Retomando
o texto do Armindo, gostaria de acrescentar que na poesia de Gabriel Mariano, é
recorrente a figura de “Capitão”
enquanto sujeito poético e com a significação de líder popular, de quem está à
cabeça de algo que há-de acontecer, uma revolução, uma sublevação, uma mudança,
um novo dia. Semantema polissémico, “capitão”
ganha igualmente estatura profética, pois ele é anunciador de um futuro próximo diferente,
para melhor, contido em desejo veemente na mensagem poética de G. Mariano.
Assim foi em
“Capitão Ambrósio” (1956)
poema ícone, não só de um tempo acusatório de fome, de crise, mas também
augúrio para tempos novos, para “madrugadas” de promessas e plenas de
esperanças.
Ora,
daí que surja o nosso Nho Ambroze – Mestre Ambrósio, carpinteiro de profissão,
na explicação dada por Baltazar Lopes da Silva - transfigurado poeticamente em “Capitão Ambrósio” um autêntico lider,
capaz de galvanizar todo o Arquipélago, para um levantamento, pois ele ousou,
porque o povo estava afrontado, e foi preso por isso mesmo. Pagou com o degredo
e a masmorra o “crime” da sua coragem.
Gabriel
Mariano, empresta ao seu sujeito poético: “Capitão
Ambrósio uma projecção e uma dimensão épicas. Um herói popular, um profeta,
um mártir. “Capitão Ambrósio”
corporiza e antropormorfiza, a figura desejada, esperada, para que as ilhas
entrassem em “trilhos verdes florindo” para
que o povo pudesse “ plantar na dor nova
flor” e “cantar na madrugada limpa”
Poema
de tom empolgante e de ritmo em crescendo, “Capitão Ambrósio” assume-se hino,
ode, canto e marcha triunfal, rumo à liberdade.
Outra
nota interessante em Gabriel Mariano, é que Ambrósio tinha que ser “mulato”. É que assim
carrea a simbologia/antropológica do cabo-verdiano mestiço, ou, não fosse G.
Mariano autor do grande ensaio «Do Funco
ao Sobrado – ou o Mundo que o Mulato criou» (1959) perfigurando as ilhas de Cabo Verde. O
ensaista exaltou sempre o papel do mestiço, o protagonista, o motor e “a força
propulsora” da construção da sociedade cabo-verdiana. Logo, tanto para o poeta,
como para o ensaísta, o mulato é o sujeito/objecto da própria caboverdianidade.
Apenas
para o leitor se relembrar, transcrevo a seguir algumas estrofes do longo e
épico poema:
CAPITÃO
AMBRÓSIO
(...)
O povo marcha na rua.
Vai na frente o Ambrósio
mulato Ambrósio guiando
leva nas mãos a bandeira.
Pesada e fria é a noite
injusta e amarga é a fome
mas vai na frente o Ambrósio
e há promessas de luz
para além da negra bandeira
novos caminhos de amor
de trás da negra bandeira
caminhos novos sorrindo
florindo novos destinos
Certos
Perfeitos
Abertos
Em olhos famintos abrindo
destinos claros na frente ...
(...)
Guiando o povo marchando.
(...)
Foi
um minuto
veio
o vento e passou.
Mulato
Ambrósio foi preso
julgado
e preso o Ambrósio
preso
para longe o Ambrósio
mandado
pra longe o Ambrósio
longe
do povo o Ambrósio.
Mas
a bandeira ficou.
Morreu
e foi enterrado
mas
a bandeira ficou.
Meu
capitão
e
a morte chega sempre indesejada.
(...)
Capitão!
a voz vem dos mortos
-
Vem nos ventos e na lua -
vem
dos vivos sem rumo
vem
nos famintos catando
o
seu destino na rua.
Capitão!
E a voz
esta
voz somos nós.
Se
o choro
Plantando
na dor nova flor
renasce
com novo calor ?
Capitão!
Esta voz somos nós!
(...)
Capitão!
volta no choro outra vez!
Chiquinha
foi e morreu
Nhonhó
partiu e ficou
Mas
tu volta pra nós.
(...)
A
gente grita cantando
Capitão
Ambrósio chegou!
Chegou
o Ambrósio chegou!
(...)
Na
frente segue Ambrósio!
Meu
pai: manda o povo cantar
manda
o povo cantar na madrugada limpa
manda
o povo cantar com tambores e búzios
Quando
o Ambrósio chegar.
Lisboa,
1956
Ora
bem, o simbólico “Capitão” tão ao
gosto do poeta Gabriel Mariano, representa a força emotiva, que ultrapassa toda
a adversidade. Prefigura a solidariedade, a voz messiânica que se sobrepõe ao
passado/presente e galvaniza o ouvinte/povo a prestar atenção ao futuro outro e
que vem a caminho.
Assim,
vamos encontrar de novo a figura de “capitão” com a mesma simbologia dos versos
anteriores, no poema “Sabará Passará”
que a seguir transcrevo:
- Que homem é aquele que lá vem que lá vem?
É um capitão que vem meu irmão.
As ondas do mar
são altas são altas
Sabará passará!
As ondas do mar
São altas são altas
Sabará passará!
As ondas do mar são
São moles são moles
Sabará passará!
As ondas do mar
Não são de fiar
Pelas ondas do mar
Sabará passará
- Que homem é aquele
que lá vem que lá vem?
É um
Capitão
Que vem
Meu irmão!
( 12 Poemas de Circunstância, 1965)
Afinal,
“Capitão” é uma ideia-força do também
insubmisso poeta que foi Gabriel Mariano.
José
Gabriel Lopes da Silva Mariano, nasceu na Vila Ribeira Brava, ilha de S. Nicolau, a 18 de
Maio de 1928. Faleceu em Lisboa, Portugal, a 18 de Fevereiro 2002. Jurista de
profissão, Escritor, poeta e ensaísta. Autor notável, uma das figuras de proa
na galeria dos grandes pensadores e dos homens da cultura cabo-verdiana.
Iniciou-se no «Boletim Cabo Verde» tendo ganho em 1950, o 1º prémio na
modalidade Conto. Publicou neste períodico, poemas, contos e ensaios.Colaborou
igualmente na revista «Claridade».
Da sua vasta obra publicada, destacamos: «Amor
e Partida na poesia crioula de Eugénio Tavares» ensaio, 1951; «A Mestiçagem:
seu papel na formação da sociedade caboverdeana» ensaio, 1958; «Inquietação e
Serenidade – Aspectos da insularidade em Cabo Verde» ensaio, 1959; «O
Rapaz Doente» conto, 1963; «Uma Introdução à Poesia de Jorge Barbosa»
ensaio, 1964; «12 Poemas de Circunstância» 1965; «João Cabafume» colectânea de
contos, 1976; «Osvaldo Alcântara – O Caçador de Heranças» ensaio, 1991.
Poeta
e ensaísta de mérito, detentor de vários prémios literários e culturais,
Gabriel Mariano figura em inúmeras Revistas e Antologias poéticas de Língua
portuguesa e de língua francesa.
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