Do valor da(s) língua(s) materna(s) e
da diversidade linguística
Opinião de Margarita Correia[i]
Celebra-se hoje o Dia Internacional da Língua Materna,
proclamado pela Conferência Geral da UNESCO em 1999. A proclamação visou o
reconhecimento de que as línguas e o multilinguismo podem promover a inclusão.
A UNESCO acredita que a educação, baseada na primeira língua ou língua materna,
deve ter início logo nos primeiros anos de vida das crianças, uma vez que os
cuidados infantis e a educação básica são fundamentais para o desenvolvimento
da aprendizagem. Enquanto linguista e cidadã, não posso estar mais de acordo.
Apesar de benéfico para as crianças, promover o ensino em
língua materna pode esbarrar com obstáculos dificilmente transponíveis por
comunidades que falam línguas minoritárias, menorizadas e até em risco de
extinção, distintas das oficiais ou oficializadas dos Estados a que pertencem,
e geralmente pobres.
Para promover a educação em uma dessas línguas são
necessárias três conquistas, cujos efeitos são basilares. Por um lado, a
comunidade que a fala tem que resistir ao entorno adverso e valorizar a sua
língua, cultura e identidade, reconhecendo a importância da educação dos seus
filhos na sua própria língua, reforçando o seu amor-próprio e acesso à cidadania
plena. Por outro, a língua deverá ter alguma forma de representação escrita
estável, descrições do seu funcionamento e (meios para criar) material
didáctico. Por fim, a cultura dominante, expressa na língua oficial, deve
cultivar valores democráticos e respeito pela diversidade.
Forçoso é, neste contexto, lembrar alguns países de língua
oficial portuguesa, por serem países de enorme diversidade linguística, mas em
que apenas uma, a exógena, é língua de poder, como Angola, Guiné-Bissau,
Moçambique ou Timor-Leste. A verdade, porém, é que todos os países da CPLP são
multilingues, pela manutenção das línguas autóctones, pelo desenvolvimento de
crioulos, línguas gestuais ou de sinais e pelos imigrantes, que trazem consigo
as suas línguas e culturas – e. g. o Brasil, além das suas línguas indígenas
(talvez mais de 160 – foram muitas mais e ainda não se avaliaram os efeitos da
presente pandemia), da língua brasileira de sinais e dos registos de fronteira
(portunhol), conta com muitas línguas de imigração em uso (e. g. alemão,
japonês, italiano ou pomerano, língua baixo-saxónica, do grupo das faladas na
região do Báltico, provavelmente extinta na Europa após a II Guerra Mundial,
mas falada em Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo).
Também Portugal é um país cada vez mais multilingue (e
multivarietal), embora a sociedade não se tenha ainda capacitado da riqueza que
essa diversidade lhe traz. Além de português, mirandês, língua gestual
portuguesa e línguas dos países de língua portuguesa, importa realçar as muitas
línguas que fazem hoje parte do nosso panorama linguístico, fruto da imigração
e do acolhimento de refugiados. Uma prova do impacto desta diversidade
linguística foi a entrada da disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM)
no currículo nacional, no início do século, e as suas novas regras de
funcionamento, publicadas a 16 de Fevereiro, com o objectivo de tornar a escola
mais inclusiva.
Possibilitar o desenvolvimento da(s) língua(s) materna(s) e a
exposição precoce a outras línguas é um dos mais importantes patrimónios que
podemos legar às futuras gerações, que se tornarão assim mais preparadas e
tolerantes. As nossas crianças apenas têm a ganhar em conhecer outras formas de
ver o mundo e outras formas de o expressar. De resto, todos nós também.
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