Daniel Filipe – Poeta da solidão e do exílio

domingo, 10 de abril de 2016

O poeta luso-cabo-verdiano, Daniel Filipe, nasceu a 11 de Dezembro de 1925, na ilha da Boavista e faleceu em Lisboa, ainda novo aos 38 anos de idade, a 6 de Abril de 1964. Portanto há 52 anos.

 De acordo com os seus biógrafos, entre os quais, destaco e cito Manuel Ferreira, (vide «No Reino de Caliban», Vol. I 1975) é quem nos informa que o poeta Daniel Filipe, de seu nome completo, Daniel Damásio da Ascenção Filipe, chegou criança ainda – “com cerca de 2 anos de idade” – a Portugal, levado pelo pai, deportado na Boavista, Coronel médico, Gonçalo Monteiro Filipe. A mãe, Rita Maria Ascensão, era natural da  ilha das dunas.

Na antiga Metrópole, Daniel Filipe  fez  os seus estudos e foi funcionário do Minstério do Ultramar. Esteve destacado na Agência – Geral do Ultramar e, daí dirigia o programa radiofónico: Voz do Império, da Emissora Nacional.

Figura em várias antologias poéticas de Língua portuguesa. Tendo aparecido na 3ª edição da Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, publicada em 1971, edição Círculo de Poesia, Livraria Moraes Editora e que abarcou poetas  do período 1945-1971 . Mas já antes desta importante edição, Daniel Filipe publica  em 1965, na  «Poesia Portuguesa de após-Guerra de 1945 – 1965».

Interessante é que nela, na Antologia citada, já  aparece impresso o poema mais famoso e conhecido de Daniel Filipe que é a «Invenção do Amor», então muito declamado, nos anos 60 do século XX  ainda que sob censura e ameças da polícia política em saraus poéticos e em manifestações nas Universidades portuguesas e nos teatros de intervenção, como um dos poemas ícones de protesto ao então regime salzarista. De recordar que o seu autor, foi perseguido e torturado pela PIDE.

Para além desse emblemático poema que marcou uma época, e que foi publicado pela primeira vez em 1961, sob forma de opúsculo; Daniel Filipe, deixou extensa e densa obra (se pensarmos na brevidade vivida. Morreu aos 38 anos de idade) marcada pela sentimento de solidão, de bloqueio e de pátria como lugar de exílio. Tópicos marcantes na escrita poética dita de intervenção social, na linha da literatura portuguesa neo-realista, então vigente.

Da sua poesia conhecida e publicada, no tocante a Cabo Verde, distingue-se:  «Missiva» (1946); «Marinheiro em Terra» (1949); «A Ilha e a Solidão» (1957) este último, mereceu o prémio Camilo Pessanha. A evocação da mãe-ilha, atravessada por uma melancolia em que a  saudade e a morna, mais um certo sentimento de orfandade pela ausência materna, acabam por ser neste livro, os sujeitos poéticos saudosamente mencionados pelo autor. No fundo e tal como disse Manuel Ferreira, “retomando a caboverdianidade.”

Pois bem, Daniel Filipe traz-nos no poema Ilha a seguir transcrito, a lembrança/saudade, que guardou da sua ilha, ainda que através de num exercício de reminiscência:

Ilha

No azul líquido é somente

um ponto anónimo da carta.

Ô minha fala inconsequente!

Saudade morna do ausente,

distante ainda que não parta!


O horizonte é linha de àgua

por estrelas-peixe enodoada.

Se me recordo em bruma e mágoa,

 à solidão da ilha trago-a

dentro de mim petrificada.

(A Ilha e a Solidão, 1957)

Eis mais um poema de Daniel Filipe. Nele o poeta evoca a aventura/desventura da pesca da baleia:

Romance de Tomasinho-Cara-Feia

Farto de sol e de areia,

que é o mais que a terra dá,

tomasinho-cara-Feia,

vai prá pesca da baleia.

Quem sabe se tornará?


Torne ou não torne, que tem?

Vai cumprir o seu destino.

só nha Fortunata, a mãe,

que é velha e não tem ninguém,

chora pelo seu menino.


Torne ou não torne, que importa?

Vai ser igual ao avô.

Não volta a bater-me à porta;

deixou para sempre a horta,

que a longa seca matou.


Tomasinho-Cara-Feia,

(outro nome, quem lho dá?)

Farto de sal e de areia,

foi prá pesca da baleia.

- E nunca mais voltará.

(A Ilha e a Solidão, 1957)


 Em Cabo Verde os seus poemas foram publicados no antigo «Boletim Cabo Verde», nos anos 60 do século passado, periódico dirigido por Dr. Bento Levy. 

Daniel Filipe, colaborou na revista literária «Távola Redonda» onde figuraram os mais distintos poetas portugueses de então. Foi co-Director dos Cadernos Poéticos,  «Notícias do Bloqueio», título sugestivo e bem significativo para a época.

Para além das obras já referidas, temos deste autor: O Viageiro Solitário (1951); Recado para a Amiga Distante (1956); O Manuscrito na Garrafa (romance, 1960); Pátria, Lugar de Exílio (1963).

Daniel Filipe foi um poeta do seu tempo e os seus textos reflectem o contexto  sócio-político em que viveu. Poeta culto, marcado por uma indagação inquieta e constante sobre o presente em que é negada ao Homem a fruição da liberdade, e sobre o futuro que se apresenta presumivelmente bloqueado. Carrega o poeta um sentimento de uma angústia existencial permanente que vai percorrer grande parte da sua escrita. Esta angústia apresenta-se envolta em revolta (s) sugerida (s), que acabam  transmudadas na mais profunda poesia. E isto acontece em grande parte dos seus textos.

Para terminar este escrito - que mais não pretendeu  que  relembrar um grande nome da poesia de língua portuguesa, que foi Daniel Filipe - deixo ao leitor, à guisa de fecho, as páginas que contêm a infausta notícia da morte do poeta, ocorrida em Abril de 1964 e enviada por Humberto Duarte Fonseca, ao «Boletim Cabo Verde» foi publicada no número de Abril-Junho do mesmo ano, aproveitando o períodico cabo-verdiano  a ocasião para prestar homenagem ao poeta luso-cabo-verdiano prematuramente desaparecido como se ilustra nas páginas que se seguem:

1 comentários:

Anónimo disse...

Um grande poeta. Deixou-nos obra sólida. Foi reconhecido no seu tempo, e neste, que é hoje o nosso, D. Filipe parece-me perdido entre duas fronteiras de esquecimento, numa espécie de terra de ninguém. Obrigado pela lembrança e pela partilha.
José E. Cunha

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