segunda-feira, 28 de março de 2016

O texto que se segue é da autoria de Maria Margarida Mascarenhas (1938-2011)
Trata-se de um inédito, gentilmente enviado por Adriano Miranda Lima, colaborador deste Blogue.
 
“A DIMENSÃO OCULTA”


É o título de um livro de tese do T. Hall que vivamente recomendo a quem não o leu.

 A dimensão a que se refere diz respeito à “proxémia” ou a distância a que cada povo no Universo tolera a proximidade física do outro em sociedade.

Vou atrever-me a extrapolar um pouco a sua teoria para outras áreas e até ao Tempo.

O meu cunhado que é de origem céltica, de olhos azuis e pele de lagosta cozida, desembarcou no Aeroporto do Sal com a minha irmã que é cabo-verdiana. No controle dos passaportes passou de imediato a minha irmã ficando ele do outro lado da fronteira para preencher papeladas e solicitar o visto. O Funcionário ficou girando o passaporte nas mãos e olhando para cada um deles em amena conversa de cada qual do lado das suas fronteiras. Foi então que num gesto lento dos salenses ele aboliu as fronteiras devolvendo-lhe o passaporte português: é casado com ela, pode passar, nhô ê cabo-verdiano!

Foi um gesto de simbologia e efeitos invejáveis pelas diplomacias de corredores e de turismo de folhetos: como um sincero voto de boa estadia! Sem gorjetas nem corrupção. A dimensão oculta da nossa Morabeza.

Em Cabo Verde tudo se resolve naturalmente noutra dimensão temporal e espiritual. Foi também assim com o meu problema identitário e com a maturidade do País.

As fronteiras traçadas pelos políticos e as outras onde nós nos encarceramos.

Em 1978 fui pela primeira vez a Cabo Verde após a independência. Levei passaporte cabo-verdiano e corria tudo bem quando me surgiu um problema que parecia grave. Para sair exigiam-me comprovativo de trabalho em Portugal e autorização de residência que está claro não possuía.

Tinha de ir trabalhar no dia seguinte em Portugal e lá me vi ensanduichada numa fila sem espaço para corpos, ensopada no suor dos meus patrícios de construção civil num dia de Verão sufocante, num estreito corredor que se estendia para a rua, na Polícia de fronteiras.

Nisto passa alguém conhecido que ao me ver naquele sufoco e me tira da fila convidando-me discretamente a sair para um refresco. Naquela proxémia de “fila africana” já não sabia qual a minha identidade.

Precavida, levara também na mala o meu passaporte português, com que por fim acabei por sair de Cabo Verde através de outra dimensão oculta.

De 1978 a 2006 a evolução natural da nossa dimensão oculta.

Paço de Arcos, 2 de Agosto de 2006

 
Maria Margarida Mascarenhas

 

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