sábado, 16 de abril de 2016

Retomando o texto do Armindo, gostaria de acrescentar que na poesia de Gabriel Mariano, é recorrente a figura de “Capitão” enquanto sujeito poético e com a significação de líder popular, de quem está à cabeça de algo que há-de acontecer, uma revolução, uma sublevação, uma mudança, um novo dia. Semantema polissémico, “capitão” ganha igualmente estatura profética, pois ele é  anunciador de um futuro próximo diferente, para melhor, contido em desejo veemente na mensagem poética de G. Mariano.

 Assim foi em  Capitão Ambrósio” (1956) poema ícone, não só de um tempo acusatório de fome, de crise, mas também augúrio para tempos novos, para “madrugadas” de promessas e plenas de esperanças.

Ora, daí que surja o nosso Nho Ambroze – Mestre Ambrósio, carpinteiro de profissão, na explicação dada por Baltazar Lopes da Silva -  transfigurado poeticamente em “Capitão Ambrósio” um autêntico lider, capaz de galvanizar todo o Arquipélago, para um levantamento, pois ele ousou, porque o povo estava afrontado, e foi preso por isso mesmo. Pagou com o degredo e a masmorra o “crime” da sua coragem.

Gabriel Mariano, empresta ao seu sujeito poético: “Capitão Ambrósio uma projecção e uma dimensão épicas. Um herói popular, um profeta, um mártir. “Capitão Ambrósio” corporiza e antropormorfiza, a figura desejada, esperada, para que as ilhas entrassem em “trilhos verdes florindo” para que o povo pudesse “ plantar na dor nova flor” e “cantar na madrugada limpa”

Poema de tom empolgante e de ritmo em crescendo, “Capitão Ambrósio” assume-se hino, ode, canto e marcha triunfal, rumo à liberdade.

Outra nota interessante em Gabriel Mariano, é que  Ambrósio tinha que ser “mulato”. É que assim carrea a simbologia/antropológica do cabo-verdiano mestiço, ou, não fosse G. Mariano  autor do grande ensaio «Do Funco ao Sobrado – ou o Mundo que o Mulato criou»  (1959) perfigurando as ilhas de Cabo Verde. O ensaista exaltou sempre o papel do mestiço, o protagonista, o motor e “a força propulsora” da construção da sociedade cabo-verdiana. Logo, tanto para o poeta, como para o ensaísta, o mulato é o sujeito/objecto da própria caboverdianidade.

Apenas para o leitor se relembrar, transcrevo a seguir algumas estrofes do longo e épico poema:

CAPITÃO AMBRÓSIO

                                                                 (...)

O povo marcha na rua.

Vai na frente o Ambrósio

mulato Ambrósio guiando

leva nas mãos a bandeira.

Pesada e fria é a noite

injusta e amarga é a fome

mas vai na frente o Ambrósio

e há promessas de luz

para além da negra bandeira

novos caminhos de amor

de trás da negra bandeira

caminhos novos sorrindo

florindo novos destinos

Certos

Perfeitos

Abertos

Em olhos famintos abrindo

destinos claros na frente ...

                     (...)

Guiando o povo marchando.

                     (...)

Foi um minuto

veio o vento e passou.

Mulato Ambrósio foi preso

julgado e preso o Ambrósio

preso para longe o Ambrósio

mandado pra longe o Ambrósio

longe do povo o Ambrósio.

Mas a bandeira ficou.

Morreu e foi enterrado

mas a bandeira ficou.

Meu capitão

e a morte chega sempre indesejada.

                     (...)

Capitão! a voz vem dos mortos

- Vem nos ventos e na lua -

vem dos vivos sem rumo

vem nos famintos catando

o seu destino na rua.

Capitão! E a voz

esta voz somos nós.

Se o choro

Plantando na dor nova flor

renasce com novo calor ?

Capitão! Esta voz somos nós!

(...)

Capitão! volta no choro outra vez!

Chiquinha foi e morreu

Nhonhó partiu e ficou

Mas tu volta pra nós.

(...)

A gente grita cantando

Capitão Ambrósio chegou!

Chegou o Ambrósio chegou!

(...)

Na frente segue Ambrósio!

Meu pai: manda o povo cantar

manda o povo cantar na madrugada limpa

manda o povo cantar com tambores e búzios

Quando o Ambrósio chegar.

Lisboa, 1956

Ora bem, o simbólico “Capitão” tão ao gosto do poeta Gabriel Mariano, representa a força emotiva, que ultrapassa toda a adversidade. Prefigura a solidariedade, a voz messiânica que se sobrepõe ao passado/presente e galvaniza o ouvinte/povo a prestar atenção ao futuro outro e que vem a caminho.

Assim, vamos encontrar de novo a figura de “capitão” com a mesma simbologia dos versos anteriores,  no poema “Sabará Passará” que a seguir transcrevo:

 - Que homem é aquele que lá vem que lá vem?

É um capitão que vem meu irmão.

As ondas do mar

são altas são altas

Sabará passará!

As ondas do mar

São altas são altas

Sabará passará!

As ondas do mar são

São moles são moles

Sabará passará!

As ondas do mar

Não são de fiar

Pelas ondas do mar Sabará passará

- Que homem é aquele que lá vem que lá vem?

É um

Capitão

Que vem

Meu irmão!

( 12 Poemas de Circunstância, 1965)

Afinal, “Capitão” é uma ideia-força do também  insubmisso poeta que foi Gabriel Mariano.

José Gabriel Lopes da Silva Mariano, nasceu na Vila  Ribeira Brava, ilha de S. Nicolau, a 18 de Maio de 1928. Faleceu em Lisboa, Portugal, a 18 de Fevereiro 2002. Jurista de profissão, Escritor, poeta e ensaísta. Autor notável, uma das figuras de proa na galeria dos grandes pensadores e dos homens da cultura cabo-verdiana. Iniciou-se no «Boletim Cabo Verde» tendo ganho em 1950, o 1º prémio na modalidade Conto. Publicou neste períodico, poemas, contos e ensaios.Colaborou igualmente na revista «Claridade».

 Da sua vasta obra publicada, destacamos: «Amor e Partida na poesia crioula de Eugénio Tavares» ensaio, 1951; «A Mestiçagem: seu papel na formação da sociedade caboverdeana» ensaio, 1958; «Inquietação e Serenidade – Aspectos da insularidade em Cabo Verde» ensaio, 1959; «O Rapaz  Doente» conto, 1963;  «Uma Introdução à Poesia de Jorge Barbosa» ensaio, 1964; «12 Poemas de Circunstância» 1965; «João Cabafume» colectânea de contos, 1976; «Osvaldo Alcântara – O Caçador de Heranças» ensaio, 1991.  

Poeta e ensaísta de mérito, detentor de vários prémios literários e culturais, Gabriel Mariano figura em inúmeras Revistas e Antologias poéticas de Língua portuguesa e de língua francesa.    

 

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