Eis mais um inédito da escritora, contista Maria
Margarida Mascarenhas (1938-2011) enviado ao «Coral Vermelho» pelas mãos amigas
de Adriano Miranda Lima. Uma crónica sobre o final da vida.
Cemitério de elefantes
A caçula da Clotilde já
os enterrou a todo, um a um, desde que retornaram de Angola. Conheci-a
acompanhando a penúltima às sessões de quimioterapia. Saberá ainda recuperar a
vida que não viveu?
Em Cabinda contaram-me
histórias dos cemitérios dos elefantes devastados por caçadores de marfim. Os
elefantes quando pressentem a morte dirigem-se para um local escolhido para
isso.
Há quem tome as suas
decisões. Há quem delegue noutros essa decisão e há aqueles a quem ninguém
pergunta nada e se decide tudo por eles. EUTANÁSIA.
A Maria Inácia foi levada
no dia um de Setembro para uma antecâmara de um desse lugares de nomes
celestiais e paradisíacos e pela primeira vez recusou comer os meus chocolates.
Como sempre fui conversar
com o meu banco azul. A Bela acácia mesmo em frente ao banco definhava a olhos vistos,
cheia de buracos e infestada de cogumelos gigantes. A última poda deve ter
ditado, para meu desgosto, a sentença. A serra eléctrica cortou-a cerce ao
passeio e ali estava aquele vazio alargando-me o panorama do rio.
Todos os dias contemplo o
que sobejou, uma face em forma de coração expondo como num calendário dos Maias
a história daquela vida e o tempo que a habitou. Círculos concêntricos e irregulares
onde conto os anos e as fases daquela vida. Anos mais fartos, anos mais
sóbrios, rugas, dores e cicatrizes. Entre a lisura do tronco e a sua crosta
nasceu um misericordioso rio resinoso formando colóides.
Surpreendeu-me hoje
aquele relógio vegetal de raízes pujantes. As chuvas de Setembro choraram sobre
ela e no bico da oração cresce já com alguns ramos uma futura árvore se a lei humana se sobrepuser à
Natural. As duas leis que regem aquele jardim....
A quem posso ainda oferecer chocolates?
Paço de Arcos, 28 de Setembro de 2006
Maria Margarida Mascarenhas
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