Qual é a origem da palavra «mãe»?(i)

domingo, 5 de maio de 2024

 

                                                           Por Marco Neves

Porque hoje, dia 5 de Maio, se comemora o Dia das Mães e porque este excelente texto do Prof. Marco Neves trata a origem da palavra «mãe» tomámos a liberdade de aqui o publicar também, com a devida vénia ao autor.


Feliz Dia da Mãe!

No Dia da Mãe, fazemos uma viagem à origem dessa palavrinha.

Para começar, olhemos para o inglês. Podíamos ter começado por outra língua qualquer, mas esta é uma língua famosa, digamos assim… Não se preocupe: havemos de chegar à nossa, não sem antes viajar no tempo.

Hoje em dia os ingleses dizem «mother», é verdade. Mas, há uns bons séculos, no tempo do Inglês Antigo, essa «mother» era «mōdor», o que me soa a nome de reino da Terra Média.

Ora bem: há uns 1000 anos os ingleses diziam «mōdor». E há 5000 anos? Bem, por essas alturas ingleses era coisa que não havia — e a escrita estava ainda a dar os primeiros passos, o que nos impede de saber como se dizia «mãe». No entanto, os linguistas, nos últimos 200 anos, através de complexas comparações entre línguas, descobriram que muitas línguas da Europa e da Ásia pertencem a uma só família: a família indo-europeia.

Ora, através dessas comparações, chegou-se a uma forma provável para a palavra «mãe» tal como seria dita nessa língua muito antiga: «*méh₂tēr» (o asterisco serve para mostrar que a palavra é uma reconstrução e o h₂ não é nenhuma fórmula química, mas antes uma forma de representar um certo som para o qual não temos nem letra nem certezas).

Essa palavrinha reconstruída deu origem à «mother» inglesa — mas não só. Deu origem à «mâdar» persa, por exemplo. Deu também origem à «mãe» grega («mitéra»), russa («matʹ»), letã («māte»), irlandesa («máthair») e por aí fora. Curiosamente, deu também origem à «motër» albanesa, com a peculiaridade que, nessa língua, a palavra acabou por significar «irmã». Mistérios das línguas humanas…

Ah, pois! A tal língua indo-europeia desfez-se com o tempo. Lá pelo Norte da Europa, entre florestas antigas e alguma escuridão, transformou-se na guerreira «mother» inglesa, na carinhosa «Mutter» alemã, na abreviada «mor» sueca…

 Pois, a mesma língua, mais a sul, deu origem à «mater» latina, que se foi transformando na «mamă» romena, na «madre» italiana e espanhola, na «mère» francesa, na «mare» catalã e, claro, na nossa palavrinha…

Chegámos, por fim, à nossa língua-mãe. A «mater» latina, neste canto da Europa, acabou por se tornar nesta palavra toda ela nasal, feita do inevitável «m» e, depois, do ditongo «ãe», que aflige os estrangeiros interessados em falar português. Quem não sabe, tem de aprender a controlar a saída do ar pelo nariz — nós fazemos isso sem dificuldade, mas peçam lá a um inglês para dizer «mãe» e verão como é difícil dizer as vogais nasais. Temos uma língua muito senhora do seu nariz, é o que é.

Ah, mas a palavra, mesmo dentro da nossa língua, muda. Já se escreveu «mãy» (e não só). Dizemos «mãe», mas também «mam㻫mãezinha» e todas as outras formas que multiplicam o carinho e o amor pela mãe. A mesma palavra, quando se ouve na boca dum filho a chamar a mãe ao longe, transforma-se noutra coisa: numa «mã-iiiiihn».

Ainda não acabou a viagem. Mesmo por cima de nós, temos a «nai» ou a «mai» galegas, a mostrar que as nossas palavras andam sempre ali na vizinhança das palavras dos vizinhos do Norte — e, como as línguas não param, a mesma «mai» aparece no cabo-verdiano, uma língua que nasceu do nosso português, continuando o mesmo eterno processo que nos trouxe até aqui a partir da tal palavra antiga que se dizia há 5000 anos — e que já vinha de outras palavras mais antigas, que já não conseguimos reconstruir, que o tempo apaga tudo, até as palavras mais bonitas.

Não importa. Há 5000 anos, algures na Europa, uma criança dizia «*méh₂tēr»; o meu filho diz «mãe», assim, com as três letrinhas apenas… As palavras mudam no tempo e no espaço, mas neste gesto de chamar a nossa mãe há qualquer coisa que nos une a todos.

Se o leitor não se importar, acabo esta viagem no tempo a dar um beijinho à minha mãe — e a todas as mães, em todas as línguas do mundo.



 iTexto baseado em crónica escrita para o Sapo 24 em 2018

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Gostei desta bela e útil lição sobre a história linguística da palavra mãe. Deuxo aqui os meus agradecimentos.

Também hoje chamei pela minha mãe, que nos deixou em 2015, prestes a fazer 93 anos. Aliás, chamo-a sempre, praticamente todos os dias.
Em 2022, chameia-a através do seguinte poema, no dia em que faria 100 anos se fosse viva.

AS TUAS PALAVRAS MATERNAIS

Mãe

As palavras não cessaram
mesmo quando sobreveio
o silêncio opaco
porque entre elas ficou raiando
o fogo crepitante que alimenta a vida
e não deixa oxidar o amor
Mesmo quando a fé
ameaçou tombar no ocaso
e perder-se no vazio
conseguiste sempre o sortilégio
de fazer florir uma rosa
no nosso jardim de pedra
Guardamos intactos
pedaços daquela luz invasiva
que filtravas ao início do dia
e bordavas amorosamente
no recolhimento da noite
na tua velha máquina de costura
Por vezes o tempo foi impiedoso
e houve notícia de estrelas colapsadas
e veleiros à beira de naufrágio
mas o teu olhar foi o farol luminoso
e a tua palavra avisada
a âncora e o lastro no porto seguro
Não importa o tempo que passa
se os nossos corações pulsam
e pulsarão sempre em uníssono mãe
o teu e o dos teus filhos
com a mesma vibração sentida
ecoando as tuas palavras maternais

Adriano Miranda Lima

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