade linguística, mas em que apenas uma, a exógena, é língua de poder, como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique ou Timor-Leste. A verdade, porém, é que todos os países da CPLP são multilingues, pela manutenção das línguas autóctones, pelo desenvolvimento de crioulos, línguas gestuais ou de sinais e pelos imigrantes, que trazem consigo as suas línguas e culturas – e. g. o Brasil, além das suas línguas indígenas (talvez mais de 160 – foram muitas mais e ainda não se avaliaram os efeitos da presente pandemia), da língua brasileira de sinais e dos registos de fronteira (portunhol), conta com muitas línguas de imigração em uso (e. g. alemão, japonês, italiano ou pomerano, língua baixo-saxónica, do grupo das faladas na região do Báltico, provavelmente extinta na Europa após a II Guerra Mundial, mas falada em Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo).

Também Portugal é um país cada vez mais multilingue (e multivarietal), embora a sociedade não se tenha ainda capacitado da riqueza que essa diversidade lhe traz. Além de português, mirandês, língua gestual portuguesa e línguas dos países de língua portuguesa, importa realçar as muitas línguas que fazem hoje parte do nosso panorama linguístico, fruto da imigração e do acolhimento de refugiados. Uma prova do impacto desta diversidade linguística foi a entrada da disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM) no currículo nacional, no início do século, e as suas novas regras de funcionamento, publicadas a 16 de Fevereiro, com o objectivo de tornar a escola mais inclusiva.

Possibilitar o desenvolvimento da(s) língua(s) materna(s) e a exposição precoce a outras línguas é um dos mais importantes patrimónios que podemos legar às futuras gerações, que se tornarão assim mais preparadas e tolerantes. As nossas crianças apenas têm a ganhar em conhecer outras formas de ver o mundo e outras formas de o expressar. De resto, todos nós também.

 



[i] Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa - In DN de 21.01.22.

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