Por Adriano Miranda Lima[i]
No meu último artigo sobre este tema, abordei a problemática do
Serviço Militar Obrigatório (SMO) com o intuito de relembrar a precipitação que
rodeou a extinção do antigo modelo e a forma como aparentemente foram
menorizadas ou relativizadas todas as suas reais implicações. O artigo foi
apenas o ponto de partida para uma discussão que terá de ser norteada pelo
propósito de contribuir positivamente para uma solução que responda aos
objectivos da segurança e defesa nacionais e se enquadre na capacidade financeira
do país.
É importante sublinhar que o debate sobre este tema tem de envolver
a sociedade civil e o meio militar. Mas as opiniões não podem reger-se por
amadorismo e superficialidade, ou deixarem-se contaminar por preconceitos
ideológicos ou ideias feitas. É como classifico certos juízos que parecem
distanciados da realidade empírica, pela simples razão de serem formulados por
quem não a conhece suficientemente. São situações em que parece mais cómodo
ficar-se por floreados intelectuais à procura de empatia com a faixa social
visada ou com o pseudo-interesse supostamente posto em causa.
Por exemplo, e para começar, considero errado do ponto de vista
conceitual afirmar que os cidadãos não são recursos à disposição do Estado de
Direito Democrático, daí insinuando-se que este não tem legitimidade para impor
a obrigatoriedade do serviço militar, pelo que a solução será contratar quem se
disponha a aceitar o compromisso de defender a pátria. Alguma opinião publicada
desfavorável ao SMO funda-se em argumentos economicistas do género: “os
cidadãos conscritos consomem, mas não produzem, e a produção económica é
essencial para a obtenção dos impostos necessários ao funcionamento dos
serviços do Estado, incluindo os exércitos”. Considero disparatado este
pensamento, que, aliás, a própria história da civilização contraria. O
sentimento colectivo de auto-defesa é intuitivo e remonta às primeiras
comunidades humanas. Os homens válidos da aldeia, da tribo ou do clã não
precisavam de qualquer estímulo, incitamento ou prémio para pegarem em armas
contra o invasor ou agressor, pois sabiam que se não o fizessem o preço a pagar
seria o fim da sua comunidade. Defender as suas vidas e as das suas famílias
era uma prerrogativa que conferia honra e distinção.
O absurdo kafkiano de questionar a legitimidade de o Estado impor o
serviço militar permitiria então, por inferência indutiva, acusá-lo de ter
violado os direitos dos cidadãos até que foi decidido desconstitucionalizar a
sua obrigatoriedade com a revisão constitucional de 1997. O que não se pensará
então dos países europeus que, devido às alterações geo-políticas, retomaram um
modelo de serviço militar obrigatório ou o expandiram, como a Noruega, a
Finlândia, a Dinamarca, a Suécia, a Áustria, a Grécia e a Letónia? De facto,
neste caso, seria de um ridículo inominável afirmar que países profundamente
democráticos e socialmente avançados estão a violar os direitos dos seus
cidadãos ao convocarem a sua participação nos trabalhos da defesa da pátria. De
resto, é consabido que os direitos e os deveres de cidadania, duas faces da
mesma moeda, assentam num princípio básico que é comum a todas as sociedades
democráticas.
Outra narrativa para descredibilizar o regresso do SMO tem
consistido em fazer crer que com a sua reintrodução se pretende reforçar a
“socialização cívica” dos cidadãos, o que, aliás, com razão, os seus autores
consideram “démodé” face à evolução dos níveis de escolaridade e progresso
social. Mas, na verdade, só os que rejeitam liminarmente o SMO é que se agarram
como lapa à semelhante falácia. O máximo que se pode dizer é que o
fortalecimento da consciência cívica poderá ser uma consequência natural do SMO,
mas longe de ser um fim em si mesmo. E mesmo assim sem representar um
contributo relevante à escala nacional se se considerar que as mulheres e cerca
de metade dos homens ficam isentos do serviço militar. Pois, se é verdade que o
SMO favorece e estimula o apego a certos valores, como a camaradagem, espírito
de corpo, disciplina, pontualidade, etc., contudo, não é por aí que passa a
razão fundamental da sua reabilitação.
Também se têm lido opiniões publicadas que induzem o leitor a
pensar que a reactivação do SMO terá em vista substituir o voluntariado. Ou que
o SMO não resolve o problema da escassez dos efectivos. Porém, nada disso tem
consistência ou traduz a verdade. A reactivação do SMO, pelo contrário,
servirá, precisamente, para o embasamento estrutural do sistema de
voluntariado, além de ser a única via possível para a recuperação do importante
sistema de mobilização nacional que Portugal já possuiu, à semelhança de todos
os países que dele não abdicaram, cientes da sua imprescindibilidade para a
defesa nacional. A afirmação de que o SMO não resolve o problema da escassez de
efectivos é uma perfeita evidência do equívoco ou fragilidade de alguns juízos.
É claro que o SMO resolveria “tout court” o problema dos efectivos da mesma
forma que o conseguiu no passado, dimensionado em função das necessidades
impostas por cada conjuntura. No entanto, a resposta seria claramente em termos
quantitativos, não ao nível da exigência qualitativa que depende
necessariamente do tempo de serviço e do profissionalismo, que são as
condicionantes do sistema do voluntariado. Como ninguém pensa em anular o
voluntariado, mas, pelo contrário, promover a sua alimentação contínua e
sustentada através de efectivos de conscrição anualmente convocados,
ultrapassando-se assim a incerteza que ora rodeia o actual sistema, fica assim
bem exposta a impertinência e ligeireza de algumas opiniões denegridoras do
retorno do serviço obrigatório.
1 comentários:
Em Portugal, há muita gente que não quer olhar para este problema com o necessário realismo.
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