Codornizes um petisco à sua mesa
A semana começou sob o signo das aves com a inquietante
pergunta da minha priminha Susana Loff se gostaria de ser ave. Está claro que
lhe respondi que gosto de ser mulher e voar com uma propulsão vinda do
interior.
Depois veio a ternura do pardalinho da Lica e a águia do Adriano, esta
última uma espécie de Lili Caneças do reino dos pássaros.
Mas de manhã muito cedo no meu passeio matinal tive um choque desagradável
ao deparar logo à entrada do meu Jardim com aquele painel explosivo de uma
espécie de ave-do-paraíso de rosto alienígeno e triste e cauda exuberante
desfolhando-se como fogo de artifício em pétalas de sangue. Recuei
instintivamente mas corajosamente continuei em frente. Outros tantos painéis
expunham-se abrindo alas grafitando-me a consciência e ameaçando-me com os seus
labirintos, setas, garras, bicos afiados gotejando sangue, punhais, granadas de
mão, faróis amarelos de escondidos automóveis, entranhas de motores, setas,
setas e mais setas num emaranhado de cores negras e vermelhas apontavam-me a
saída daquele labirinto, mas não atinava com ela. Vi um pássaro dinossáurico
sobrevoando numa sugestão humana uma mesa de mistura de sons em cores cinzentas
num ambiente sufocante de um Disco-jockey corcunda. Uma rapariga de sonho com
um cabelo emaranhado de setas e sangue exibindo uma bem desenhada flor
cor-de-rosa na orelha. O painel de traços menos psicadélico delineava um
militar de rosto oriental com um capacete tapando-lhe os olhos, tendo do lado
esquerdo uma mão segurando uma granada e do lado direito uma espécie de pequeno
cadafalso com um dedo engatilhado na corda.
E no meio desta inconformidade e revolta dos guetos urbanos destoava um
jovem azul contorcendo-se numa calçada branca num rap ou quiçá numa capoeira
baiana.
Semana da Juventude em Oeiras e a municipalidade tentando engodar este
gueto aprisionando-o em painéis de madeira prensada.
Mas por detrás de um painel descubro que continuaremos a
ter as paredes sujas por aí e que não passa de umas tréguas com o outro gueto a
que pertenço.
Nas costas de todas, as telas
aliviavam-se com textos e www endereçando-nos para os seus sites e obrigavam-me
a enfrentar a minha consciência. Não faça de konta ke não sabe kem somos!
Apesar de tudo que venham os Freuds e Hitchcoks da Praça
desmontar esses pássaros, motores, velocidades, faróis, discotecas e essas
setas que persistem em aparecer na variedade de autores, ou pertencem à mesma
escola.
Quando cheguei à porta da minha casa, ainda me senti
entusiasmada com o belo desenho da carrinha de distribuição do meu minimercado
exibindo umas codornizes encantadoras que me sorriem sem ressentimentos
convidando-me: Codornizes, um petisco à sua mesa. E garanto-vos que o desenho
não continha gotas de sangue. Não há Hanniball que resista.
Paço de Arcos, 13
de Maio de 2006
Maria Margarida
Mascarenhas
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