Um texto sempre
oportuno e bem-vindo à causa da Leitura!
Com a devida vénia ao
seu autor, permito-me aqui transcrevê-lo.
Merece ser amplamente divulgado.
É minha convicção que
entre nós se ressente de forma alarmante e, por vezes, muito constrangedora da
falta de leituras, de uma informação cuidada e verificada. Já não falo só da
questão dos nossos alunos. Refiro-me igualmente e sobretudo, a gente responsável, professores,
jornalistas, historiadores, entre outros altos quadros que nos representam e
governam e que falam em público, sem leituras feitas, sem que tenham dados
históricos devidos e minímamente cruzados e verificados. Enfim, e numa palavra:
sem cultura. Torna-se doloroso e penoso, escutá-los.
Daí este magnífico
texto do Pediatra português, Mário Cordeiro, publicado na revista Visão, nº
1189, de 17 de Dezembro de 2015, que nos apela a ler, pois que “Ler é poder
mais”.
Eu acredito que sim!
Mário
Cordeiro*
Os livros são memória colectiva, espaço de liberdade e uma
fronteira civilizacional. É o aparecimento da escrita que define a passagem da
pré-História para a História. Tirando excepções, a literatura esteve ao lado da
democracia, do livre pensamento e da dignificação do ser humano, mesmo que para
contar uma simples história, relatar vivências ou expressar ideias e
sentimentos como na poesia.
Antes da escrita havia a tradição oral, de geração para
geração, mas adulterando-se e perdendo pormenores, em função do tempo, das
recordações e também dos interesses e juízos de valor do narrador. Os livros
vieram estruturar a palavra e sedimenta-la, perpetuando-a.
Ler é, também, um espaço. Um espaço de tranquilidade, que se
pode rever, controlar, que exige dedicação e que permite retomar o tempo do
Homem, o tempo do Tempo, a parte endorfínica da nossa vida. Ler é ver, mexer,
sentir, cheirar, parar o Tempo e saborear.
Quem lê, escreve melhor, fala melhor e será, seguramente, uma
pessoa mais estruturada, sabedora e
livre.
É ideia geral que as crianças cada vez leem menos.
Provavelmente será verdade, sobretudo se restringirmos o verbo “ler” à leitura
de livros que não os da escola, os de informação “pura e dura”, ou os
epifenómenos (e isto não é um juízo de valor) como O Diário de… ou qualquer
outro bestseller de vida tão esporádica quanto efémera.
Os livros e a leitura são espaços de recreação, de calma,
tranquilidade, exploração táctil e olfativa, que dão o prazer de folhear,
pousar e reflectir, parar e pensar, imaginar, criar cenários, usar a
experiência pessoal para entender o conteúdo e esse privilégio a ser cilindrado
pelos ecrãs e pela falsa comunicação dos “cem mil amigos” das redes sociais,
como se essa interacção não passasse de pobre, limitada e mentirosa.
Os actuais pais já não pertencem a uma geração com hábitos de
leitura, seja por falta de tempo e cansaço, seja porque preferem diversões que
exigem menos das “células cinzentas”, como televisão, internet ou revistas
“cor-de-rosa”.
A própria sociedade volta as costas aos livros. Compram-se
menos, oferecem-se menos, usam-se menos. Numa sociedade que exige tudo à la minute, que usa e deita fora, que
desperdiça, claro que os livros, como símbolo da calma, do tempo, do voltar
atrás e (re)saborear certas passagens, não poderiam estar na moda. É impossível
uma página escrita competir com um ecrã. É utopia querer que o ritmo de um
romance combata de igual para igual a acção de um filme ou de uma série
televisiva.
As crianças habituaram-se a hábitos de leitura praticamente
nulos. Na própria Escola, os manuais de ensino são user friendly, interactivos, recheados de figuras, desenhos e
fotografias, reduzindo texto quase a zero. Compreende-se do ponto de vista
didáctico e pedagógico. É mau no sentido de estimular a leitura. Quando algum
professor tem a ideia “bizarra” de dar um livro a ler para depois comentar, a
maioria dos alunos (e encarregados de educação) pensará: “Que seca! Que
pincel!”.
É pena que a memória escrita, o mistério, o esforço de
imaginação e de abstracção que a leitura de um livro representa sejam
considerados “incómodos” que só se farão por obrigação. A realidade virtual
substitui algumas funções do cérebro humano. Encaro isso com grande mágoa.
Dentro de alguns anos os clássicos terão caído em desuso,
amarelecerão nas prateleiras das livrarias, substituídos por histórias de mais
fácil “digestão”. Os livros de aventuras e os romances que alegraram a infância
de tantas gerações serão considerados obsoletos, antiquados, ridículos, na
apreciação de crianças e adolescentes hipercríticos e menos tolerantes.
Todavia, podemos inverter esta tendência se, além de
estimular a leitura e controlar os hábitos televisivos, dermos o exemplo e
desenvolvermos nas crianças a capacidade e o talento de escrever. Escrever e
ler andam a par. O vocabulário aumenta, a gramática melhora, a construção de
frases torna-se mais fluida e mais coerente e uma coisa leva imediatamente à
outra. Escrever. Apenas escrever, sejam diários, poemas, contos, apontamentos
de viagens, o que seja.
Torna-se urgente inverter a tendência. Não há soluções
mágicas. Os hábitos culturais, para se sedimentarem, sobretudo quando vão
contra a “lógica” e o facilitismo do sistema, exigem esforço e tempo. Não se
compram no hipermercado nem na farmácia. Depois da pré-História veio a
História. Não podemos admitir que, depois desta, venha o vazio, o caos e a
iliteracia. Porque virá com eles a diminuição da liberdade.
*Pediatra
1 comentários:
Felicito o autor do livro ora lançado, com um título muito sugestivo, e que, sem o ler ainda, calculo será um importante contributo para uma leitura isenta e rigorosa da factologia ligada à luta pela independência dos dois territórios. A apresentação da Maria Odette Pinheiro é um aliciante convite para a leitura da obra. O texto do Mário Cordeiro é, por seu turno, importante como mensagem pedagógica e, desde logo, incentivadora da leitura deste livro, Mulheres de Pano Preto.
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