No
passado dia 20 uma onda perpassou sobre o arquipélago e coloriu todas as ilhas
de verde anunciando a Primavera. Chegou com a pontualidade de um relógio suíço
e rigorosamente como indicado no calendário do tempo - 20
de Março, equinócio de Primavera 2016.
O
MpD – o partido da liberdade e da democracia – voltou ao poder depois de uma
longa travessia no deserto de quinze penosos anos. O povo saiu à rua e a festa
foi rija e grossa até de madrugada muito alta onde nem sequer faltou fogo de
artifício celebrando o equinócio político.
Ulisses
Correia e Silva, o timoneiro desta viagem vitoriosa é aclamado, com todo o
mérito, por todo o lado. É a personagem do momento para a qual todas as
esperanças convergem. No discurso da vitória lembrou que não há vencedores nem
vencidos mas apenas Cabo Verde. Ficou-lhe muito bem para um discurso de vitória.
É um lugar-comum para as pessoas de bom senso.
Mas
a sua vitória sendo saborosíssima por vivificar o nosso sistema democrático ao
corporizar a alternância democrática não é inédita e, felizmente, ficou aquém
das de Carlos Veiga – duas maiorias qualificadas – o que faz de Jorge Nogueira
o verdadeiro homem-surpresa destas eleições pelo ineditismo do seu êxito –
cobrir a ilha do Fogo de verde.
As
promessas do PM “eleito” eufemisticamente transformadas em “compromissos” sendo
necessárias e certas, só serão válidas e úteis se forem bem executadas. O
caminho é escabroso não pelas opções de políticas mas porque está minado com as
nomeações de última hora do PM cessante, as inúmeras agências reguladoras –
cerca de duas dezenas – dominadas completamente pelo aparelho partidário do
PAICV, as empresas públicas dirigidas pelos boys
quase todos da Comissão Política do
PAICV, a Função Pública infestada com os rapazes e as meninas do PAICV, as
instituições do ensino público na sua quasi-totalidade orientadas e
contaminadas pela ideologia sustentada numa narrativa histórica do PAICV (Não
esquecer que em 41 anos da História como país independente 31 são do PAIGC/CV)…
A
tudo isto deve-se ajuntar a enorme dívida pública, o estado calamitoso de
algumas empresas públicas da qual sobressaem os TACV, a IFH e a Electra, o
anémico crescimento económico (à volta de 1%), as depauperadas finanças
públicas com a dívida acima dos 120% do PIB, entre outras.
É
assim que quando vi escrito em outdoors
com fotografia de Ulisses “Nha partido é
Cabo Verde” a minha primeira reacção foi de apreensão e preocupação… Apreensivo
por chegar a pensar que o slogan era
uma demarcação dos partidos políticos e do seu MpD relegado para um cantinho; preocupado
porque me sugeria uma perigosa presunção, precisamente porque não há democracia
sem partidos políticos; e, algum temor à mistura porque apesar de ter dito que
rezava todos os dias para que o poder não lhe subisse à cabeça, a frase
representava um certo messianismo que o desmentia; e também, porque é sabido
que a popularidade é quase sempre um produto da propaganda e, consequentemente
efémera, e ninguém ganha eleições, sobretudo as legislativas, sem uma poderosa
máquina partidária a sustentá-lo. Por fim, pensando melhor, considerei-a uma
metáfora eleitoralista que o coloca já como Primeiro-Ministro e deste modo
acima dos partidos políticos.
Não
tenhamos dúvidas: Procurem e especulem os analistas políticos sobre as causas
da vitória do MpD ou da derrota do PAICV. Encontrarão, seguramente, várias.
Mas
a verdade, verdadinha, é que o governo e as suas estruturas de apoio estavam a
cair de podre e o povo cabo-verdiano com a sua sabedoria e sentido de oportunidade
resolveu dar-lhes o golpe de misericórdia.
