O texto que se segue é da autoria de Maria Margarida Mascarenhas (1938-2011)
Trata-se de um inédito, gentilmente enviado por Adriano Miranda Lima, colaborador deste Blogue.
“A DIMENSÃO OCULTA”
É o título de um livro de tese do T. Hall que vivamente
recomendo a quem não o leu.
Vou atrever-me a
extrapolar um pouco a sua teoria para outras áreas e até ao Tempo.
O meu cunhado que é de
origem céltica, de olhos azuis e pele de lagosta cozida, desembarcou no
Aeroporto do Sal com a minha irmã que é cabo-verdiana. No controle dos passaportes
passou de imediato a minha irmã ficando ele do outro lado da fronteira para
preencher papeladas e solicitar o visto. O Funcionário ficou girando o
passaporte nas mãos e olhando para cada um deles em amena conversa de cada qual
do lado das suas fronteiras. Foi então que num gesto lento dos salenses ele
aboliu as fronteiras devolvendo-lhe o passaporte português: é casado com ela,
pode passar, nhô ê cabo-verdiano!
Foi um gesto de
simbologia e efeitos invejáveis pelas diplomacias de corredores e de turismo de
folhetos: como um sincero voto de boa estadia! Sem gorjetas nem corrupção. A
dimensão oculta da nossa Morabeza.
Em Cabo Verde tudo se
resolve naturalmente noutra dimensão temporal e espiritual. Foi também assim
com o meu problema identitário e com a maturidade do País.
As fronteiras traçadas
pelos políticos e as outras onde nós nos encarceramos.
Em 1978 fui pela
primeira vez a Cabo Verde após a independência. Levei passaporte cabo-verdiano
e corria tudo bem quando me surgiu um problema que parecia grave. Para sair
exigiam-me comprovativo de trabalho em Portugal e autorização de residência que
está claro não possuía.
Tinha de ir trabalhar
no dia seguinte em Portugal e lá me vi ensanduichada numa fila sem espaço para
corpos, ensopada no suor dos meus patrícios de construção civil num dia de Verão
sufocante, num estreito corredor que se estendia para a rua, na Polícia de
fronteiras.
Nisto passa alguém
conhecido que ao me ver naquele sufoco e me tira da fila convidando-me discretamente
a sair para um refresco. Naquela proxémia de “fila africana” já não sabia qual
a minha identidade.
Precavida, levara
também na mala o meu passaporte português, com que por fim acabei por sair de
Cabo Verde através de outra dimensão oculta.
De 1978 a 2006 a
evolução natural da nossa dimensão oculta.
Paço de Arcos, 2 de Agosto de 2006
Maria Margarida Mascarenhas
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