Comentário de Adriano
Miranda Lima à publicação seguinte
“Descolonização da
Língua portuguesa?” de Ondina Ferreira
Por ter achado oportuno e interessante o comentário,
acima mencionado; por considerar que merece ter maior visibilidade e melhor
leitura dos que visitam o “Blog”, com a devida vénia ao autor, publico-o sob este formato.
Dra. Ondina Ferreira, prezada
Amiga, também fui assaltado pelas mesmas dúvidas quando ouvi a escritora
Paulina Chiziane afirmar a necessidade de “descolonizar” e limpar” a nossa
língua, que é de todos e de ninguém em particular. Como não tive oportunidade de
ler o texto integral da sua intervenção, as minhas dúvidas mantiveram-se e nem
mesmo com a tentativa de compreensão da Dra. Ondina Ferreira elas se
desfizeram.
Claro que libertá-la de
anglicismos e galicismos não é o que está em causa. Se é um facto que desde
tempos remotos alguns vocábulos franceses e ingleses se foram convertendo em
palavras portuguesas adaptadas para vincular o mesmo significado, e não são tão
poucas como isso, o que hoje tendencialmente se verifica é algo exagerado e
abusivo e sem que se justifique. E também algo diferente porque se usa na
conversação em português o termo ou a expressão em inglês puro e genuíno Neste
caso, “descolonizar” e “limpar” tem de ser uma preocupação, mas antes disso
importará que o utente da língua não crie conspurcações desnecessárias.
Mas a minha dúvida é se
algumas das palavras citadas pela escritora laureada devem ser objecto de
qualquer acção de limpeza ou processo de descolonização. Por exemplo,
“matriarcado e patriarcado”, uma vez que o seu significado é do âmbito da
sociologia e da antropologia, conectando-se com a fenomenologia histórica, não
vinculando exclusivamente os povos africanos e, por isso, não podendo ser-lhes
atribuída uma interpretação pejorativa que suscite racismo.
“Palhota” não passa de uma
habitação rural contruída com recursos naturais à mão (palha e canas). Em Cabo
Verde e em certas regiões do interior de Portugal utiliza-se pedra, o meio
abundante na natureza. A diferença entre uma palhota e um casebre de pedra é
apenas no material da construção, não na sua indigência básica. Só com intenção
marcadamente pejorativa se pode ver na palavra palhota uma ideia de racismo. O
facto de um régulo me receber em 1972 na sua palhota numa aldeia de Moçambique
(era maior e melhor que as outras) não lhe retirava dignidade aos meus olhos e
menos ainda aos olhos do próprio. Esse régulo nutria uma simpatia particular
pela minha pessoa.
Por fim, a palavra caatinga ou
catinga. Usa-se no Brasil desde os primórdios da colonização do seu território
e significa um terreno árido com vegetação característica. Mas passou, de
facto, a ser usado, não sei desde quando e onde, certamente nos territórios
africanos, de forma pejorativa e em alusão ao cheiro típico exalado por
africanos. É evidente que tanto brancos como pretos podem exalar cheiro típico
por falta de higiene, mas sei que havia a crença de que os africanos exalavam
um cheiro próprio ou por falta de higiene ou por uma questão hormonal. Dizia-se
em Angola, como eu bem sei, “catinga de preto”, pelo que, aqui sim, há toda a
razão em eliminar dos dicionários esse significado da palavra deixando incólume
o outro, o verdadeiro. É indigno e urge a limpeza.
Portanto, fico com dúvidas
sobre as verdadeiras palavras que, no critério da senhora Chiziane, justificam
acção depurativa. Outras certamente haverá que poderão requerer “limpeza”, mas
no meu entendimento não poderá ser por qualquer rasoira saneadora. Porque se
virmos bem não seremos apenas nós, os africanos ou de origem africana, a
assumir esse encargo, mas sim todos os falantes da língua, independentemente da
sua geografia e cultura. Como os linguistas sabem melhor do que eu, as
transformações numa língua não se operam por deliberações administrativas, mas
sim pelo contínuo e prolongado desuso de palavras no léxico da comunicação
entre as pessoas.
Para concluir, porque já fui
longe demais, não quero deixar de considerar que a escritora não tinha qualquer
necessidade de começar a sua intervenção com estas palavras: “Sou negra, e
depois?” “sou africana, e depois?”. Sim, e depois, Paulina Chiziane? Qual a
razão por que formulou essas duas interrogações? Compete-lhe mais a ela
responder do que o júri que lhe atribuiu o prémio ou os milhões de lusófonos
que assistiram à cerimónia. E que até devem ter ficado, como eu fiquei,
encantados com a beleza da senhora e com a dignidade do seu porte e
apresentação.
Como tenho Moçambique no meu
coração, mais do que Angola, por onde andei primeiro, não me esqueço de uma
cena ternurenta proporcionada por um soldado moçambicano natural de Inhambane
que era meu subordinado. Ele fazia parte de um grupo de 50 praças que
reforçavam a minha companhia. Estudou numa missão protestante e falava e
escrevia o português como qualquer metropolitano escolarizado. Ora, no dia 10
de Junho de 1972, já lá vão 51 anos, ele, que ajudava na escolarização dos
meninos da aldeia local, decidiu organizar um pequeno espectáculo teatral com a
classe escolar. O tema foi “Camões e o amor”. Eu e os meus graduados fomos
assistir e aplaudimos. Comove-me ainda esta recordação.
As minhas felicitações, Dra.
Ondina Ferreira, pelo seu importante texto e pelo que representa de luta
empenhada pela valorização do português e pela sua real promoção como língua
materna e instrumento de comunicação entre os falantes da nossa terra.
Adriano Lima
1 comentários:
Da minha parte, agradeço a publicação. Pena é espaços
como estes, em que são tratados assuntos de importância, como é o problema linguístico em Cabo Verde, entre outros, não serem mais frequentados. Se efectivamente o são, acontece que faltando o comentário fica impossibilitado o debate. Mas o problema não é exclusivo do Coral Vermelho, pois dum modo geral os blogues sérios se queixam do mesmo. Frequento assiduamente mais 3 e o problema é o mesmo.
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