O poeta luso-cabo-verdiano, Daniel Filipe, nasceu a 11 de Dezembro de 1925, na ilha da Boavista e faleceu em Lisboa, ainda novo aos 38 anos de idade, a 6 de Abril de 1964. Portanto há 52 anos.
De acordo com os
seus biógrafos, entre os quais, destaco e cito Manuel Ferreira, (vide «No Reino
de Caliban», Vol. I 1975) é quem nos informa que o poeta Daniel Filipe, de seu
nome completo, Daniel Damásio da Ascenção Filipe, chegou criança ainda – “com cerca de 2 anos de idade” – a
Portugal, levado pelo pai, deportado na Boavista, Coronel médico, Gonçalo
Monteiro Filipe. A mãe, Rita Maria Ascensão, era natural da ilha das dunas.
Na antiga Metrópole, Daniel Filipe fez os
seus estudos e foi funcionário do Minstério do Ultramar. Esteve destacado na
Agência – Geral do Ultramar e, daí dirigia o programa radiofónico: Voz do Império, da Emissora Nacional.
Figura em várias antologias poéticas de Língua
portuguesa. Tendo aparecido na 3ª edição da Antologia da Novíssima Poesia
Portuguesa, publicada em 1971, edição Círculo de Poesia, Livraria Moraes
Editora e que abarcou poetas do período
1945-1971 . Mas já antes desta importante edição, Daniel Filipe publica em 1965, na
«Poesia Portuguesa de após-Guerra
de 1945 – 1965».
Interessante é que nela, na Antologia citada, já aparece impresso o poema mais famoso e
conhecido de Daniel Filipe que é a «Invenção
do Amor», então muito declamado, nos anos 60 do século XX –
ainda que sob censura e ameças da polícia política – em saraus poéticos e em manifestações nas Universidades
portuguesas e nos teatros de intervenção, como um dos poemas ícones de protesto
ao então regime salzarista. De recordar que o seu autor, foi perseguido e
torturado pela PIDE.
Para além desse emblemático poema que marcou uma
época, e que foi publicado pela primeira vez em 1961, sob forma de opúsculo;
Daniel Filipe, deixou extensa e densa obra (se pensarmos na brevidade vivida.
Morreu aos 38 anos de idade) marcada pela sentimento de solidão, de bloqueio e
de pátria como lugar de exílio. Tópicos marcantes na escrita poética dita de
intervenção social, na linha da literatura portuguesa neo-realista, então
vigente.
Da sua poesia conhecida e publicada, no tocante a Cabo
Verde, distingue-se: «Missiva» (1946);
«Marinheiro em Terra» (1949); «A Ilha e a Solidão» (1957) este último, mereceu
o prémio Camilo Pessanha. A evocação da mãe-ilha, atravessada por uma
melancolia em que a saudade e a morna, mais
um certo sentimento de orfandade pela ausência materna, acabam por ser neste
livro, os sujeitos poéticos saudosamente mencionados pelo autor. No fundo e tal
como disse Manuel Ferreira, “retomando a
caboverdianidade.”
Pois bem, Daniel Filipe traz-nos no poema Ilha a seguir transcrito, a
lembrança/saudade, que guardou da sua ilha, ainda que através de num exercício
de reminiscência:
Ilha
No azul líquido é somente
um ponto anónimo da carta.
Ô minha fala inconsequente!
Saudade morna do ausente,
distante ainda que não parta!
O horizonte é linha de àgua
por estrelas-peixe enodoada.
Se me recordo em bruma e mágoa,
à solidão da ilha trago-a
dentro de mim petrificada.
(A Ilha e a
Solidão, 1957)
Eis mais um poema de Daniel Filipe. Nele o poeta evoca
a aventura/desventura da pesca da baleia:
Romance de
Tomasinho-Cara-Feia
Farto de sol e de areia,
que é o mais que a terra dá,
tomasinho-cara-Feia,
vai prá pesca da baleia.
Quem sabe se tornará?
Torne ou não torne, que tem?
Vai cumprir o seu destino.
só nha Fortunata, a mãe,
que é velha e não tem ninguém,
chora pelo seu menino.
Torne ou não torne, que importa?
Vai ser igual ao avô.
Não volta a bater-me à porta;
deixou para sempre a horta,
que a longa seca matou.
Tomasinho-Cara-Feia,
(outro nome, quem lho dá?)
Farto de sal e de areia,
foi prá pesca da baleia.
- E nunca mais voltará.
(A Ilha e a Solidão, 1957)
Em Cabo Verde
os seus poemas foram publicados no antigo «Boletim Cabo Verde», nos anos 60 do
século passado, periódico dirigido por Dr. Bento Levy.
Daniel Filipe, colaborou na revista literária «Távola
Redonda» onde figuraram os mais distintos poetas portugueses de então. Foi
co-Director dos Cadernos Poéticos,
«Notícias do Bloqueio», título sugestivo e bem significativo para a
época.
Para além das obras já referidas, temos deste autor: O Viageiro Solitário (1951); Recado para a Amiga Distante (1956);
O Manuscrito na Garrafa (romance,
1960); Pátria, Lugar de Exílio (1963).
Daniel Filipe foi um poeta do seu tempo e os seus
textos reflectem o contexto sócio-político em que viveu. Poeta culto, marcado
por uma indagação inquieta e constante sobre o presente em que é negada ao
Homem a fruição da liberdade, e sobre o futuro que se apresenta presumivelmente
bloqueado. Carrega o poeta um sentimento de uma angústia existencial permanente
que vai percorrer grande parte da sua escrita. Esta angústia apresenta-se
envolta em revolta (s) sugerida (s), que acabam transmudadas na mais profunda poesia. E isto
acontece em grande parte dos seus textos.
Para terminar este escrito - que mais não pretendeu que
relembrar um grande nome da poesia de língua portuguesa, que foi Daniel
Filipe - deixo ao leitor, à guisa de fecho, as páginas que contêm a infausta notícia
da morte do poeta, ocorrida em Abril de 1964 e enviada por Humberto Duarte
Fonseca, ao «Boletim Cabo Verde» foi publicada no número de Abril-Junho do
mesmo ano, aproveitando o períodico cabo-verdiano a ocasião para prestar homenagem ao poeta
luso-cabo-verdiano prematuramente desaparecido como se ilustra nas páginas que
se seguem:
1 comentários:
Um grande poeta. Deixou-nos obra sólida. Foi reconhecido no seu tempo, e neste, que é hoje o nosso, D. Filipe parece-me perdido entre duas fronteiras de esquecimento, numa espécie de terra de ninguém. Obrigado pela lembrança e pela partilha.
José E. Cunha
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