Mau
grado as enormes qualidades (que circunstancialmente conheci durante o tempo
que junto partilhamos no Governo) de Ulisses Correia e Silva – seriedade, humildade
e muito empenhamento – hoje potenciadas pela sua significativa e consistente
experiência política – partidária, autárquica
e parlamentar, para além da já referida governativa – o seu principal trunfo
foi a excelente gestão da Câmara da Praia que não sendo pouco, não era,
contudo, suficiente para o extrapolar às outras ilhas, o projectar à escala
nacional e provocar o tsunami que arrasou o PAICV para o qual a UCID também muito
contribuiu. Quem ganhou as eleições foi o MpD no seu todo. E foi toda a equipa
do MpD, sem qualquer excepção, de Santo Antão à Brava que soube tão bem
explorar as fragilidades de um governo/partido corroído por escândalos vários –
má-gestão (incompetência) e gestão danosa (incompetência e/ou corrupção se for
intencional) gritantes, forte clientelismo, laxismo, nepotismo, amiguismo – e que
há muito dava mostras de cansaço, de ausência de alternativas; em suma, de coma
profundo.
A
vitória é colectiva. É do MpD. O que não desmerece, bem pelo contrário,
valoriza Ulisses como seu líder.
Da
minha parte, temo profundamente os homens providenciais. O culto da
personalidade, do qual temos todos uma péssima recordação, é grave e perigoso.
Muito perigoso mesmo! E Ulisses não merece, de todo, este tratamento.
Assim
como uma andorinha não faz a Primavera, um homem só, não resolve os problemas
de um país em regimes democráticos. Repito: Não basta apenas ter boas escolhas,
fazer opções certas. Muito mais importante é que estas escolhas sendo certas
sejam também bem executadas. É aqui que entra a equipa, o partido e a sua
envolvência.
Por
isso, quem “vai governar” é o MpD e deve fazê-lo com uma equipa coesa, empenhada,
pragmática, ciente e respeitadora dos “compromissos” assumidos. Os compromissos
não são só do Ulisses Correia e Silva que é, obviamente, o mais credenciado “porta-voz”
do seu partido. São sobretudo do partido que ele lidera. Mas já as várias
equipas dos mais diferentes níveis que os irão concretizar serão, em última
instância, da sua inteira responsabilidade.
O
caminho é estreito e totalmente minado; a margem de manobra extremamente
limitada.
Impõe-se
tirar proveito da alternância que as eleições proporcionaram, o que exige muita
coragem e engenho para desminar e desarmadilhar o terreno e lançar
alternativas, novos paradigmas de governação, uma vez que os actuais estão absolutamente
esgotados.
Todos
serão necessários porque o caminho é difícil… Muito difícil mesmo! Ninguém pode
ser dispensável…
A. Ferreira
2 comentários:
“Seriedade, humildade e muito empenhamento”, atributos que o novo primeiro-ministro me parece possuir. Bastou-me observar-lhe o olhar aquando do debate com a Janira Almada, para adquirir esta convicção. Dir-se-á que não é o bastante, mas julgo que para um país como Cabo Verde é já muito. Essa tríade subentende outro princípio, que é o falar a verdade aos cabo-verdianos sobre a realidade do país, as dificuldades que é preciso vencer e a impossibilidade de acudir em simultâneo a todos os problemas.
Hoje fala-se muito em estado de graça. Se ele mantiver aqueles princípios na sua conduta governativa, não creio que os cabo-verdianos não lhe confiram um sempre renovado estado de graça.
“Seriedade, humildade e muito empenhamento”, atributos que o novo primeiro-ministro me parece possuir. Bastou-me observar-lhe o olhar aquando do debate com a Janira Almada, para adquirir esta convicção. Dir-se-á que não é o bastante, mas julgo que para um país como Cabo Verde é já muito. Essa tríade subentende outro princípio, que é o falar a verdade aos cabo-verdianos sobre a realidade do país, as dificuldades que é preciso vencer e a impossibilidade de acudir em simultâneo a todos os problemas.
Hoje fala-se muito em estado de graça. Se ele mantiver aqueles princípios na sua conduta governativa, não creio que os cabo-verdianos não lhe confiram um sempre renovado estado de graça.
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